Costa SEF, Governo TAP
Na viagem entre a cave e a placa do aeroporto encontramos de novo o País político em agitação pré-nupcial. O assunto é um clássico, a saber, as aventuras celestes e terrestres da TAP.
O Portugal político está confinado no aeroporto. Primeiro, um cidadão ucraniano é assassinado pelo Estado português em Março e em Dezembro o País explode de indignação e vergonha. A decência em Portugal segue critérios políticos e a vergonha dorme todas as noites com a indignação e não tem vergonha. Na sequência, o ministro da Administração Interna apresenta uma nova encenação de um qualquer teatro do absurdo em que a desonestidade do protagonista é cuspida ao ritmo patético do discurso político. Nada na declaração do ministro faz sentido, nem sentido de Estado, nem sentido político, tudo mais parece a desculpa do aluno preguiçoso e sem inteligência que, apanhado com um largo bigode de chocolate e manchas de sangue na camisa apressa-se a chorar o responso da vítima.
No fundo, o que ocorreu no aeroporto foi um acto terrorista dirigido à excelente pessoa do ministro simulando o exercício da violência de Estado. Os agentes desta atrocidade a soldo de um partido rival ou potência estrangeira estão em prisão domiciliária, a directora demitiu-se, o SEF vai ser objecto de uma purga política e os portugueses continuam apáticos na sua indiferença. É a paz dos cemitérios que domina em Portugal.
Também a reacção do primeiro-ministro sofre de uma certa mutilação da inteligência em benefício da expansão da conveniência. Não se percebe se o líder do Executivo defende o ministro ou tenta salvar o amigo, uma atitude estranha vinda de um político experimentado, hábil entre o Ferrari e um Burro, suficientemente preocupado com a sua carreira política para gastar capital político na infelicidade do ministro infeliz.
Talvez o primeiro-ministro esteja a atingir os limites da sua habilidade política, não conseguindo perceber que tem um cadáver à mesa do Conselho de Ministros. Há sempre um momento em política em que as aparentes capacidades políticas são ultrapassadas pela imprevisibilidade dos factos, e quando tal acontece, os factos ganham sempre. Com ou sem oposição, com mais ou menos sorrisos cínicos, com pequenas ou com grandes mentiras. Nas vésperas da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia não há necessidade de contaminar as salas de Bruxelas com a pequenez da pestilência nacional. Haja dignidade e haja grandeza.
Na viagem entre a cave e a placa do aeroporto encontramos de novo o País político em agitação pré-nupcial. O assunto é um clássico na política indígena, a saber, as aventuras celestes e terrestres da TAP. Amada, odiada, vendida, comprada, privatizada, nacionalizada, a TAP é um objecto voador não identificado que tem hipotecado o tesouro nacional e a paciência dos portugueses.
A TAP tanto descola o orgulho nacional como descola ainda mais o défice do Estado. No fundo, o País trata a TAP como uma instituição nacional e estratégica, só que depois não sabe o que fazer com a companhia, não sabe quem deve administrar a companhia, não sabe pensar a companhia para servir Portugal. A TAP tem sido um repositório de políticos falhados e de administradores incompetentes, pois a nossa geografia desgraçada não pode passar sem uma companhia de aviação, e o valor do Hub de Lisboa é o equivalente à praça das especiarias, ou não fosse a TAP a representação das “Novas Caravelas”. Em Portugal o ridículo não mata, mesmo quando a companhia está infectada pelo eficiente covid. Do ponto de vista subversivo e técnico, a TAP é uma companhia de moscas a forçar um buraco no tecto para poder voar.
Tudo isto converge na excelsa pessoa do ministro das Infraestruturas. O ministro das Infraestruturas não gosta do cargo que ocupa na orgânica do Governo, mas percebe que em função das suas desmedidas ambições políticas tem de estar no lado de dentro da tenda do Grande Circo Socialista. O ministro entende o cargo como uma preparação para ser primeiro-ministro, pois essa é a mensagem do espelho de narciso e da narrativa das estrelas. Pretenso enfant terrible, arrogante, politicamente fútil, tecnicamente aventureiro, o ministro das Infraestruturas quer salvar a TAP a benefício da Nação, pretende o milagre económico para poder usá-lo mais tarde como arma política na disputa pela sucessão. Declara publicamente o que não deve, contorna o trabalho técnico que não faz, mas apresenta um Plano de Reestruturação da TAP para ser discutido pela massa acrítica no Parlamento.
O primeiro-ministro recusa a proposta, o ministro encena a divergência, mas não se demite. Curioso é o duplo movimento de Costa, primeiro segura um ministro morto e em queda, depois empurra um ministro vivo e em ascensão. A responsabilidade colectiva do Governo está transformada numa ruína de um escombro. Observando de perto o primeiro-ministro, minoritário, solitário, acho-o saturado e cansado do grémio nacional. E a Europa ali tão perto.
Mas há ainda um facto político que merece a atenção de uma referência exótica. Refiro-me ao anúncio da candidatura do actual Presidente da República a um Segundo Mandato. A declaração foi feita numa pastelaria em pleno horário de confinamento, num ritual a roçar o clandestino. O gesto só pode significar um acto de solidariedade relativamente aos lojistas arruinados. É uma espécie de estética da abdicação, o despojamento político envolto em condecorações e outras joias políticas. No fim houve bolas de Berlim.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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