A reestruturação da TAP será uma agonia
Que ninguém fique surpreendido se em 2028 ainda estivermos a discutir a recapitalização pública da empresa e se os valores, entretanto despendidos, tiverem duplicado face aos originalmente estimados.
A melhor coisa que poderia acontecer ao plano de reestruturação da TAP seria acabar chumbado em Bruxelas. A razão é simples: O plano de reestruturação não vai reestruturar o que quer que seja, vai simplesmente prolongar a agonia da TAP e dos contribuintes ao longo de intermináveis anos. Se o plano do ministro avançar, a minha expectativa é que a TAP acabe como a Alitalia, isto é, moribunda, e que o Estado acabe a injectar na companhia bastante mais do que os 3.700 milhões de euros já anunciados até 2024. Por outras palavras, que ninguém fique surpreendido se em 2028 ainda estivermos a discutir a recapitalização pública da empresa e se os valores, entretanto despendidos, tiverem duplicado face aos originalmente estimados.
Sobre as alternativas a este plano de reestruturação, reitero o que aqui escrevi há meses: o cenário de insolvência seria preferível à nacionalização e, em face da vontade política que a maioria no Parlamento vai apesar de tudo manifestando, não deixaria de permitir ao Governo o patrocínio de uma solução de mercado, que o Estado pudesse acompanhar através de uma participação pequena e minoritária no capital da empresa. O custo da intervenção pública seria menor e a viabilidade de uma solução de mercado que emergisse de um processo de insolvência, ou de um processo especial de revitalização, seria maior. No limite, não existindo viabilidade, punha-se termo ao financiamento da companhia através dos contribuintes. A este respeito, o exemplo da Norwegian Air, a quem o governo norueguês recusou o resgate, justificando a recusa com a defesa do interesse dos contribuintes, é um caso a seguir. Não é por acaso que a Noruega é um dos países mais ricos do mundo.
A TAP vai encolher bastante nos próximos anos. O plano do ministro não o esconde. Para além dos despedimentos de milhares de pessoas, o plano contempla ainda reduções muito significativas do nível salarial, do número de aviões e do número de rotas. A empresa que sair deste plano de reestruturação pouco terá a ver com a empresa que existe hoje, o que encerra desde logo o equívoco de partida do Governo: que interesse estratégico serve esta operação se a empresa que sair desta “reestruturação” nada tiver a ver com aquela à qual se atribuía um alegado interesse estratégico? Provavelmente nenhum, o que torna a operação ainda mais desmedida em face dos montantes envolvidos. Na verdade, se a preocupação, como tem sido afirmado, são as exportações e as compras a fornecedores nacionais, resta acrescentar que umas e outras também vão diminuir com a redução de actividade da empresa. Trata-se de uma subsidiação míope, ineficiente, e injusta face aos restantes negócios existentes em Portugal.
O grupo TAP é deficitário desde há muito. Foi aliás privatizado em situação de falência técnica, na altura com capitais próprios negativos superiores a 500 milhões de euros (contas consolidadas, 2016). Foi vendido basicamente por zero. Esta evidência revela assim outra incoerência do Governo: que expectativa de rentabilidade pode o Estado oferecer se no passado não fez outra coisa senão descapitalizar a empresa? Os números são indiscutíveis. Nos últimos 45 anos, conforme atestou há cerca de um ano o comissário político do Governo na TAP, a companhia produziu lucros somente em 2016 e 2017 (contas individuais), alicerçada na gestão do accionista privado que, entretanto, vendeu a sua posição ao Estado português. O tal privado que, segundo o ministro, fez a TAP crescer “demasiado depressa”.
A forma anunciada pelo ministro para começar a reestruturação, comprando uma guerra com os pilotos, também não convenceu. No negócio da aviação alguém tem de colocar os aviões no ar e que se saiba esse alguém não é o ministro. Trata-se, aliás, de outro equívoco do Governo: o propósito de um processo de reestruturação está primeiro na redução da sua dívida (“the process is an instrument for debt relief, not a remedy for creditors”, segundo Finch e Milman em “Corporate Insolvency Law”), depois na utilização eficiente dos seus activos, e só por fim na redução dos seus activos ou na transformação do negócio. Reestruturar quer dizer reorganizar, o que é diferente de reinventar. Azar do diabo, quando a empresa precisava de alguém que pusesses as pernas dos credores a tremer, saiu-lhe na rifa um ministro cujo foco está primeiro em partir as pernas aos trabalhadores. O privado fez a empresa crescer demasiado depressa. O ministro quer encolhê-la depressa. Aguarda-se, pois, uma guerra de trincheiras.
Um plano de reestruturação, sobretudo no caso de empresas falidas e com a dimensão da TAP, exigirá sempre a adopção de medidas drásticas. O processo de insolvência e, se possível antes ainda, o processo especial de revitalização (PER) – o equivalente português ao “chapter 11” norte-americano – constituem os regimes adequados para operar essas medidas drásticas. Os activos maus são liquidados e os bons são adquiridos ou reconvertidos por aqueles que encontram viabilidade na sua utilização futura. É ainda o momento em que há oportunidade para apurar eventuais práticas de gestão dolosa, responsabilizando os infractores. Com alguma sorte e engenho, é também nestes momentos que devedores e credores se entendem com vista ao relançamento do negócio – do todo ou de partes.
Ora, o Governo está desorientado. Pagou para correr com o privado que, apesar de tudo, sabia do negócio e que, quanto mais não fosse por essa razão, trazia valor à companhia. Depois, decidiu afundar 1.200 milhões de euros sem antes ter despoletado sequer um PER, sem antes ter providenciado o mínimo de informação ao Parlamento que suportasse tamanho compromisso. E, agora, o Governo prepara-se para encolher os activos da empresa sem que se perceba de onde virá a vantagem competitiva da TAP no futuro – que justifique o alegado interesse estratégico envolvido – e, sobretudo, sem antes cuidar de reduzir a dívida que existia antes da intervenção pública. Pelo contrário, a dívida vai disparar. Avizinha-se, pois, uma espécie de espiral recessiva na companhia e o arrastar da situação com o ministro lá metido ao barulho.
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