Camuflado Covid

A julgar pela parada de camuflados que trata da pandemia, parece que houve um golpe de estado, o Governo foi derrubado e substituído por uma Junta Militar.

Portugal está em guerra. A julgar pela parada de camuflados que trata da pandemia, parece que houve um golpe de estado, o Governo foi derrubado e substituído por uma Junta Militar. Subitamente os políticos descobrem as virtudes patrióticas do Exército e a competência sobre-humana dos Militares. Nesta exibição ritual dos camuflados à secretária está a maior confissão dos erros do passado, das distracções que envergonham, das omissões que humilham.

Sim, Portugal foi humilhado pela impreparação do Governo e das Oposições, a cultura civilista da Esquerda falha quando devia ter provado a sua superioridade em matéria de planeamento estratégico e de acção política coordenada. Parece que a solução para a gestão da pandemia passa pela evocação retórica e saudosista do 25 de Abril.

Agora talvez se perceba a razão pela qual é anti-patriótico criticar o Governo, talvez se perceba o motivo pelo qual é anti-patriótico não criticar o Governo, pois em pleno Estado de Emergência qualquer ruído dissonante é crime e traição ao bem da Nação. Pena é o Governo e as Oposições não terem compreendido antecipadamente que a pandemia é um caso grave, persistente, complexo.

Quando os portugueses perguntam “Por que razão tudo demora tanto tempo”, os políticos escondem-se entre os espelhos e o fumo da situação inédita e da falta de experiência na gestão das catástrofes. O covid é a demonstração de que em política a negação e a irresponsabilidade são o primeiro passo para a regressão económica e social, não a garantia da modernização e do progresso. O País está mais pobre, os portugueses vão ficar mais pobres, Portugal vai recuar uma década em indicadores de desenvolvimento.

Agora talvez se perceba também a mudança de estilo e de tom do Presidente da República. No Quartel-General de Belém, o Presidente fala ao País num registo quase apocalíptico, com desvios paternalistas, ameaças quase veladas, expressões encenadas num rosto fechado e com a dureza de um General que assume o comando de uma Junta de Salvação Nacional. Se Portugal começa agora a ser salvo, não há necessidade para um outro qualquer absurdo Governo de Salvação Nacional. Os portugueses estão cansados de ser salvos a cada ciclo político de 10 anos.

Na aberração do País de Costa, a ministra da Saúde faz-se deslocar com uma comitiva de 30 pessoas para ver e aplaudir a vacinação de 20 bombeiros. O discurso lírico e as habilidades retóricas terminam com a apoteose das palmas, um gesto descabido, deslocado, absurdo. Os portugueses confinados imaginam que a cena pertence ao enredo de uma novela passada nos confins do Portugal profundo e ficam colados ao écran à espera da entrada dos Caretos numa sinfonia de chocalhos. O espectáculo do Centro de Saúde desmente a afirmação do Primeiro-Ministro de que este ano não há Carnaval. Não é necessário, o Carnaval 21 são os carros alegóricos do Governo em digressão.

Quanto ao Plano de Vacinação, parece que entra agora na fase de execução delta. Portugal vai começar a vacinar rápido e em força, pois a fase alfa foi apenas um ensaio para testar a inconsistência do Plano e o delírio das previsões. Sejamos realistas. Se o País vai receber metade das vacinas programadas, tal implica que o País vai demorar o dobro do tempo a vacinar a sua população.

A vacinação pandémica é desde já o acontecimento político do ano. E não será um momento concentrado no tempo, mas um longo processo que se sabe como começa sem saber como ou quando acaba. O Governo diz que sim e encolhe os ombros, pois defende-se politicamente com a lentidão e a incompetência de Bruxelas, habituada a negociar quotas de peixe, mas perdida no mar profundo dos contratos com as farmacêuticas.

Face à raridade de um bem escasso, Portugal, e os nossos parceiros da União, podiam começar a organizar Lotarias Europeias para distribuição semanal do stock de vacinas disponíveis. As distribuições baseadas no critério aleatório de um sorteio são mais compreensíveis e politicamente mais justificáveis do que os detalhes de um contrato confidencial assinado numa noite de Bruxelas.

A Europa inventa este esquema de mutualização das vacinas para evitar o nacionalismo das vacinas e acaba por expor a União a uma situação politicamente vulnerável, economicamente incompreensível, estrategicamente perigosa. Não é um cenário absurdo considerar a hipótese de, para vacinar a Europa Civilizada, ainda seja necessário recorrer a vacinas da China e da Rússia. Se tal acontecer é sem dúvida uma evidente derrota do Projecto Europeu e uma despromoção no ranking das Grandes Potências Políticas.

O Presidente da República não quer que lhe falem em crises políticas. Acontece simplesmente que a crise política já está instalada e em período de incubação. A pandemia é o camuflado da crise política. Apenas a crise de saúde pública está a adiar o desenlace político de um Governo sem futuro. E a adiar também o impasse político de uma Oposição sem qualquer alternativa. Politicamente, Portugal é hoje um País cercado pela pandemia e sem razões para acreditar no futuro. No País das Flores serve-se angústia à hora do jantar.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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