Carlos Mendes Gonçalves: “A gestão tem de ser feita pelos melhores gestores”

  • ECO
  • 26 Março 2021

Carlos Mendes Gonçalves, 55 anos, um dos finalistas do prémio Entrepreneur of The Year, tinha 15 anos quando fundou com o pai a empresa com o seu nome e que Portugal associa a festas e arraiais.

Pão, carne e mostarda. Poucas combinações gastronómicas estão mais presentes nas festas portuguesas do que esta e foi a pensar nisso que, há três anos, se deu o casamento entre os Santos Populares de Lisboa e a Paladin, produzida pela fábrica Mendes Gonçalves, na Golegã. A marca, património do imaginário nacional, já tinha nascido desse contacto das rulotes, das festas, e nada como um evento dessa envergadura, que atraía portugueses mas também estrangeiros à nossa Lisboa cosmopolita de hoje. É tudo o que tem a ver connosco, com o que prometemos – sabor”, diz ao ECO Carlos Mendes Gonçalves, fundador da empresa com os seus apelidos e finalista do prémio EY Entrepreneur of The Year.

Estão nos arraiais da capital como no Carnaval de Torres ou nas Bifanas de Torres Novas. “Tem a ver com a nossa mensagem, com sermos uma empresa portuguesa, na província, nada mais genuíno do que as nossas festas. Vamos alargando com essa matriz, o que seja nosso, mas não é o nosso por tradição bacoca, é tradição com mundo”, diz o gestor.

Carlos Mendes Gonçalves tinha 15 anos quando, em 1982, com o pai, começou o negócio de produzir, engarrafar e distribuir vinagre de figo de Torres Novas. “Fiz tudo, desde a construção até todas as tarefas de produção”, conta. “Era sócio e assinava”. Hoje, a Mendes Gonçalves está em todo o país, exporta e fatura 32 milhões de euros a partir da sua fábrica de 10 mil metros na Golegã. “Somos uma empresa de 350 trabalhadores numa terra de mil pessoas”, diz o gestor, orgulhoso e consciente da responsabilidade de gerir e manter a empresa.

Esta é a nossa terra e a decisão parece muito boa, pelas vias de acesso, por estarmos no centro do país, mas há 40 anos o centro estava bem mais longe do que está hoje”, refere Carlos Mendes Gonçalves. Recorda essa decisão primordial: “Fazer uma empresa na nossa terra, com a nossa gente. Nascemos uma empresa que quer fazer diferente, que não quer ser mais uma no mercado, quer fazer com os produtos da nossa terra, que sempre incorporou mais de 80% de produtos portugueses no seu fabrico, não é por moda nem por marketing”.

2004, o ano do campeonato europeu de futebol em Portugal, é um ano de viragem na história da Mendes Gonçalves: diversifica os produtos do seu portefólio – começa a produzir molhos (maionese, mostarda e ketchup).

A mudança começou a desenhar-se quatro anos antes com a aquisição da Paladin e a inauguração de uma fábrica de embalagens. “É com a embalagem que começa”, defende Carlos Mendes Gonçalves. “Tem um peso importante no nosso produto e na nossa promessa de inovação, de apresentar produtos diferentes”. Agora, “todos os anos lançamos vários produtos novos”. A própria Paladin renasceu em 2013.

Fazer uma empresa na nossa terra, com a nossa gente. Nascemos uma empresa que quer fazer diferente, que não quer ser mais uma no mercado, quer fazer com os produtos da nossa terra, que sempre incorporou mais de 80% de produtos portugueses no seu fabrico, não é por moda nem por marketing.

São também, uma empresa 100% familiar. “Familiar não só porque é propriedade de uma família, mas porque o nosso primeiro colega ainda cá está. Temos gente há 30, 20, 15. Temos pais e filhos, temos irmãos e nós próprios nos consideramos uma família”, explica. Não usam a expressão “recursos humanos”, mas “Família Mendes Gonçalves”.

Fundador e líder da empresa, Carlos Mendes Gonçalves, 55 anos, reconhece que o facto de serem uma empresa familiar é um desafio. “É o nosso principal foco que isso não seja um problema”, diz, e acrescenta: “Efetivamente as empresas familiares têm problemas de dimensão, não têm capacidade de crescer, outras vezes por problemas de sucessão acabam por perder o foco. São pouco profissionais. Na nossa administração temos um board [conselho] não executivo com pessoas de fora. É o desafio das empresas portuguesas, que se internacionalizaram, sendo familiares”.

Preocupa-o o problema da sucessão? “Nada”, responde sem hesitação. “Nós o que queremos fazer é separar a propriedade da gestão. A gestão tem de ser feita pelos melhores gestores. O que quer dizer é que a propriedade não pode pôr em causa o funcionamento da empresa tenham o apelido que tiverem. Temos de separar o lado emocional do lado funcional, é a melhor decisão até para a família. Se acontece uma desilusão, é uma desgraça para os filhos que têm um peso que não pediram nem querem”. Carlos Mendes Gonçalves tem três filhas, na empresa trabalha a mulher, no conselho de administração sentam-se pessoas da empresa e outros de fora.

Temos uma empresa que emprega 350 pessoas numa terra de 3 mil. Isto tem de continuar, a fazer isto ou outra coisa qualquer, mas gerido pelos melhores”, defende. “Sou primeira e segunda geração, mas não queremos deixar um problema. Isto não é obra de uma pessoa ou de dez, é de todos os que aqui trabalham”, nota.

A conversa conduz-nos até à sua formação académica. Carlos Mendes Gonçalves começou tão cedo que “não houve tempo” para ir à universidade. Mas, “faz falta”, diz, de novo sem hesitação. “Hoje, temos muita gente com capacidade e formação que preenche essa minha lacuna, que, rapidamente se percebeu, que fazia falta. Foi o conhecimento que nos trouxe à sociedade que temos hoje”, afirma. Um dos departamentos que nasceu com o crescimento da empresa foi o de investigação e desenvolvimento, com dez pessoas, onde se trabalham as relações com outras empresas e faculdades. No laboratório, testam-se em versão pequenina o que a fábrica produz em grande. “Equipamento de 2 mil quilos que ali temos a réplica com seis”, diz Carlos.

Nos seus quase 40 anos de história, sempre a crescer, a empresa galgou fronteiras. “Queremos internacionalizar a marca Paladin para países do Médio Oriente e África”, diz. “As grandes multinacionais são os nossos grandes concorrentes, sabíamos que tínhamos de ter uma mensagem diferente e preencher as lacunas que essas grandes empresas têm. Hoje somos fornecedores dos nossos grandes concorrentes”, conta. A consequência? “Puxam-nos para outros patamares de exigência. Fazem-nos evoluir e estar noutra divisão”.

Sem festas e arraiais, 2020 trouxe novos desafios à empresa. Antes do primeiro-ministro anunciar aos portugueses o confinamento, já a Mendes Gonçalves tinha enviado alguns dos trabalhadores para casa – 60 a 70 pessoas passaram a estar em teletrabalho. Na fábrica, criaram-se duas entradas e quatro turnos. “O medo foi substituído pela confiança”, considera. “Procurámos a todos os níveis preocuparmo-nos com as pessoas, não despedimos ninguém”.

Em paralelo com a fábrica Mendes Gonçalves, desenvolve o projeto Vila Feliz Cidade, que gostaria que “fosse uma fundação onde pudéssemos deixar este património, um projeto de sustentabilidade”. Para já, explica, “temos plantadas umas milhares de árvores – é de onde extraímos os pimentos picantes, biológicos – pois queremos evoluir para um sistema regenerativo. Não queremos apenas impacto zero, mas positivo.”

“Sou apenas um rapaz simples do campo”

Carlos Mendes Gonçalves diz que foi com “bastante surpresa, até pelos outros finalistas”, que recebeu a notícia de que faz parte dos finalistas da 8.ª edição do prémio EY Entrepreneur of The Year. “Toda a gente fica satisfeita de ver reconhecido o seu trabalho. Não é falsa modéstia, considero que sou apenas uma rapaz simples do campo que quis criar o seu trabalho”.

Carlos Mendes Gonçalves, António Oliveira (Oli – Sistemas Sanitários, António Carlos Rodrigues (Casais), Guy Villax (Hovione) e Rupert Symington (Symington) são cinco empreendedores finalistas deste prémio que anteriormente distinguiu Belmiro Azevedo (Sonae), Carlos Moreira da Silva (BA) ou António Amorim (Corticeira Amorim). O vencedor será conhecido em abril.

O EY Entrepreneur of The Year é considerado o mais antigo prémio de empreendedorismo a nível global. O galardão começou a ser entregue nos EUA em 1986. Seguiram-se edições regionais e nacionais nos mercados onde a EY opera. Atualmente é organizado em 145 cidades e mais de 60 países. Entre os vencedores estão gestores como Michael Dell (Dell Computers), Jeff Bezos (Amazon), Jeff Weiner (LinkedIn) ou Serguei Brin/Larry Page (Google).

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