Afinal, qual é o verdadeiro impacto ambiental da Bitcoin?

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Recentemente, Elon Musk abanou a comunidade de criptoactivos com um tweet atacando o alegado impacto ambiental nocivo da Bitcoin. Este aparente volte-face de Musk foi ainda mais surpreendente, dado que, ainda em Fevereiro, afirmou que a Tesla iria em breve aceitar as moedas desta blockchain como meio de pagamento, apesar do seu respectivo impacto no ambiente não ter mudado nos últimos meses.

Por outras palavras, o CEO da Tesla sempre soube que a Bitcoin é tão amiga do ambiente quanto a electricidade que utiliza, tal como acontece com os seus carros eléctricos. Assim, e apesar de muito ter sido escrito sobre este assunto, importa analisar seriamente o consumo de electricidade da mineração deste criptoactivo. Especialmente quando o que foi escrito não explica o que está por trás do clickbait e da desinformação.

  • Em primeiro lugar, são as regras de funcionamento de Bitcoin, incluindo as de mineração, que estão por trás da valorização deste novo ouro digital.

Resumindo, a mineração permite que qualquer agente com um computador adequado valide e organize as transações numa blockchain. No caso de Bitcoin, a segurança deste método depende em larga medida de uma prova matemática que exige um certo esforço computacional para resolver. Ora, à medida que o protocolo ganha popularidade, minerar torna-se mais rentável. Para equilibrar o esforço computacional necessário, a complexidade da tal prova aumenta consoante o crescimento do número de mineradores. Este mecanismo existe para promover a segurança da rede, pois caso contrário seria fácil arranjar recursos para comprometer a blockchain. É a confiança neste nível sem precedentes de segurança que atrai tantas pessoas para a mãe de todos os criptoactivos – desde os especuladores do mundo ocidental, aos investidores que pretendem proteger o seu poder de compra, às pessoas que precisam de Bitcoin para sobreviver em vários países do hemisfério sul.

  • Em segundo lugar, a impraticabilidade de atacar a rede é demonstrada pelo consumo eléctrico da mineração de Bitcoin, mas este consumo é comparável ao de indústrias equivalentes.

Embora não exista informação precisa sobre este consumo, devido à natureza opaca da mineração, também não existe informação precisa sobre o consumo do sistema bancário internacional ou da indústria do ouro e da prata. Em todo o caso, com Bitcoin temos como fonte mais credível um intervalo publicado diariamente pelo Cambridge Center for Alternative Finance, da Universidade de Cambridge, e um estudo da Galaxy Digital, líder no sector do investimento institucional, que chegaram aos mesmos resultados com metodologias diferentes: em Maio de 2021, Bitcoin consumiu cerca de 115 TWh/ano de electricidade.

É verdade que este valor representa 0.5% do consumo mundial de electricidade. Mas é normalmente aqui que os artigos induzem em erro, comparando estas estimativas com o consumo de países como a Malásia ou a Suécia. Só que tal não é análogo. As mesmas fontes acima estimam que o sistema bancário tradicional e a indústria do ouro utilizem 263 e 241 TWh/ano, respectivamente. Ou seja, mais do dobro do gasto de Bitcoin, e utilizando fontes de electricidade mais poluentes.

Se formos a analisar o impacto total do sector digital, a revista Nature estima que a procura de electricidade associada às TICs atingirá 21% da procura mundial eléctrica em 2030, duplicando face a um valor de 10% em 2018. É perfeitamente natural que a evolução da tecnologia utilize cada vez mais electricidade num mundo em migração do analógico para o digital. Os mais velhos certamente recordarão o mesmo género de críticas nos anos 90 do século passado sobre a internet, uma “inutilidade só para geeks”, como me lembro de ouvir de vários ‘opinion makers’ da altura. ‘Plus ça change…’

A dependência energética é um marco das sociedades avançadas. O busílis está na diminuição das emissões de dióxido de carbono e outros gases de efeito de estufa associadas. Algo que depende de renováveis, mas também de ganhos de eficiência. Sabe o leitor que, de acordo com o Banco Mundial, a fraca infraestrutura de distribuição e transmissão de electricidade é responsável por um desperdício anual de 2,205 TWh/ano, 19x mais que o consumo de Bitcoin tão criticado pelos media?

  • Em terceiro e último lugar, uma análise de impacto ambiental de um dado consumo eléctrico exige analisar as fontes de electricidade, para se perceber se estas são livres de emissões ou poluentes.

De momento, cerca de 60% a 70% dos mineradores estão na China. Isto confunde muitos jornalistas, e foi até referido por Elon Musk, pois neste país cerca de dois terços da produção eléctrica é oriunda do carvão. No entanto, a rentabilidade da mineração depende de electricidade barata. E a electricidade mais barata é aquela que seria desperdiçada se não fosse consumida – algo muito frequente na geração renovável. Ora, ao contrário da maioria dos ‘data centres’ (que também consomem mais electricidade que Bitcoin), os mineradores podem operar em locais remotos.

A International Energy Association explica que os mineradores estão por norma localizados em zonas fortes em renováveis, aliando-se com produtores para absorver electricidade que de outra forma seria desperdiçada, ajudando a rede eléctrica a gerir melhor a sua carga. E fontes citadas por este organismo indicam que, em 2019, 83% dos mineradores chineses estavam localizados na província de Sichuan, onde 88% da produção é oriunda de centrais hidroelétricas, ou barragens. Ou seja, a electricidade utilizada nesta província polui muito pouco.

Utilizando dados da Morgan Stanley, IEA, e autoridades nacionais, a mesma fonte estima então que 73% da mineração de Bitcoin a nível mundial é realizada com electricidade produzida com fontes renováveis, 4x mais do que a média do consumo mundial. A Universidade Cambridge também chegou a um valor equivalente de 76%.

Quanto à poluição, a IEA calcula que a mineração de Bitcoin seja responsável por 0.03% a 0.06% do total de emissões de CO2 relacionadas com energia. Um valor 8x a 16x inferior ao sugerido pelo seu consumo eléctrico; isto ainda não considerando os impactos da pipe-to-crypto, uma técnica inovadora que permite a produtores de petróleo e gás natural reduzirem, através da mineração, as emissões geradas pelo desperdício de metano, poupando desse modo o ambiente.

Em resumo, ao contrário do que afirma Musk, Bitcoin está cada vez mais verde e já é mais amiga do ambiente que o resto do sector digital que utilizamos diariamente. Os incentivos à procura de electricidade barata levam cada vez mais mineradores a migrar para fontes renováveis, e esta transição estará completa em breve devido a novas parcerias com produtores renováveis e à acção da indústria, que sempre se antecipou aos requisitos dos reguladores.

Ainda na semana passada, Elon Musk anunciou que tinha reunido com líderes de empresas mineradores dos Estados Unidos e Canadá, duas das outras potências mundiais a seguir à China, para criar o Bitcoin Mining Council. O objectivo é promover mais transparência no sector e “acelerar a adopção de iniciativas de mineração sustentáveis” até chegarem à descarbonização completa.

Porque é que Portugal não aproveita esta onda, capitalizando a fama e investimentos que foi gerando nas renováveis? Os produtores podem optimizar as suas operações e o nosso país pode atrair startups interessadas em acesso comprovado a electricidade limpa, tornando-se num dos centros de mineração verde do mundo ocidental, ao mesmo tempo que contribui para defender um mundo onde o poder das finanças não está só ao alcance de alguns. Onde uns vêem problemas, nós deslumbramos uma oportunidade.

“O Instituto New Economy procura agregar líderes de indústria, profissionais, e cidadãos que queiram promover a participação Portuguesa na economia digital; organizando eventos educativos, publicando artigos de investigação, e criando comissões de melhores práticas e de ética sobre novas tecnologias emergentes.”

Nota: O autor escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.

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