Câmara Rússia

O Presidente da Câmara não se pode refugiar no argumento de que desconhece a situação e que terá tomado conhecimento pela comunicação social. Pois desconhecer é tão grave como conhecer e nada fazer.

O pedido de desculpas do Presidente da Câmara de Lisboa é patético. Chega a ser confrangedor a figura humilde e humilhada de um Presidente que perante os cidadãos se curva. E curva-se para evitar ter de assumir as responsabilidades de um ato impróprio de um regime democrático. O cinismo e o oportunismo do Presidente parece uma confissão feita ao Diabo.

Com a ligeireza da diplomacia cómica própria de um filme de Série B, o Ministro dos Negócios Estrangeiros vem tranquilizar a Nação informando que terá requerido junto da Embaixada da Rússia para que os dados pessoais dos activistas alvo anti-Putin fossem apagados. Hilariante a tocar o ridículo. Ridículo a roçar o perigoso.

Neste coro de complacência está um atentado contra todos os cidadãos que confiam os seus dados pessoais à Câmara Municipal de Lisboa, uma vez que, na sua prática ecuménica, partilham dados com a Rússia, com Israel, com a Venezuela, com a China, sem que nada a obrigue legalmente. Tanta generosidade à custa da segurança e dos direitos humanos de terceiros só pode causar espanto na Europa.

O Presidente da Câmara não percebe que a sua função não é apenas a de servir como Mordomo de Lisboa para visitantes e turistas ocasionais. O Presidente também não compreende que a cedência de dados pessoais não pode ser uma tarefa burocrática entregue a um qualquer funcionário anónimo. Pelo contrário, existe a exigência legal, mas impõe-se sobretudo o reconhecimento de que esta operação de transferência de dados para embaixadas estrangeiras é um acto com implicações diplomáticas e complicações políticas. E a diplomacia e a política trazem danos na reputação de Lisboa e na imagem de um Portugal democrático.

O Presidente da Câmara não se pode refugiar no argumento de que desconhece a situação e que terá tomado conhecimento pela comunicação social. Pois desconhecer é tão grave como conhecer e nada fazer, num sinal indesmentível de leviandade e de irresponsabilidade democráticas. Para um político com tantas ambições na República, espécie de joia do novo socialismo, exige-se mais, muito mais e muito melhor. A responsabilidade política tem apenas um protagonista que é o Presidente da Câmara de Lisboa na versão distraída e arrependida. Em política os erros pagam-se caro. Mas em Portugal os erros políticos são virtudes de aparelho e ambições pessoais.

Há ainda o argumento eleitoral que serve para a vitimização do Presidente da Câmara. Argumento demagógico, desonesto, desgarrado, as eleições não implicam a suspensão da liberdade de expressão e a denúncia das práticas políticas da Câmara. A exigência das eleições ainda responsabiliza mais a actuação do Presidente, para elevação de Lisboa e orgulho de Portugal. Os timings políticos das notícias são um jogo de sorte ou de azar, de influências e de conivências, de interesses e de cumplicidades e o Presidente da Câmara conhece e pratica esta espécie de roleta russa. Só que desta vez a manchete rebenta nas mãos impolutas do Autarca Modelo e as hostes socialistas logo se agitam nervosas e as hordas da oposição logo gritam de indignação. Miserável País político com tão pobres e estafados actores.

A resposta da Embaixada da Rússia é um comunicado próprio da Guerra Fria, um monumento de cinismo e uma ameaça velada. A cidadã “activista” poderá regressar à Rússia na mais perfeita “segurança”. No velho hábito da degradação da linguagem política que só justifica a mentira e a repressão, a Rússia reserva para os activistas a ilegalidade, mais acusações absurdas e condenações à inexistência política e à invisibilidade social. Olhe-se para Navalny e a aventura do Novichok que circula pela Europa. Serve-se chá com Polónio-210.

No entanto, as ameaças veladas ocorrem em território soberano e nos limites das fronteiras políticas de Portugal, sem que o Embaixador seja chamado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para esclarecimento do Governo e para o restabelecimento da confiança de Portugal como um País seguro para refugiados políticos. Aliás, em nome da decência e dos valores democráticos, Portugal deve não só garantir a segurança dos activistas russos como lhes deve conceder rapidamente asilo político. É o mínimo em nome do que resta da decência humanitária e no espírito do Projecto Europeu.

O Presidente da Câmara devia saber que os grandes desastres políticos nem sempre começam com grandes decisões ideológicas. Pelo contrário, o ponto de origem para tantas injustiças e abusos começa com a erosão das responsabilidades políticas transformadas em “procedimentos burocráticos internos” decididos por uma legião de funcionários diligentes, dependentes, obedientes. É uma forma de progredir social e financeiramente, uma verdadeira igualdade de oportunidades em direcção ao Autoritarismo e à Ditadura. O funcionário progride na carreira, o político dilui as responsabilidades e prepara-se para os mais altos cargos da Nação. A história é tão velha como a política e tão mortífera como o século XX.

O Presidente da Câmara não pretende ser o “Sacerdote da Traição”, mas acaba por agir como um “idiota útil”. A pouca inteligência política do Autarca de Lisboa coloca inocentes na lista do “Laboratório dos Venenos”.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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