Incerteza na fiscalidade e ineficácia da Justiça são os principais entraves ao investimento norte-americano, aponta o presidente da AmCham, a Câmara de Comércio Americana em Portugal.
António Martins da Costa lidera, desde 2019, a Amcham, a Câmara de Comércio Americana em Portugal, onde estão representadas as multinacionais dos Estados Unidos e também algumas empresas portuguesas com negócios do outro lado do Atlântico, como a EDP, a Navigator e o Millennium BCP. Criada em 1951, a Amcham celebra 70 anos, num período de crescimento das exportações e do investimento, que a pandemia interrompeu. O dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e aposta na transição digital e energética abrem novas oportunidades, defende o antigo administrador executivo da EDP.
O que podia ser feito para aumentar ainda mais as exportações de Portugal para os EUA?
Neste momento, o mercado americano é o quinto maior das exportações portuguesas. Antes da pandemia tínhamos quase seis mil milhões de euros anuais de exportações de bens e serviços. Tem vindo a crescer e as importações também. É preciso ter parceiros locais. Levar empresários portugueses para os EUA ou trazer empresários americanos é muito importante. Às vezes temos de escolher dois ou três estados e arranjar dois ou três setores e trazer pessoas que venham a Portugal ver o que de bom se faz.
O investimento também tem vindo a crescer nos últimos anos.
Nos últimos cinco anos que tenho de estatísticas, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) foi de 1,2 mil milhões de euros, cerca de 11% do total nesse período. Um dado interessante é que cerca de 85% do investimento nas startups portuguesas é estrangeiro e, desse, 60% é americano. A facilidade com que nos EUA se consegue mobilizar capital para investir em iniciativas, neste caso de tecnologia, que tenham bons projetos e pessoas com credibilidade à frente, é enorme. Basta ver de onde é que vem a maioria do capital dos unicórnios portugueses.
Ainda assim, tratando-se da maior economia do mundo, o seu peso relativo no IDE em Portugal ainda está muito abaixo dos grandes países europeus. O que falta para as empresas americanas reforçarem mais o investimento?
Se formos ver o relatório de competitividade do WEC, Portugal está sempre no trigésimo e qualquer coisa lugar. Quais são os indicadores crónicos que nos penalizam? Um deles é a fiscalidade, que é um tema que o investidor americano observa com muito cuidado. E já não estamos a falar se é alta ou baixa. O investidor, quando sabe que a fiscalidade é “x” ou “y”, adapta o seu modelo de negócio e vê se lhe interessa trabalhar com aquela fiscalidade ou não. O que ele fica mais incomodado é quando a fiscalidade vai mudando ao longo do tempo. Quem vem investir numa lógica de longo prazo quer saber, à partida, quais são as regras do jogo. Este é um ponto que é crónico nas críticas.
O que o investidor americano fica mais incomodado é quando a fiscalidade vai mudando ao longo do tempo.
Que outros entraves são sublinhados?
Outro é o sistema judicial. Portugal tem um sistema que é visto como independente, o que é uma coisa boa, mas também como tendo muito pouca eficácia, nomeadamente nas disputas económicas. O investidor americano está habituado a vê-las resolvidas em pouco tempo, em meses, um ano, dois anos no máximo. Aqui temos decisões que se arrastam por seis, sete, dez anos. Isso não é uma coisa aceitável para quem quer investir.
Que fatores de atratividade podiam ser potenciados?
Temos fatores extremamente atrativos para o investimento americano, que ainda são pouco conhecidos, nomeadamente a qualidade das nossas infraestruturas. A qualidade da rede de telecomunicações, de estradas, da rede elétrica. A qualidade da mão-de-obra também, nomeadamente tudo o que é a classe da engenharia, que altamente procurada. Veja o caso da Cisco, que conseguiu trazer para cá um polo tecnológico importante, por causa da qualidade dos engenheiros. Também há capacidade de gestão. Não nos podemos esquecer que uma boa parte da nova gestão portuguesa são pessoas que já tiveram formação em universidades americanas ou noutras universidades que seguem o modelo das business school americanas.
É preciso reforçar a divulgação destas qualidades?
A AmCham tem no seu caderno de encargos estar permanentemente a mostrar aos americanos a qualidade daquilo que temos em Portugal. Que é um país que vale a pena investir, com quem vale a pena fazer negócio. Somos vistos como uma sociedade credível, de confiança. Essa é uma parte que nos dá conforto, mas que é preciso ir lembrando do outro lado do Oceano, para não ficar esquecido.
A comunidade portuguesa também pode ter um papel relevante?
Portugal tem uma comunidade fortíssima, especialmente nas costas leste e oeste. É uma comunidade empresarial de grande sucesso, uma boa parte originária dos Açores, mas não só. Tive a oportunidade de conhecer vários desses empresários e são pessoas de grande mérito, reconhecidas pela sociedade americana, bem-sucedidas, que promovem o bem-estar das suas comunidades. Além disso, é uma comunidade cada vez mais bem posicionada dentro da política americana.
Portugal tem feito tudo o que pode para aproveitar plenamente esse ativo?
Tem sido feito muito trabalho nos últimos tempos. Há organizações, como a Palcus, que juntam empresários de origem portuguesa nos EUA, ou as organizações de académicos. Há várias associações, mas se quisermos comparar aquilo que é a utilização do potencial da comunidade portuguesa nos EUA com outras comunidades…
Ainda estamos a passos largos do que é feito pela comunidade irlandesa nos Estados Unidos.
Como a irlandesa.
Como, por exemplo, a irlandesa. Ainda estamos a uns passos largos. Há aí caminho para fazer. Tem de haver um trabalho coletivo dos empresários, é necessário haver algum elo de agregação. Os Estados, os governos, também têm um papel determinante, porque podem ser enablers.
Havia um pouco a ideia de Portugal como uma Califórnia da Europa. Também já se usou a Florida da Europa. Isso seduz os americanos?
Isso é mais um chavão, mas temos condições para ser isso tudo. Se acolhermos bem o turista, que depois vai referenciar o país e percebe que há incentivos interessantes. Portugal é um dos países mais seguros do mundo, isso é uma riqueza que não está ao alcance de todos. Conheço grupos de expatriados, pessoas que estão ou já estiveram colocadas em muitas empresas multinacionais e que têm casas em Portugal. Encontram-se em almoços e jantares, conversam e trocam informações sobre o país. Sabem tudo sobre as vacinações, os vistos de residência, o controlo de passageiros no aeroporto. São pessoas que gostam do país e repassam as notícias das televisões e jornais entre eles nos grupos das redes sociais. Muitos têm até investimentos pessoais cá.
Vamos ter o PRR, os primeiros fundos vão começar a chegar. É um tema para o qual as empresas norte-americanas já estão a olhar?
O PRR está a ser observado pelas empresas americanas com bastante atenção, porque tem um conjunto de coisas muito atrativas, direcionadas para as duas grandes transformações que estão a ocorrer, climática e digital. As empresas americanas querem ver onde há oportunidades também para poderem alavancar em cima desses fundos.
Não é só para ir buscar subsídios. É porque se existe um subsídio é porque há uma linha política estratégica de um Estado que vai naquele sentido.
Apesar das críticas de que grande parte do dinheiro é para ser aplicado no Estado?
Se formos ver a parte do PRR que está diretamente alocada à iniciativa privada, aparentemente é pouco. Depois se lermos com mais cuidado, também vêm lá apoios indiretos. O Estado consome, com boa intenção, para criar enablers para o mundo empresarial. Todos criticamos a burocracia na Administração Pública. O Estado tem de investir na sua própria digitalização para desburocratizar a administração pública. O que toda a gente está à espera é que haja uma boa análise do retorno do investimento ou custo/benefício nesses enablers.
As empresas americanas também vão querer aproveitar estes subsídios?
Tudo o que tenha a ver com digitalização e sustentabilidade está a ser observado com muita atenção. Há interesse em ver onde é que o Estado está a apontar as suas baterias e estar junto a esses movimentos. Não é só para ir buscar subsídios. Se existe um subsídio é porque há uma linha política estratégica de um Estado que vai naquele sentido. Vou juntar o meu dinheiro àquele que puder ir buscar ao subsídio para alavancar e fazer um investimento ainda maior. Essa é que é a lógica de quem tem decisões de gestão a tomar nas empresas.
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“As empresas americanas estão a ver onde há oportunidades no PRR”, diz Martins da Costa
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