BRANDS' ECO Os portugueses, os resíduos e as embalagens
Um estudo realizado a pedido da Sociedade Ponto Verde analisou a forma como os portugueses vêem os resíduos. A maioria já recicla, mas a falta de informação e conveniência continuam a ser entraves.
As práticas, representações e atitudes dos portugueses face à gestão de resíduos urbanos (RU), com enfoque específico nos Resíduos de Embalagens, estiveram na base da análise do novo estudo feito pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) e Observatório de Ambiente, Sociedade e Território do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (OBSERVA) para a Sociedade Ponto Verde, e coordenado pela professora Luísa Schmidt.
O estudo Portugueses e a Reciclagem das Embalagens: Práticas e Atitudes acabou por identificar cinco perfis de comportamento da população portuguesa inquirida relativamente à separação dos resíduos – os não separadores, os separadores ecopontuais simples, os separadores ecopontuais plus, os separadores avançados e os separadores super avançados. O nível de educação, o nível socioeconómico, a condição habitacional e o nível de literacia sobre resíduos são os fatores que caracterizam o perfil de comportamento de cada pessoa.
Os mais jovens são quem consegue fazer com que os familiares comecem a reciclar. O inquérito deixou isto claro com os números que apresenta, já que mostra que os filhos (25%) acabam por ter um peso maior do que a comunicação social (21%) enquanto principais influenciadores na decisão de começar a reciclar.
Mas, com ou sem a motivação dos mais novos, a verdade é que mais de dois terços dos inquiridos afirma ter o hábito de fazer a separação de resíduos, o que demonstra que esta é uma realidade já muito presente nas casas dos portugueses.
“Os dados mais recentes mostram que a grande maioria dos lares portugueses faz a separação de embalagens. Estes são dados já muito positivos e que nos revelam que os comportamentos de reciclagem fazem parte do dia-a-dia da maioria dos portugueses”, revelou, em entrevista ao ECO, Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde.
Falta de informação e localização de ecopontos condicionam reciclagem
No entanto, apesar de os números serem positivos, ainda existem alguns entraves que levam a que muitos portugueses não queiram reciclar ou sintam mais dificuldades em adotar esse hábito. A falta de informação e os ecopontos distanciados das habitações são dois dos fatores que mais dificultam o processo.
No que diz respeito aos ecopontos, o estudo revela que são o elemento onde se decide todo o processo de diferenciação e comportamento face aos resíduos urbanos. A localização dos ecopontos relativamente às casas, a frequência do seu esvaziamento, a limpeza no seu entorno e a manutenção dos equipamentos são determinantes para que o hábito de reciclagem se inicie e se mantenha.
"Este estudo deve dar-nos fortes pistas de como desenharmos o futuro dos resíduos e a sua relação com o cidadão. Como podemos ir ao encontro das suas necessidades para que ele se torne uma parte cada vez mais comprometida com todo o processo.”
No entanto, o indicador mais mal avaliado pelos portugueses é precisamente a falta de limpeza dos ecopontos que, para mais de um quarto dos inquiridos, é vista como negativa ou muito negativa. Já as falhas ou baixa frequência na recolha são os problemas mais mencionados (16%).
Quanto à limpeza na zona de residência, a população avalia-a de forma mediana, com uma avaliação média de 3,3 (escala 1-5), mas, ainda assim, 20% atribuem-lhe nota negativa (1 a 2). As regiões mais satisfeitas com o asseio das ruas são, sobretudo, o Alentejo (média 3,8) e o Centro (média 3,5). Já as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa são as mais insatisfeitas.
Os ecopontos tradicionais – amarelo, azul e verde, para as embalagens dos vários materiais – são os que estão mais presentes no quotidiano de reciclagem da população. As embalagens de plástico, garrafas e frascos de vidro lideram este ranking, com 95% dos separadores a declarar proceder à separação destes resíduos, seguidos pelo papel e cartão, com 90%. Eletrónicos já caem para os 29% de adesão, só à frente dos tinteiros ou cápsulas de café (21% e 16% respetivamente).
Contudo, ainda existem muitos portugueses que não estão bem informados sobre a separação do lixo. O inquérito apurou que 31% dos não separadores e 37% dos ex-separadores dizem que o destino de todo o lixo é um aterro, o que acaba por fazer com que descredibilizem o sistema de recolha.
Ana Trigo Morais alerta que essa ideia é errada e explica como funciona a recolha dos materiais colocados nos ecopontos: “Os camiões para recolha do conteúdo dos ecopontos têm diferentes compartimentos, que nós não conseguimos ver, e onde os resíduos são colocados separadamente, não havendo qualquer mistura de materiais”.
“Depois da recolha nos ecopontos, os resíduos seguem para as centrais locais onde é realizado um processo de triagem que permite que sejam encaminhados para valorização ou eliminação por falta de condições para reciclagem. Só depois desta triagem e separação é que seguem para as empresas autorizadas, onde vão ser tratados e transformados em matéria-prima para novos produtos”, continuou a CEO da Sociedade Ponto Verde, que garantiu: “O sistema funciona”.
A adesão dos portugueses às novas normas europeias para a gestão de resíduos
Além de procurar compreender os comportamentos dos portugueses relativamente à gestão dos resíduos, o estudo procurou ainda perceber a adesão e a perceção dos inquiridos sobre as mudanças previstas na política de resíduos urbanos em Portugal.
Entre as novas normas europeias está a recolha dedicada de resíduos orgânicos (biorresíduos), que vai passar a ser obrigatória a partir de 2023. Os Estados-Membros têm de assegurar que, até 31 de dezembro de 2023, os biorresíduos são separados e reciclados na origem, ou são recolhidos seletivamente e não são misturados com outros tipos de resíduos.
"O que o estudo nos mostra é que 67% dos inquiridos entende que necessita de mais informação para adotar novas práticas de reciclagem que possam vir a ser implementadas”
Quando questionados sobre se estariam disponíveis para fazer a separação dos resíduos orgânicos, os inquiridos mostraram uma atitude tripartida entre quem está disponível (31%) para fazê-lo, quem tem dúvidas (30%) e, ainda, quem se recusa (31%).
O sistema de depósito com retorno para embalagens de bebidas (SDR) é outra das iniciativas que, atualmente, está em fase piloto em 23 localidades do país. A partir de 1 de janeiro de 2022 é obrigatória a existência de sistema de depósito de embalagens de bebidas em plástico, vidro, metais ferrosos e alumínio com depósito não reutilizáveis.
No entanto, mais de dois terços dos indivíduos afirmaram nunca ter ouvido falar sobre o sistema SDR. Mais uma vez, a falta de informação ficou evidente no estudo e Ana Trigo Morais deixou claro que é preciso colmatar esta falha para que haja adesão às novas normas de gestão de resíduos: “O que o estudo nos mostra é que 67% dos inquiridos entende que necessita de mais informação para adotar novas práticas de reciclagem que possam vir a ser implementadas”.
A maioria dos inquiridos (51%) afirma ter interesse em vir a utilizar o SDR, isto no caso de o sistema existir na sua zona de residência. E, quando questionados sobre a hipótese de, numa fase inicial, as máquinas do SDR só poderem receber certos tipos de garrafas de bebidas, a maioria dos indivíduos (54%) afirma que levaria as restantes garrafas para o ecoponto junto de casa.
Já sobre a possibilidade de se vir a pagar uma taxa sobre as embalagens em 2022 (atualmente em fase experimental), cujo valor é devolvido quando se entrega as embalagens pelo SDR, 65% dos inquiridos prevê vir a devolver sempre as embalagens para receber o valor de depósito.
Outra das medidas em que o estudo avaliou a possível adesão dos portugueses está relacionada com os sistemas PAYT – Pay-As-You-Throw –, taxados de acordo com a quantidade de resíduos depositados, que já estão em fase de experimentação em alguns municípios do país.
"As novas metas de reciclagem definidas pela União Europeia exigem que não nos desviemos do caminho já percorrido, mas necessitam de uma crescente ambição, para que Portugal cumpra todos os seus compromissos.”
A possibilidade de se cobrar uma tarifa diferenciada a cada cidadão ou agregado familiar, em função da quantidade de lixo não separado – a base do sistema PAYT – é uma medida que parece não recolher grande adesão. Ainda assim, 41%, dos inquiridos considera que um sistema deste tipo pode favorecer bastante ou muito o aumento da reciclagem, uma opinião que é partilhada sobretudo pelos separadores avançados ou super avançados.
“As novas metas de reciclagem definidas pela União Europeia exigem que não nos desviemos do caminho já percorrido, mas necessitam de uma crescente ambição, para que Portugal cumpra todos os seus compromissos”, ressalvou a CEO da Sociedade Ponto Verde.
Ana Trigo Morais referiu, ainda, que a ação das autarquias, desde as Câmaras até às Juntas de Freguesia, é fundamental para atingir este objetivo. “Precisamos de todos – da academia, dos inovadores, da indústria, do retalho e dos cidadãos”, acrescenta. “Este estudo deve dar-nos fortes pistas de como desenharmos o futuro dos resíduos e a sua relação com o cidadão. Como podemos ir ao encontro das suas necessidades para que ele se torne uma parte cada vez mais comprometida com todo o processo”, conclui.
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