Tribunal Constitucional e normas laborais: Uma semana, dois acórdãos
O Direito do Trabalho convoca sempre a aplicação dos direitos fundamentais previstos na nossa Constituição.
No curto espaço de sete dias, foram publicados dois importantes acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) sobre matéria laboral.
Através do Acórdão n.º 318/2021, publicado no Diário da República de 1 de julho de 2021, o TC apreciou a reforma laboral levada a efeito pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, que teve em vista o combate à precariedade laboral. Neste Acórdão, o TC decidiu:
a) Não declarar a inconstitucionalidade da norma que procede ao alargamento do período experimental para 180 dias no caso dos trabalhadores à procura do primeiro emprego ou dos desempregados de longa duração (artigo 112.º do Código do Trabalho).
Para o efeito, o TC considerou que o fim da medida legislativa em causa é a promoção da contratação sem termo daqueles que procuram o primeiro emprego e dos desempregados de longa duração, pelo que esta alteração legislativa respeita o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição. Para estes trabalhadores, o período experimental é, portanto, de 180 dias, sendo esta norma constitucional.
O TC decidiu apenas declarar a inconstitucionalidade da mesma norma quanto aos trabalhadores que estejam à procura do primeiro emprego e que anteriormente já tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro empregador, quando se trate do mesmo tipo de atividade. Nestes casos (e só nestes casos), o Tribunal entendeu que a norma viola o princípio da igualdade.
b) Não declarar a inconstitucionalidade da norma que alarga a possibilidade de celebração de contratos de muito curta duração (artigo 142.º do Código do Trabalho).
No essencial, o Tribunal admitiu a possibilidade de serem celebrados contratos de muito curta duração (até 35 dias), não apenas nos setores do turismo e da agricultura, mas também noutros setores, desde que se trate de empresa cujo ciclo anual apresente irregularidades decorrentes do respetivo mercado ou de natureza estrutural.
Sobre este tema, o TC decidiu que não foi violado o direito à segurança no emprego, nem os princípios da proporcionalidade e da igualdade, afirmando até que esta norma pode contribuir para o combate a práticas de trabalho informal, no qual se incluem fenómenos como o falso trabalho autónomo, o trabalho não declarado e o trabalho subdeclarado.
Em suma: no essencial, o Tribunal Constitucional admitiu a conformidade constitucional da reforma legislativa de 2019.
No curto espaço de uma semana, no Diário da República de 6 de julho, voltamos a ter um novo Acórdão do TC sobre temas laborais, desta feita sobre a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos laborais.
Neste caso, através do Acórdão n.º 272/2021, o TC decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa.
Em termos simplistas, o que o TC nos vem dizer, é que ao consagrar a regra da responsabilidade solidária no âmbito da coligação de sociedades, o artigo 334.º do Código do Trabalho permite ao trabalhador com créditos laborais demandar indistintamente a sociedade-empregadora ou qualquer das sociedades que com esta se encontre numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.
Ora, à luz do princípio da igualdade, não faria sentido permitir que esta responsabilidade solidária funcionasse quando ambas as sociedades estão sedeadas em Portugal e já não funcionasse quando uma delas tivesse sede social no estrangeiro.
Em suma: quer as duas sociedades estejam em Portugal, quer uma delas esteja em Portugal e a outra no estrangeiro, o trabalhador pode, sempre, responsabilizar solidariamente qualquer uma das sociedades tendo em vista o pagamento dos seus créditos laborais.
É caso para dizer que, no curto espaço de uma semana, o TC veio reiterar o que há muito se sabe, mas que nunca é demais repetir: mais do uma disciplina de direito privado, que rege a relação entre dois sujeitos privados (empregador e trabalhador) o Direito do Trabalho convoca sempre a aplicação dos direitos fundamentais previstos na nossa Constituição. E, no limite, convoca sempre a intervenção do TC.
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