Meio Século de Justiça Ambiental Intergeracional

  • Miguel Geraldes
  • 21 Julho 2021

A defesa dos interesses ambientais das futuras gerações gera, para nós, deveres ecológicos até para com aqueles que hão de nascer.

A caminho de completar cinco décadas e com alguns filhos para orientar, receio pelo seu futuro. E, nos piores dias, até sinto um pouco de culpa. O que tenho eu feito para minorar os problemas ambientais com que irão defrontar-se os meus descendentes? Serei algum dia visto como um bom e responsável antepassado? Alguém cuja conduta presente é pautada pela preocupação em evitar danos ambientais para as gerações futuras? É disto que trata a chamada justiça ambiental intergeracional.

A defesa da solidariedade ambiental entre gerações radica na consciencialização global do problema iniciada nos anos 70 com a criação do programa da UNESCO “O Homem e a Biosfera”. Seguiu-se-lhe a Declaração de Estocolmo (1972), que gerou a noção de desenvolvimento sustentável (Relatório Brundtland de 1987) e a definição, em 2015, da Agenda 2030, com os seus dezassete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Dir-se-ia que meio século é mais do que tempo suficiente para convencer pessoas e governantes disto. Mas aparentemente não o foi. Porquê? No seu livro de 2019 This Land Is Our Land: The Struggle for a New Commonwealth, Jedediah Purdy diz que, para encontrar mecanismos jurídicos de tutela dos interesses presentes nas relações intergeracionais, a nossa concepção de Natureza tem de mudar, por forma a que esta seja tratada pela justiça como uma espécie de infraestrutura comunitária. As gerações sucessivas beneficiariam de um contrato intergeracional, compensando os sacrifícios presentes com os benefícios associados a futuro bem maior comum. Para Purdy, não compreender esta ligação pode ter consequências sociais: a Revolução Americana ficou a dever-se também à falta de compreensão ecológica dos administradores britânicos em relação às consequências de certos excessos de pressão agrária nas paisagens e valores naturais das 13 colónias americanas para os colonos e os seus descendentes.

A defesa dos interesses ambientais das futuras gerações gera, para nós, deveres ecológicos até para com aqueles que hão de nascer. Esses interesses intergeracionais requerem a existência de dois instrumentos de proteção: a representação política das gerações vindouras e a responsabilidade civil e criminal por danos intergeracionais. Contudo, nesse caminho não são poucos os obstáculos com que temos de nos confrontar. Vejamos alguns deles.

Ainda impera a ideia de que sacrificar valores naturais é justificável quando está em causa promover o desenvolvimento económico. Será que o “rentismo” desinformado é “desenvolvimento” ou será antes crescimento microeconómico de curta duração? A gestão descontrolada do capital natural dá sempre mau resultado, podendo mesmo ser “matar a galinha dos ovos de ouro”.

. Um outro obstáculo reside na dificuldade em defender o interesse público ambiental num país onde apenas 2% da floresta é propriedade estatal (na Europa a média passa os 40%) e onde, apesar de o Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade prever desde 2008 um Sistema Nacional de Áreas Classificadas, o território é, na prática, um espaço onde os interesses privado e público estão permanentemente em conflito.

. Nem todos se dão conta de que os maiores danos em valores naturais sucedem na paisagem não urbana: no alto mar, nas zonas húmidas costeiras ou interiores, costeiras ou do alto mar; em terra, nos topos, vertentes ou fundos de vales; na baixa troposfera, cruzada por inúmeras aves, morcegos, , insetos e, menos visíveis, , aerossóis, sementes ou esporos de plantas ou de fungos, entre outros.

Juristas, advogados e magistrados estão bem posicionados para contribuir de forma útil para o avanço desta causa maior que é a justiça intergeracional. Ao sensibilizarem clientes e operadores da justiça de que as escolhas (individuais e coletivas, públicas e privadas) aparentemente mais rentáveis irão afetar as opções disponíveis para as gerações futuras, salvaguardam o interesse coletivo dos vindouros. Consolidar um novo paradigma é, mais do que uma opção, um imperativo.

Estudos recentes mostram que cada ser humano que existe hoje à face da terra Terra poderá, nos próximos séculos, dar lugar a mais de dez mil sucessivos descendentes. Eis aqui uma boa razão para cada um de nós assumir, desde já, todas as responsabilidades inerentes às de um antepassado exemplar. .

  • Miguel Geraldes

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