Estado sem Nação

O Debate sobre o Estado da Nação é a exibição da incúria, da indiferença, da arrogância e do desprezo pela prosaica existência de um lugar e de uma Nação chamada Portugal.

O Debate sobre o Estado da Nação divide-se entre a Autocracia do Governo e a Anarquia da Oposição. Autocracia do Governo centrada no culto da personalidade e na infalibilidade do Primeiro-Ministro. Anarquia da Oposição pulverizada em sprays patéticos a partir dos pequenos mundos de cada partido. Autocracia e Anarquia pertencem à condição da “psicologia verbal”, não à complexidade que exige um debate sério sobre a condição de Portugal.

O que se discute na comédia do Estado da Nação parece ser o sexo dos anjos em versão pos-trans-qualquer-coisa, tudo convenientemente embrulhado em volta do umbigo de cada facção, de cada deputado e onde se pode ler numa tatuagem para exportação o seguinte rótulo – Made in Portugal. Os deputados da Situação aplaudem com euforia a excelência do futuro da Nação; os deputados da Oposição criticam com superioridade e desprezo o fracasso da Nação. País fantástico em que a excelência e o fracasso não se distinguem na mente do Governo e na exigência da Oposição. A excelência e o fracasso reflectem-se apenas na condição e na vida dos portugueses. O universo político estreita-se no resumo executivo sobre a questão dos interesses imediatos, dos cálculos eleitorais, das alianças parlamentares. A política a tratar da política. Quem se preocupa então com Portugal?

O Debate sobre o Estado da Nação deve ser o momento do Ano Parlamentar em que a política vai ao encontro dos portugueses, uma espécie de ponto de equilíbrio entre o passado recente e o futuro próximo para informação e benefício da comunidade nacional. Mas não, não sejamos ingénuos ao ponto de exigir a decência e a honestidade de quem governa e de quem se prepara, ou não, para governar. O Debate sobre o Estado da Nação é a exibição da incúria, da indiferença, da arrogância e do desprezo pela prosaica existência de um lugar e de uma Nação chamada Portugal.

Cada deputado comporta-se como um ser estranho ao universo das ideias políticas. Ou então pendura as ideias no vestiário da Assembleia da República para não perturbar a eloquente fluidez do Debate. Ninguém parece estar naquela Câmara com o olhar e a atenção focados nos portugueses, ninguém parece estar verdadeiramente interessado em representar os anseios, as preocupações, os sonhos e as ambições de um Portugal anónimo mas que suporta e sustenta a Democracia com o seu voto, os seus impostos, as suas esperanças. Após ano e meio de pandemia, confinamentos, ansiedade, incerteza, os portugueses querem, merecem e exigem um discurso político realista, uma espécie de “medicina social” para enfrentar com outro espírito e com nova coragem tudo aquilo que vai ainda ter de ser feito. Mas o espectáculo foi uma contemplação política em frente ao espelho da política para auto-satisfação da política e que não reflecte Portugal.

Eliminada a dinâmica da escolha, excluída a vibração da mudança, esquecida a pretensão do projecto, o Debate sobre o Estado da Nação percorre o tabuleiro de um jogo de salão entre a Governação e a Oposição, entre a Situação e a Ascensão, uma quadratura impossível que implica a exclusão da Nação. Os portugueses têm no Debate o Estado do Estado, mas não o rigor democrático da expressão real com que se apresenta Portugal.

Digam o que disserem, façam o que entenderem, mas Portugal e os portugueses enfrentam uma revolução que toca o País em todos os seus lugares e em todas as suas condições. O “processo revolucionário” incorpora a pandemia e inclui os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, uma revolução liderada pelo PS e pela Europa e que implica certamente o enterro e a morte de um certo Portugal.

A pandemia não se resolve apenas com vacinas, nem o Plano de Recuperação e Resiliência constitui uma conta corrente para satisfação e consolo das clientelas e perpetuação do partido no Poder. Os portugueses que não se conseguirem adaptar ao Novo Portugal que se anuncia vão entrar na categoria dos excedentários, sem função e sem futuro. Não será a reserva da Nação, mas a desilusão e a miséria de uma certa parte da Nação. Na retórica oficial ninguém ficará para trás, especialmente em função da torrencial chuva de apoios e subsídios que permitem sobreviver mas não recuperar a dignidade no Novo Portugal. Só que o Novo Portugal esteve ausente do Debate sobre o Estado da Nação.

O Governo está tão inebriado com tanto dinheiro para “gastar” que nem se lembra da palavra “investir”. É o velho sortilégio da cultura política nacional que acredita até à medula que o dinheiro e só o dinheiro convertem o espírito da Nação. O que é normal e triste é que não há uma Ideia para Portugal, um desígnio que nasce como inconcebível à partida, cresce com a competência e a imaginação política, torna-se provável com a acção executiva deliberada, focada, concreta, para finalmente se apresentar como o resultado inevitável de um novo posicionamento político na hierarquia das Nações.

Quanto à condição real de Portugal, o País está mais Pobre, mas experimenta uma Maior Qualidade de Vida protegido como Membro da União Europeia. Uma situação paradoxal, mas verdadeira. E nada é mais revolucionário do que a verdade.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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