Trump e a União Europeia: Dividir para reinar

Tipicamente é durante os primeiros 100 dias que os presidentes americanos começam a implementar as medidas mais importantes da sua agenda. Ainda nem 30 passaram.

Depois da surpresa que foi para muita gente o discurso algo moderado ainda na noite das eleições, Donald Trump não tem desapontado quem o apoiou e voltou ao velho registo da campanha – começando alias pelo discurso da tomada de posse.

Para além de várias medidas (no mínimo) racistas, das declarações enaltecendo as vantagens da tortura, e claro do fecho das fronteiras parece que a agenda protecionista que tantas vezes falou durante a campanha é mesmo para levar a sério: começando pela saída do acordo Transpacificifico e claro o anuncio imposto de 20% sobre as importações do México para financiar a construção do muro, que na pratica acaba com a NAFTA.

Tipicamente é durante os primeiros 100 dias que os presidentes americanos começam a implementar as medidas mais importantes da sua agenda. Ainda nem 30 passaram, por isso estas semanas são apenas o inicio….

Mas qual será então o impacto para a economia global de uns Estados Unidos cada vez mais protecionistas? Como devem os outros países reagir?

Em primeiro lugar é obviamente difícil estimar com certeza qual será o impacto da presidência Trump ainda sem se saber exatamente o que vai fazer e o que pode fazer. De qualquer forma, a euforia inicial de que com Trump, regressariam os gloriosos anos 80 de Reagan, deu agora lugar a bastantes duvidas. Principalmente devido ao impacto de um eventual retrocesso no comércio internacional.

Fruto da globalização, o comércio tem crescido em praticamente todas as regiões, tendo desde o início dos anos 60 mais do que duplicado o seu peso no PIB Mundial. No gráfico em baixo (onde o comércio é medido pela soma de exportações e importações) isso é bastante claro. E é também bastante claro que ainda que os EUA se tenham tornado uma economia mais aberta – o peso do Comércio no PIB americano triplicou – são ainda assim mais “fechados” do que a União Europeia: o comércio internacional representa 30% do PIB dos EUA e 80% da EU, bem acima neste caso dos 60% do total da economia mundial.

Comércio internacional (em percentagem do PIB)

Fonte : Contas do autor com dados do Banco Mundial e AMECO (Valores em percentagem do PIB)

Mas significa isto que a Europa está mesmo assim tão exposta? Neste caso os números são enganadores… Se excluirmos destes valores as trocas intra-comunitárias, vê-se que o grau de abertura da economia europeia é praticamente o mesmo dos EUA. Ou seja, as duas maiores potências económicas mundiais, são afinal bastante mais fechadas do que os restantes blocos…

Quer isso então dizer que a Europa deve alinhar na mesma estratégia dos estados unidos e de rasgar acordos comerciais e até entrar em guerras cambiais? Também não.

Em primeiro lugar, pelo motivo óbvio: este é um jogo no qual todos perdem. Mesmo que as economias menos abertas percam menos do que as mais expostas, no fim de contas, o crescimento do comércio internacional tem sido positivo.

Em segundo lugar, convém ter em conta a diferença entre os dois blocos. Os EUA são um país (federação) e a União Europeia é uma união, bastante imperfeita e diversa. Apesar de parecerem semelhantes neste caso, a realidade europeia é bastante diversa, já que inclui pequenas economias, algumas extremamente abertas (como a Irlanda) e economias maiores e mais fechadas (como a França). Assim, embarcar numa vaga protecionista acabaria por prejudicar uns estados membros mais do que outros e seria o primeiro passo para que começassem também guerras comerciais entre estados membros.

E é precisamente neste prisma que os comentários sobre a valorização do euro feitos pelo novo Secretário de Estado do Comércio devem ser lidos. Ao dizer que um euro “artificialmente” fraco está a ajudar a Alemanha e a prejudicar outros países, o Sr. Ross está provavelmente mais interessado em provocar divisões dentro da área do euro do que em depreciar a moeda única. Aliás, durante a campanha eleitoral, Donald Trump e a sua candidatura criticaram ferozmente a reserva Federal por não subir as taxas de juro e assim manter o dólar demasiado fraco…

Isto demonstra bem que a estratégia dos EUA face à União Europeia passará por dividir para reinar – não será coincidência a grande proximidade de Trump e de Nial Farage e Martine Le Pen. Uma união europeia dividida não só será economicamente mais fraca, como também perderá peso externo para influenciar o comércio mundial. Quanto mais divididos estiverem os restantes países, maior a capacidade negocial dos EUA. A farpa lançada à Alemanha tem a partida não só o objetivo de depreciar o euro mas principalmente chamar a atenção dos outros países (nomeadamente a França e Itália).

Num ano recheado de eleições, e com a Sra. Le Pena cada vez mais bem colocada nas sondagens em França, muitas serão as tentações para os líderes europeus embarcarem neste tipo de discurso. No entanto a Europa tem bastante mais a perder do que a ganhar se seguir Trump. A estratégia do novo presidente americano parece caótica e sem sentido, mas no que respeita ao comércio mundial Trump está apenas a usar uma das mais antigas e eficazes estratégias: divide et impera.

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