Os 9 truques da defesa de Ricardo Salgado

Manobras dilatórias, uma testemunha com 102 anos, um incidente de recusa, a covid-19, uma alegada demência e até um pedido para pagar pela absolvição. Assim tem sido a defesa de Ricardo Salgado.

Quando esteve na Comissão de Inquérito Parlamentar ao colapso do BES e do GES, Ricardo Salgado disse o seguinte: “Sei que os anos que me restam de vida serão passados nessa luta, a tentar limpar o meu nome”. É precisamente esta a estratégia da defesa de Ricardo Salgado: evitar a prisão e passar o resto da vida nos tribunais.

O ex-banqueiro sabe que não vai escapar à justiça: é a operação Monte Branco, é a Operação Marquês e são os 76 crimes do caso BES, que ainda nem sequer começaram a ser julgados. Salgado sabe também que o sistema judicial é de tal forma burocrático e garantístico que, com bons advogados, nem precisa de apostar na absolvição, basta protelar os julgamentos e as sentenças. A esperança média de vida de um processo judicial complexo em Portugal supera em muito a esperança média de vida de um indivíduo com 77 anos.

Que o diga Oliveira e Costa do BPN que morreu sem ter cumprido a pena de 15 anos a que foi condenado, depois de anos e anos com o processo a rebolar na Justiça, de recurso em recurso. A João Rendeiro já lhe perdemos a conta à quantidade de recursos para evitar ir para a cadeia. O ‘trânsito em julgado’, no caso do ex-banqueiro do BPP, transformou-se em anedota.

É por esta estrada que vai Ricardo Salgado, uma estrada cheia de curvas, contracurvas, desvios, lombas, buracos, subidas, descidas e cruzamentos. Uma estrada só possível de ser percorrida através das manobras e da perícia de uma boa equipa de advogados; e quanto melhor o advogado, mais longa é a estrada.

1) Primeiro a defesa de Ricardo Salgado quis adiar o julgamento porque considerava que o julgamento deveria ser realizado no Tribunal de Cascais, onde vive o arguido, e não em Lisboa. O juiz não concordou. Com o que sabemos hoje — Salgado ainda não pôs os pés no Tribunal desde o início do Julgamento, — percebe-se que o pedido não passou de mais uma manobra para adiar o julgamento.

2) Até começar o julgamento na Operação Marquês, foram vários os adiamentos até a apresentação da contestação, tendo a defesa pago uma multa para estender o prazo original. Quando finalmente chegou a contestação, foram quilos e quilos de páginas que obrigaram o juiz a um novo adiamento.

3) A culpa dos adiamentos não é só de Ricardo Salgado e dos advogados. O caso principal do BES, em que Salgado é acusado de cometer 76 crimes, está parado há um ano porque o despacho, com mais de quatro mil páginas, ainda está a ser traduzido para francês, de forma a notificar três arguidos na Suíça. Só depois é que começa a contar o prazo de 50 dias para a abertura da instrução. Aqui chegados, só apetece perguntar, em francês para não perderem mais tempo em traduções: Pourquoi la justice portugaise est si lente?

4) Para o ajudar na defesa na Operação Marquês, Ricardo Salgado chamou, nem mais, nem menos, 40 testemunhas. Uma das testemunhas é um tio com 102 anos.

5) Neste julgamento, Salgado pediu para não estar presente por causa da idade e dos perigos da covid-19, mas depois quis alegar a nulidade do julgamento porque a audição das testemunhas seria feita sem a presença do arguido. O juiz naturalmente recusou este catch-22.

6) Depois de ter invocado a lei em tempo de pandemia para não estar nas audições, Salgado foi fotografado de férias na Sardenha a passear alegremente, e ainda por cima sem máscara. Caiu-lhe a máscara.

7) No caso das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal, que estava a ser julgado no Tribunal de Santarém, Salgado tentou afastar a juíza do processo porque a juíza era sobrinha da ex-eurodeputada Ana Gomes e porque numa entrevista ao Expresso a juíza queixou-se das condições precárias do tribunal onde trabalha e que poderiam levar à prescrição de processos. O juiz da Relação não aceitou e argumentou, com fina ironia: “O arguido não sentirá, certamente, a aversão a quem não queira a prescrição dos processos judiciais”.

8) A última estratégia da defesa para travar o julgamento foi invocar demência. A defesa de Ricardo Salgado alega que o ex-banqueiro tem vindo a sentir dificuldades e lapsos de memória, desgaste emocional, físico e psicológico. Alguns destes sintomas serão, com certeza, comuns aos dos lesados do BES.

Como explicava ao jornal Público a procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes, inspetora do Ministério Público, uma eventual demência posterior ao crime não deverá ter efeitos do ponto de vista da inimputabilidade do arguido. Por mais cristãos que possamos ser, a doença não pode ser vista como uma redenção pelas dezenas de crimes que Salgado terá alegadamente praticado.

9) A última cartada da defesa de Ricardo Salgado, noticiada este domingo pelo Correio da Manhã, foi um pedido ao juiz Carlos Alexandre para que desbloqueie os valores que pagou em cauções, no Monte Branco e no caso BES, para poder devolver à massa insolvente do BES os 10,7 milhões de euros que é acusado de ter desviado do banco. Com isso, Salgado espera ser absolvido. Pode não ter dinheiro, mas tem lata.

Não são os nove dons do Espírito Santo, mas são as nove manobras para fugir, contornar ou protelar uma condenação para o dia de São Nunca à Tarde. É esta a estratégia de defesa do outro Santo, o Espírito Santo. Foi assim com Oliveira e Costa, está a ser assim com João Rendeiro, e vai ser assim com Ricardo Espírito Santo Salgado.

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