Proprietários de dívida sustentável

Assiste-se a uma criativa inovação de produtos e de emitentes de obrigações verdes e sociais, que devem ser um indicador de compromisso com uma agenda ambiental, social e de governo societário.

O futuro é conhecido por ter maus guerreiros. A pandemia Covid-19 suscitou uma resposta orçamental sem precedentes aos sistemas de saúde e linhas de apoio a famílias e empresas vulneráveis tendo atingido cerca de 12% do PIB mundial. Consequentemente a dívida pública global evoluiu para cerca de 98% do PIB, em 2020, o valor mais alto de sempre (Figura infra), o que compara com 84% nas projeções do FMI de outubro de 2019.

Este aumento exponencial da massa monetária coloca aos bancos centrais e decisores políticos desafios no sentido de promover uma economia sustentável com ênfase no aumento da produção potencial, garantindo um crescimento participativo que a todos beneficie e acelere a transição para uma menor dependência de carbono. Segundo o World Economic Outlook (WEO), de outubro de 2020, um impulso de investimento verde reduz as suas emissões e mitiga a recessão económica e social.

Na União Europeia destaca-se a emissão de dívida de cariz social no âmbito do programa SURE (Support to mitigate Unemployment Risks in an Emergency), suportada, pelos Princípios para Títulos Sustentáveis, pela International Capital Market Association (ICMA), sob os esforços de normalização da taxonomia pela ‘EU Green Bond Standards’. Em 2019, o European Green Deal sublinhou a necessidade de sinais de longo prazo para direcionar os fluxos financeiros e de capital para investimentos sustentáveis sob uma estratégia financeira. No terceiro trimestre de 2020, a Comissão renovou este propósito centrando-se numa série de ações identificando projetos credíveis.

O conceito de sustentável engloba a governance das organizações. A 18 agosto de 2019, 181 CEO´s de empresas relevantes dos EUA subscreveram um novo “statement on the purpose of a corporation” que mitiga o primado do acionista na apropriação do valor da organização considerando os interesses de todos os stakeholders sob o conceito de ESG (Environmental, Social and Governance).

Ao nível do governo das organizações é notório o aumento dos esforços da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e da Autoridade Bancária Europeia (EBA) emitirem, conjuntamente, orientações sobre as noções de adequação e sua efetiva avaliação pelas instituições e autoridades competentes de modo a assegurar um bom regime de governance nas instituições.

Com enormes fundos disponíveis, está lançado o mote para a emissão de “dívida sustentável”. Assim, em 2020, o volume de emissão de obrigações sustentáveis foi de € 600 mil milhões, ou seja, um aumento de 84% face a 2019. Sobre esta miríade de taxonomias e valores, importa recordar o conceito de Westerveld, em 1986, o “greenwashing”. O que mudou nos emitentes? Terá sido a estrutura e os trabalhos do Conselhos de Administrações no apoio à gestão executiva? Os seus processos produtivos? As políticas de responsabilidade social? As suas ligações às comunidades?

O sistema financeiro é o ariete do desenvolvimento. Impulsionados pelo progresso das Tecnologias de Informação e Telecomunicação (ITI), os bancos otimizam oportunidades oferecidas pela liberalização financeira e a vontade dos consumidores. As inovações são imparáveis. A coexistência de vários modelos bancários otimiza a eficiência e a estabilidade económica globais. Os pequenos bancos cooperativos, caracterizados pela proximidade, disseminação da propriedade e do risco, interesses partilhados e ausência de distribuição de dividendos, integrados nas comunidades, tendem a concentrar-se naturalmente nos empréstimos tradicionais de negócios de retalho/relacionamento, enquanto os bancos de valor acionista encontrarão normalmente o seu habitat preferido no domínio da banca de longo alcance do braço e negócios financeiros mais sofisticados,

Assiste-se a uma criativa inovação de produtos e de emitentes de obrigações verdes e sociais. Elas são importantes e necessárias. Estas obrigações devem ser um indicador de um compromisso com uma agenda ambiental, social e de governo societário adequada. Mas quem as monitoriza? E difunde as suas análises de modo sério e consequente junto do mercado.

O mercado somos nós. Esta imensa dívida pública está suportada nos nossos impostos. Impostos assimétricos que desertificam os territórios do interior caracterizados por frágeis oportunidades. Essas fragilidades, essas externalidades negativas, dão causa às intervenções de supervisão pensadas, testadas, monitorizadas e coordenadas. É isso que pode tornar esta divida geracional sustentável.

Os valores, as virtudes, apreendem-se; não se transacionam. Segundo a European Association of co-operative Banks, em 2020, um em cada cinco europeus eram membros de cooperavas bancárias, ou seja, proprietários de cerca de 2.700 bancos, integrados nas regiões menos favorecidas, com 42.321 agências que representam cerca de 20% do mercado bancário e 30% do financiamento às PME. Estes proprietários não recebem dividendos; partilham confiança e valores. E tudo o mais para ganhar valor, enfim, ganhar o futuro.

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