Menos recuperação e mais resiliência. Qual o orçamento para além da bazuca?
Excluindo o impacto do PRR, o segundo orçamento de João Leão não parece ser muito diferente dos que preparou enquanto secretário de Estado de Mário Centeno.
Não causa grande surpresa que a política económica portuguesa nos próximos anos vá depender principalmente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Daí que não seja surpreendente que o investimento público, financiado pelo PRR, seja de longe o factor mais importante do orçamento do estado. No entanto, o resto também conta, já que espelha as prioridades do governo para os próximos anos:
- Reduzir a dívida a um ritmo semelhante ao verificado antes da Covid-19, e mais rápido do que os restantes países do sul da Europa;
- Uma política orçamental (pouco) expansionista que mesmo que reduza os impostos para as famílias, essa redução acaba por ser menor do que o aumento dos gastos com pessoal da função pública.
Resumidamente, e excluindo o impacto do PRR, o segundo orçamento de João Leão não parece ser muito diferente dos que preparou enquanto secretário de Estado de Mário Centeno. No entanto, esta continuidade não é necessariamente má como se viu pelo recente upgrade do rating por parte da Moody’s.
Portugal mantém uma política orçamental relativamente conservadora, reduzindo a dívida pública, depois do aumento devido à pandemia, a um ritmo superior ao dos seus “parceiros” do sul da Europa, como a Espanha ou Itália. Por isso, este acaba por ser um orçamento que aposta mais na resiliência do ajustamento orçamental do que na recuperação económica.
Quase que se pode arriscar dizer que este até poderia ser um orçamento preparado por… Vitor Gaspar já que reflete a preocupação em manter ajustamentos orçamentais credíveis, revelada ainda na semana passada pelo antigo ministro num artigo assinado por si no blog do FMI.
Política orçamental em Portugal (2011-2022)
Fonte: Ameco, Orçamento do Estado para 2022 e cálculos próprios
Portugal já foi conservador nos apoios durante a pandemia: Teve das maiores quedas do produto — fruto do turismo e dos confinamentos — e uma das menores variações do défice estrutural. E é agora também conservador na tão esperada saída da pandemia. Mas indo um pouco mais atrás, conforme se vê no Gráfico 1, a política orçamental [1] em Portugal tem sido relativamente neutra desde 2016 (muito ajudada pela política monetária do BCE). Ora para 2022, o orçamento prevê uma política orçamental praticamente neutra. O saldo primário estrutural apenas diminui 0.1 pontos percentuais, para um ligeiro défice de 0.2% do PIB. Comparando com a política orçamental ao longo dos últimos 10 anos, vemos que o plano do Governo é ser tão expansionista como em… 2016, o primeiro orçamento de João Leão, na altura como secretário de Estado do Orçamento.
Carga fiscal e investimento público (% do PIB)
Fonte: INE e OE 2022.
Com muita dívida e pouca margem, Portugal tem de aproveitar ao máximo o PRR. No entanto, o governo parece ir longe demais ao ignorar os outros instrumentos de política orçamental. É certo que o orçamento prevê perto de 1.8% do PIB em medidas expansionistas e que o investimento público vai finalmente dar um salto – esperando o governo que chegue a 3.2% do PIB o valor mais alto desde 2011 (ano do resgate internacional!) enquanto a carga fiscal desce, mas pouco, para 34.2% do PIB, o valor mais baixo desde 2016, ano do primeiro orçamento preparado e executado por António Costa, Mário Centeno e João Leão.
No entanto, como se pode ver na tabela em baixo, retirada do relatório do OE, 1.4% do PIB corresponde a investimento público ao abrigo do PRR. Excluindo isto restam apenas 0.1% de redução líquida de receita e 0.3% de aumento de despesa. E nada explica melhor as prioridades do governo do que a comparação das principais medidas discricionárias.
Em primeiro lugar, 400 milhões de euros para aumentar a despesa com a saúde (registada como consumos intermédios). Em segundo, 310 milhões de euros para aumentar a massa salarial da função publica e, por último, 205 milhões de euros para reduzir o IRS para as famílias. Ou seja, primeiro aumentar a despesa com salários e só depois reduzir impostos sobre o rendimento. É uma escolha que fala por si.
Principais medidas da política orçamental
Fonte: Relatório do OE 2022
É certo que Leão pode ter alguns coelhos na cartola. Com um cenário macro relativamente razoável — algo subscrito até pelo Conselho das Finanças Públicas que alerta, no entanto para o risco de subexecução do PRR — provavelmente a receita fiscal estará subestimada. Alguns impostos têm taxas de crescimento estimadas abaixo da previsão do PIB nominal, deixando antever alguma margem, ou “folga”. Sendo que baixar impostos está, infelizmente, fora de causa para os partidos à esquerda, será que essa folga vai ser usada para baixar mais rapidamente o défice, e assim fazer um brilharete e baixá-lo dos 3% do PIB ainda antes de 2023? Ou será, antes, usada para acomodar mais despesa proposta pelo PCP e BE durante a discussão na Assembleia da Republica?
António Costa e João Leão tentarão, provavelmente, fazer as duas coisas: aceitar medidas da esquerda e mesmo assim surpreender na redução do défice, tal como fizeram desde 2016 e até a pandemia. Conseguirão agora voltar a fazer o mesmo? Ou será que a política do BCE e os mercados financeiros não o vão voltar a permitir?
[1] Para avaliar a posição cíclica da política orçamental, deve-se ter em conta a variação do saldo primário estrutural – ou seja a variação do saldo orçamental excluindo os juros e tudo o que não é permanente nem relacionado com ciclo económico – face ao hiato do produto – o valor que indica economia está a utilizar todos os seus recursos, estando o PIB acima ou abaixo do seu potencial
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