Desdobramento e englobamento, dois passos atrás no IRS
Com este nível de despesa e de dívida pública, quaisquer anúncios de “redução de impostos” ou de “alívio fiscal” reconduzem-se essencialmente a exercícios de retórica política.
O Governo apresentou a sua proposta de Orçamento de Estado para o ano de 2022. É um orçamento que prevê uma despesa pública anual de 105 mil milhões de euros, depois de ter ultrapassado pela primeira vez o limiar dos 100 mil milhões em 2021, e uma dívida pública de 290 mil milhões de euros, que corresponde a um aumento de mais de 60 mil milhões de euros de dívida desde que Portugal concluiu o programa de ajustamento em 2014. Este aumento da despesa pública e da dívida pública agravam o desequilíbrio das contas públicas portuguesas e a situação só não é mais dramática porque o País continua a beneficiar de uma política monetária do BCE extremamente generosa que garante juros artificialmente baixos.
Neste enquadramento, com este nível de despesa e de dívida pública, quaisquer anúncios de “redução de impostos” ou de “alívio fiscal” reconduzem-se essencialmente a exercícios de retórica política para encher noticiários, mas com um impacto muito reduzido no bolso dos portugueses.
Na apresentação da proposta orçamental, no salão nobre do Ministério, o ministro das Finanças anunciou que o desdobramento dos escalões do IRS teria um impacto de 150 milhões de euros para as famílias portuguesas. Ora a receita anual de IRS prevista para 2022 ascende a 14.390 mil milhões de euros, o que significa que o Estado apenas prescindirá de 1% da receita anual de IRS com o desdobramento dos escalões.
Por outro lado, o desdobramento dos escalões tem sido promovido como um reforço necessário da progressividade do IRS, de forma a tornar este imposto “mais justo”. A este propósito é fundamental sinalizar que o IRS já é hoje um imposto altamente progressivo, mesmo face a padrões europeus, uma vez que cerca de 16% das famílias com mais rendimentos suporta cerca de 65% do IRS global cobrado anualmente. E, em contrapartida, cerca de 44% das famílias com menos rendimentos não pagam qualquer IRS, não obstante beneficiarem de todos os serviços públicos financiados também por este imposto.
Acresce que com a anunciada criação de dois novos escalões, o País passará a ter na prática 11 escalões (9 nas taxas gerais e 2 nas taxas adicionais de solidariedade), o que transformará Portugal num dos recordistas europeus em termos de escalões em sede de IRS.
Para além de tornar muito mais complexa a administração e aplicação do imposto, contrariando os objetivos de simplificação previstos na Reforma do IRS de 2015 e no próprio programa simplex, a criação de um IRS com 11 escalões penalizará no futuro os aumentos de rendimentos das famílias portuguesas, desencorajando o esforço, o mérito e o trabalho.
Com efeito, num imposto com 11 escalões, todos eles de reduzida dimensão e com taxas progressivas, quaisquer pequenos aumentos de rendimentos resultantes de progressões na carreira, prémios de desempenho ou bónus por mérito poderão determinar a subida do escalão e a aplicação de uma taxa agravada de IRS.
Pelo que, ao invés do que tem sido a política fiscal assumida nestes últimos anos, o IRS deveria conceptualmente ter poucos escalões, como acontece na esmagadora maioria dos países da UE, com taxas mais reduzidas, de forma a que aumentos de rendimentos das famílias portuguesas possam, dentro de escalões abrangentes, beneficiar da aplicação da mesma taxa e não serem penalizados por aplicação de taxas progressivas mais elevadas.
A proposta de orçamento para 2022 também inclui uma medida agravamento fiscal em sede de IRS, através do englobamento das mais valias relacionadas com a alienação de partes sociais e outros valores mobiliários detidos há menos de 1 ano.
Trata-se de uma medida de agravamento fiscal significativo para os contribuintes do último escalão do IRS, os quais passam a suportar uma taxa sobre estas mais-valias qua poderá atingir os 53%, quando até agora estes rendimentos estavam sujeitos a uma taxa de 28%.
Mas é também uma medida que exemplifica uma aparente descoordenação dentro do Governo. Temos por um lado o Ministro da Economia a defender, e bem, medidas de reforço da capitalização das empresas, designadamente através de capitais próprios dos sócios ou acionistas. Mas temos, por outro lado, o Ministro das Finanças a penalizar fiscalmente os investidores que poderiam capitalizar as empresas, designadamente através do mercado de capitais.
É uma medida que terá também um impacto negativo na poupança dos portugueses, que está ainda em níveis muito reduzidos, não obstante ter melhorado ligeiramente com a pandemia.
E é, sobretudo, uma medida que criará risco e incerteza fiscal e que afastará investidores do mercado português, precisamente no momento em que o País precisa de confiança e de investimento para estimular a sua recuperação económica.
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