O banco da minha terra é fixe

  • Rui Moreira de Carvalho
  • 16 Novembro 2021

A coexistência de vários modelos bancários, como os cooperativas, beneficia a eficiência e a estabilidade económica global.

A diversidade das espécies é o melhor garante da vida saudável. Igual analogia pode ser transportada para o sector bancário onde estudos sugerem o mérito deste caldo de modelos de bancos na avaliação dos desempenhos, das características de estabilidade, dos papéis em termos de concorrência e dos contributos para o desenvolvimento.

O sistema financeiro europeu é uma mistura de muitos tipos de bancos: bancos públicos, regionais, cooperativos, mútuos e privados. É feita uma distinção particular entre os bancos de valor acionista (shareholder value) e os bancos de “partes interessadas” (cooperativas). A distinção tem, essencialmente, a ver com os seus objetivos estruturais (dividendos Vs perenidade) em que o lucro para remunerar o acionista é o foco em contraponto à sua retenção para melhor assegurar a continuidade das atividades.

As cooperativas de crédito foram criadas no século XIX em resposta ao desafio de inclusão financeira (conceder empréstimos a preços acessíveis) das classes emergentes. O crédito devia ser financiado internamente, ou seja, pelas poupanças coletivas do grupo. Se os fundos externos fossem necessários, seriam emprestados na responsabilidade conjunta do grupo. Por último, para alinhar os objetivos da instituição com os interesses dos seus membros, a governação baseou-se em princípios democráticos, ou seja, um membro, um voto.

É um modelo de negócio que, nos últimos 150 anos, em Portugal, a tudo resistiu ajustando-se às tecnologias e sistemas políticos. Contudo, apesar de se apregoar a importância do combate à desertificação do interior limita-se quem pode apoiar os empreendedores e investidores de base local. Escudados em procedimentos regulatórios e na importação de modelos pouco ajustados à realidade portuguesa, como o ganho de escala para a criação de vantagem competitiva, tende-se a perder a essência do sistema financeiro: a proximidade.

A proximidade física não é a proximidade digital. Esta é inócua e fria. Como se consegue combater a escala das “empresas de dados” como, entre outras, a Google, a Amazon, com sede em S. Francisco, EUA, ou a Alibaba, na Hangzhou, China, que estão a entrar no sistema financeiro? É no primado da vantagem comparativa que se podem vislumbrar oportunidades de retenção de valor. As cooperativas procuram os seus colaboradores nas comunidades, onde o seu target são os excluídos dos “grandes bancos”.

Em meados de novembro, na Vila de Mafra, assisti a uma excelente ação de formação promovida pela Caixa de Crédito Agrícola Mútua de Mafra (CCAMM).

Já na fase de encerramento, o Senhor presidente do município de Mafra disse ter sido com alguma admiração que aceitou o convite para participar como orador no evento, não só por se tratar de uma iniciativa de uma instituição financeira, mas também por ocorrer num concelho tão longe dos centros de poder. Mas que, ao assistir às intervenções dos vários oradores, se apercebeu que a instituição financeira local, a CCAMM, estava a ser pressionada para ser “comida” por uma organização de fora da sua região; E que, sendo os associados da CCAMM os “olhos e ouvidos” da comunidade e a sua esperança, esta causa – da sua CCAMM – passou a ter nele um novo combatente.

Para este autarca, e para a sua comunidade, esta instituição financeira, fundada em 1957, presidida por uma mafrense, que emprega 36 mafrenses, tem seis agências bancárias e várias caixas ATM em todas as freguesias, e está presente em todas as “festas e festinhas” locais, é a “melhor do mundo”. Segundo ele, o comportamento dos outros bancos instalados em Mafra para com os seus munícipes é, infelizmente, diferente, porque fecham agências, despedem empregados e retiram caixas ATM.

Portugal tem mais de oitenta bancos de teor mutualista. Todos são importantes. Alguns têm 10 a 40 colaboradores, pelo que todos os seus trabalhadores tendem a exercer, a toda a hora, as funções de monitorização sob o olhar atento dos membros da sua comunidade. E porque estão capitalizados têm, em regra, bons rácios, sendo instituições que oferecem credibilidade.

Não se consegue entender a desconexão estratégica portuguesa face aos seus pares europeus. Um sistema financeiro povoado por uma diversidade de estruturas de propriedade e governação, e modelos de negócio alternativos, é suscetível de ser mais competitivo, sistemicamente mais resiliente e propício a um desenvolvimento inclusivo.

Isto tem implicações importantes nas políticas públicas. A coexistência de vários modelos bancários beneficia a eficiência e a estabilidade económica global. Por conseguinte, as autoridades devem estar cientes de que qualquer regulamento não deve prejudicar a biodiversidade da banca, respeitando o princípio da proporcionalidade. Por outro lado, a propriedade/ governação de um banco molda o seu modelo de negócio. Os bancos mutualistas tendem a concentrar-se nos empréstimos tradicionais de negócios de retalho/ relacionamento, enquanto os bancos de valor acionista encontrarão o seu habitat preferido no domínio da banca de “longo alcance do braço” e negócios financeiros mais sofisticados.

No final do evento, a CCAMM ofereceu aos presentes o livro “Mafra vista por estrangeiros (Séc. XVIII – XIX) ”, editado em 2017 pela instituição financeira com sede social em Mafra. Eis uma simpática atitude de responsabilidade social.

Século e meio de história do modelo cooperativo mostra a sua eficácia e eficiência. Para a comunidade de Mafra, a CCAMM é fixe.

  • Rui Moreira de Carvalho

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