Progressivamente mais pobres

Não somos competitivos, não atraímos talento nem investimento, não crescemos. Qual é a nossa política fiscal para sairmos da cauda da Europa?

A progressividade nos impostos baseia-se na ideia de que os mais ricos devem pagar impostos (mais do que proporcionalmente) superiores aos mais pobres. Esta ideia tem um fundamento económico: a utilidade marginal decrescente. Exemplificando, os últimos 10% num ordenado de 1.000 € (ou seja, 100 €) têm uma utilidade maior do que os últimos 10% num ordenado de 10.000 € (ou seja, 1.000 €). O argumento justifica-se com os 100€ serem utilizados para pagar despesas de educação, alimentação ou saúde, enquanto os 1.000 € seriam utilizados para pagar mais uns dias de férias num destino paradisíaco. Apesar de ser simplista e hiperbólico, é de aceitação generalizada que os impostos devem ser progressivos.

Existem duas formas mais comuns de gerar progressividade nos nossos impostos – através da criação de escalões de rendimento sujeitos a diferentes taxas ou através de uma isenção até um valor fixo de rendimento aplicando uma taxa plana sobre o restante.

Olhemos para a primeira opção: em 2021 existiam em Portugal 7 escalões de tributação do IRS enquanto a maior parte dos países europeus não têm mais que 3. O único país que ultrapassa Portugal neste ranking é o Luxemburgo, com o qual infelizmente não nos podemos comparar em termos de riqueza [1]. Neste âmbito, na União Europeia alguns dos países mais comparáveis connosco são: República Checa, Eslovénia, Lituânia, Estónia, Polónia, Hungria, Eslováquia e Letónia, seis dos quais com apenas 1 ou 2 escalões. A complexidade do sistema fiscal português gera incerteza na hora de estimar os impostos a pagar. Ainda que saibam qual será (ou qual foi) o seu rendimento num ano, poucos portugueses conseguem calcular com exatidão quanto pagarão de IRS.

Olhemos agora para a segunda opção: primeiro importa provar que esta forma de tributação é justa, ou seja, o imposto é efetivamente progressivo. Utilizando novamente os exemplos de salários anteriormente apresentados e sujeitando-os a uma taxa fixa de 20% com a isenção a fixar-se nos 800 €, sobre o salário mais baixo a taxa efetiva é 4% enquanto esta é 18,4% sobre o salário mais elevado.

Voltemos à ideia inicial da progressividade: Os mais ricos devem estar sujeitos a uma maior carga fiscal. Em 2020, Portugal era o 11º país da OCDE com maior carga fiscal sobre o trabalho [2], mas era o 30º país com maior salário bruto [3]. Pagando taxas semelhantes (em percentagem) a finlandeses e suecos, o custo (utilidade marginal do valor pago) é muito superior para os portugueses, cujo rendimento é consideravelmente inferior. Isto resulta num rendimento líquido, mesmo ajustado ao custo de vida, muito inferior. Aliás, Portugal é o terceiro país da UE com mais baixa taxa de poupança das famílias (apenas 17%), quando, por exemplo, na Suécia é de 29% e na Finlândia é de 25%.

A reduzida poupança das famílias portuguesas permite constatar o impacto que cada euro adicional de impostos tem no seu bem-estar. Dos 10 países com maior carga fiscal sobre o trabalho que Portugal, apenas a Hungria tem salários médios mais baixos. Taxados como os mais ricos, a ganhar como os mais pobres.

Esta ideia reflete-se no conceito de esforço fiscal – a carga fiscal de cada país ponderada pelo seu nível de vida e capacidade de assumir esses encargos fiscais. Não existe um consenso académico sobre a melhor forma de medir este indicador. No entanto, o Índice de Frank e o Índice de Bird são provavelmente as metodologias mais usadas. Calculando estas métricas para a Europa Ocidental, Portugal destaca-se como sendo o segundo país com maior esforço fiscal, só atrás da Grécia. Tanto Portugal como a Grécia não estão no topo na avaliação da carga fiscal, mas sendo ambas economias pobres no contexto europeu, saltam para o pódio quando avaliamos o esforço fiscal.

Este é apenas um dos fatores que explica a baixa competitividade fiscal portuguesa. Em 2021 a Tax Foundation revelou num estudo que Portugal é o 4º pior país (em 37) da OCDE no ranking do índice de competitividade fiscal internacional. Este índice avalia mais de 40 variáveis de política fiscal, nas áreas do consumo, empresas, rendimento individual, propriedade e lucros obtidos no estrangeiro.

Num estudo da OCDE, concluiu-se que os impostos sobre as empresas são os mais prejudiciais para o crescimento económico e é neste aspeto que Portugal tem um pior resultado (35/37), o que pode explicar a estagnação nas últimas duas décadas. As economias de leste que nos últimos 20 anos se aproximaram, e até ultrapassaram Portugal em termos de riqueza gerada por habitante1, como a República Checa (8º), a Eslovénia (12º), a Lituânia (4º) e a Estónia (3º) são algumas das economias mais amigas das empresas.

Fonte: +Factos (Instituto +Liberdade)

Noutro capítulo em que lutamos para não descer de divisão é nos impostos sobre os indivíduos (IRS) (31/37), ao passo que os nossos competidores acima citados ocupam o 4º, 7º, 14º e 1º lugares, respectivamente.

Chegamos à conclusão que não somos competitivos, que não atraímos talento nem investimento, que não crescemos. Mesmo assim, poderíamos estar a falar de um país historicamente rico e capaz de manter essa riqueza. Continua a não ser o nosso caso. Somos o 6º país com o salário médio mais baixo da OCDE. Todos aqueles competidores identificados apresentam-se melhor do que nós e do antigo bloco leste apenas Eslováquia e a Hungria ainda não nos ultrapassaram. Para não falar da Europa Ocidental, em que somos a lanterna vermelha, quer em salário bruto, quer em rendimento líquido. Os impostos sobre o trabalho não chegam para justificar tamanho insucesso. A maneira como os nossos governos têm olhado para as empresas não é inocente neste julgamento.

Fonte: + Factos (Instituto +Liberdade)

Para finalizar, e porque todo o condenado tem direito a arrependimento, olhemos para o octacampeão da competitividade fiscal: a Estónia. Com uma taxa de 20% sobre o rendimento das empresas apenas aplicada aos lucros distribuídos, o que estimula não só o investimento, como também o reinvestimento e a capitalização das empresas, a inovação e a transição digital. Para além da taxa ser mais baixa do que a média da OCDE, este modelo fomenta a flexibilidade e o crescimento.

A taxa sobre o rendimento individual é igualmente 20%, não incidindo sobre o rendimento de dividendos, o que impede a dupla tributação, fomentando o investimento da parte dos indivíduos nas empresas.

Mais ainda, lucros estrangeiros obtidos por empresas nacionais não são tributados, incentivando as mesmas a expandirem-se para lá das fronteiras.

Fonte: +Factos (Instituto +Liberdade)

  • Condenação: Progressivamente mais pobres.
  • Causa: Fraca competitividade fiscal, entre outras.
  • Resultado: Cauda da Europa.

Tem a palavra, ou melhor a ação, o réu – Portugal!

[1] Medida pelo PIB per capita em paridade de poder de compra
[2] Tendo em conta o IRS e a taxa social única ao encargo do trabalhador e empregador
[3] Em paridade de poder de compra

References

Enache, C. (2021, Maio 19). A Comparison of the Tax Burden on Labor in the OECD. Tax Foundation.

Gross domestic savings (% of GDP) – European Union. (2021). Retrieved from World Bank Group: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDS.TOTL.ZS?end=2020&locations=EU&most_recent_value_desc=false&start=2020&view=map&year=2020

Instituto +Liberdade. (2021). Retrieved from https://maisliberdade.pt/site/assets/files/3627/indice_de_competitividade_fiscal_2021-1.pdf

Instituto +Liberdade. (2021). A economia portuguesa estagnou nas últimas duas décadas. +Factos.

Instituto +Liberdade. (2021). Em 20 anos, Portugal foi ultrapassado por 4 economias do antigo Bloco de Leste. +Factos.

Instituto +Liberdade. (2021). Portugal é o país da Europa Ocidental com os salários mais baixos. +Factos.

OCDE. (2021). Retrieved from https://data.oecd.org/earnwage/average-wages.htm

OCDE. (2021). Taxing Wages.

Organization for Economic Co-operation and Development (OECD),. (2008). Tax and Economic Growth .

Patrício, I. (2021, Setembro 16). Portugal vai ser o país europeu com mais escalões de IRS. ECO.

Pelayo. (2021, Abril 16). El ‘infierno’ impositivo es una realidad: España está entre los cinco países desarrollados con mayor esfuerzo fiscal. 20 minutos.

Tax Foundation. (2021). International Tax Competitiveness Index.

Vale, S. (2021, outubro 21). O Portugal dos pequenitos. Jornal Económico.

  • Colunista convidado. Colaborador da revista "Ceteris Paribus" do Católica Lisbon Economics Club.

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