Orçamento aprovado: a decisão de Bruxelas para aficionados
- Margarida Peixoto
- 17 Novembro 2016
Bruxelas espera que Portugal falhe as metas orçamentais e desconfia do resultado das medidas que o Governo apresenta para o próximo ano. Mas o esboço de orçamento foi aprovado. Porquê?
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O que decidiu a Comissão Europeia?
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E que avisos deixou Bruxelas?
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Quais os argumentos para não suspender os fundos comunitários?
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Se Portugal falhou as metas, como é que Bruxelas concluiu que tomou medidas efetivas?
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Quais os argumentos para aprovar o Draft Budgetary Plan para 2017?
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O que aconteceu à divergência entre as contas de Centeno e as de Bruxelas?
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A troca de correspondência entre Centeno e a Comissão não serviu para nada?
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E a meta da dívida? Portugal cumpre?
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Houve progressos nas reformas estruturais?
Orçamento aprovado: a decisão de Bruxelas para aficionados
- Margarida Peixoto
- 17 Novembro 2016
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O que decidiu a Comissão Europeia?
A Comissão Europeia decidiu na quarta-feira, 16 de novembro, que não penalizaria Portugal com uma suspensão parcial dos seus fundos comunitários.
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Bruxelas decidiu também aprovar os planos orçamentais para 2017 apresentados pelo ministro das Finanças, Mário Centeno. A única contrapartida pedida foi a apresentação de medidas de consolidação adicionais, caso os riscos de incumprimento das metas se venham a concretizar.
Por fim, Bruxelas sinalizou que a cumprir-se as atuais estimativas, Portugal deverá sair do Procedimento por Défices Excessivos em 2017, entrando de seguida no período de transição de três anos para a aplicação das regras de redução da dívida pública previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento.
António Costa, primeiro-ministro, rejubilou com a boa semana para o Governo:
Tweet from @antoniocostapm
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E que avisos deixou Bruxelas?
Apesar de tomar decisões positivas para Portugal, a Comissão Europeia deixou três avisos, um deles sobre um problema considerado “significativo”: o peso dos juros e da dívida pública.
Aumento de juros é “major risk”
“Tendo em conta a dimensão do peso dos gastos com juros no saldo orçamental, a possibilidade de aumentos potenciais nas taxas de juros representam um risco significativo para a sustentabilidade de médio prazo da dívida do país”, lê-se no relatório. É que a dívida pública portuguesa continua em torno de 130% do PIB, tanto neste ano, como em 2017. As previsões do Governo são ligeiramente mais otimistas do que as da Comissão, mas para estes efeitos a diferença é pouco relevante: Bruxelas prevê 130,3% em 2016 e 129,5% em 2017; Centeno antecipa 129,7% este ano e 128,3% no próximo.
CGD pode colocar meta do défice em causa
“O momento e a magnitude de um impacto potencial no défice da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos que está planeada ainda não são conhecidos. Isto representa um risco para a correção atempada e duradoura do défice excessivo”, frisa o relatório dos peritos de Bruxelas.
Ou seja, o Governo até pode cumprir os esforços de contenção orçamental planeados, mas acabar por, mais uma vez, não sair do Procedimento por Défices Excessivos no próximo ano por causa da banca. A saída em 2016 já foi adiada por uma intervenção no Banif, realizada em dezembro de 2015.
Medidas adicionais caso os riscos se concretizem
Se os riscos de desvios se materializarem, o Governo tem de tomar medidas de consolidação orçamental adicionais para corrigir esse efeito e cumprir as metas orçamentais.
Proxima Pergunta: Quais os argumentos para não suspender os fundos comunitários?
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Quais os argumentos para não suspender os fundos comunitários?
A Comissão Europeia não reviu as suas estimativas para o défice português em 2016. Continua a prever que o país não vai cumprir nem a meta do défice global, nem o ajustamento estrutural necessário.
A previsão para o saldo global continua a ser a de um défice de 2,7% do PIB, dois pontos percentuais acima da meta de 2,5% e três pontos acima da estimativa do Governo. Já a previsão para o ajustamento no saldo estrutural mantém-se como uma degradação de 0,1 pontos percentuais, um resultado pior do que a meta (que era uma manutenção do défice estrutural) e dois pontos pior do que a estimativa de Mário Centeno (que esperava uma melhoria de 0,1 pontos).
Para uma explicação detalhada sobre os diferentes tipos de défices calculados pela Comissão, salte para este descodificador: Os sete tipos de défice explicados um por um.
Contudo, optou por não suspender os fundos comunitários. Para justificar a decisão, a Comissão Europeia deu três razões fundamentais:
- Portugal tomou medidas efetivas para corrigir o défice orçamental em 2016;
- Os fundos estruturais são fundamentais para o investimento português e determinantes para facilitar a retoma económica;
- O Parlamento Europeu pronunciou-se contra a suspensão dos fundos.
"Teríamos de ser masoquistas do formalismo para mantermos a suspensão dos fundos.”
Proxima Pergunta: Se Portugal falhou as metas, como é que Bruxelas concluiu que tomou medidas efetivas?
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Se Portugal falhou as metas, como é que Bruxelas concluiu que tomou medidas efetivas?
De acordo com as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, cumprir as metas orçamentais e tomar medidas efetivas não são a mesma coisa. Bruxelas admite que um país pode falhar as metas mas, ainda assim, ter-se esforçado por atingir os resultados necessários e por isso não sofrer as consequências de um agravamento no Procedimento por Défices Excessivos. Foi o que aconteceu com Portugal.
Para fazer essa avaliação sobre se foram tomadas medidas efetivas, há um procedimento definido:
- Avaliar se o país cumprirá as metas. Neste ponto, a resposta para Portugal continua a ser “Não”.
- Se a resposta for “Não”, os peritos entram no procedimento de “análise cuidada”. Foi o que aconteceu com Portugal.
- Esta análise cuidada passa por refazer as contas do ajustamento orçamental estrutural previsto de acordo com duas metodologias: top-down e bottom-up.
- Top-down: mede-se a alteração no saldo estrutural, mas ajustando o cálculo às estimativas mais recentes, em vez de continuar a usar os dados que tinham sido tomados como ponto de partida no momento em que a recomendação do Conselho para a redução do défice estrutural foi feita. No caso português, tinham sido usadas as Previsões de Primavera da Comissão, e passaram a ser usadas as Previsões de Outono.
- Bottom-up: mede-se o impacto de cada medida de consolidação orçamental aplicada pelo Governo e os desenvolvimentos verificados na despesa pública que está sob o controlo do Executivo e compara-se este esforço com a dimensão de medidas que tinha sido exigida.
No caso português, a aplicação das duas metodologias mostra o cumprimento do esforço que tinha sido pedido. De acordo com a metodologia top-down, o esforço passa de uma degradação de 0,2 pontos para uma melhoria de 0,4 pontos percentuais do PIB. Segundo esta metodologia a meta era a estabilização. Já na metodologia bottom-up, era exigido um pacote de medidas de 0,25% do PIB, e foi alcançado um esforço de 0,3%.
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Quais os argumentos para aprovar o Draft Budgetary Plan para 2017?
Os comissários encontraram três argumentos base para aprovar os planos orçamentais do ministro das Finanças português para 2017:
- Consideraram credível que o país chegue ao final de 2016 com um défice abaixo do limite dos 3%, abrindo assim a porta à saída do Procedimento por Défices Excessivos em 2017.
- Determinaram que o risco de incumprimento das metas definidas para o próximo ano está apenas ligeiramente acima daquilo que é considerado como um “desvio significativo”. Bruxelas estima um desvio de 0,6 pontos percentuais do PIB e um “desvio significativo” é de 0,5 pontos.
- Na conferência de imprensa, o comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, reconheceu que os dados “surpreendentes” do PIB português no terceiro trimestre foram um ponto a favor da argumentação de Centeno.
Proxima Pergunta: O que aconteceu à divergência entre as contas de Centeno e as de Bruxelas?
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O que aconteceu à divergência entre as contas de Centeno e as de Bruxelas?
A divergência na avaliação dos plano para 2017 mantém-se: a Comissão Europeia não mudou os números inscritos nas Previsões de Outono, os mesmos que causaram a estranheza do Ministério das Finanças, quando foram revelados.
Ou seja, Bruxelas continua a antecipar que o défice orçamental do próximo ano será de 2,2% do PIB (em vez dos 1,6% prometidos pelo Governo) e que o défice estrutural ficará em 2,4% (e não nos 1,9%).
A primeira razão para esta discrepância, que juntamente com o carry over de 2016, vale cerca de metade da divergência, está no cenário macroeconómico. Os peritos de Bruxelas consideram que o Governo está a ser mais otimista, na medida em que prevê um crescimento de 1,5% do PIB, enquanto a Comissão antecipa apenas 1,2%. A diferença fundamental está na composição da procura doméstica (a estimativa para a dimensão deste contributo até é a mesma) e no contributo das exportações líquidas.
- No caso da procura doméstica, Bruxelas é menos otimista quanto ao crescimento do consumo privado, porque leva em linha de conta o aumento dos preços dos petróleo e o ainda elevado endividamento. Também antecipa um crescimento dos salários mais contido. Contudo, é mais otimista quanto ao crescimento do investimento, por causa do impulso da absorção dos fundos comunitários.
- Quanto ao contributo das exportações líquidas, a Comissão continua a esperar que seja negativo, enquanto o Executivo já espera que seja positivo. Esta diferença decorre sobretudo das diferentes projeções para o investimento: como a Comissão espera que cresça mais, assume também um aumento maior das importações, que reagem mais a este tipo de procura.
Sobre esta divergência, a Comissão reconhece, contudo, que o cenário macroeconómico do Governo foi aprovado pelo Conselho de Finanças Públicas.
A segunda diferença na avaliação de Bruxelas face à de Centeno está no peso de uma das medidas de consolidação orçamental e no perfil de comportamento de algumas das rubricas de despesa e de receita. A medida sobre a qual há divergência é a regra de redução do número de funcionários públicos: a chamada ‘regra 2 por 1’. Enquanto o Governo inscreveu uma poupança de 122 milhões de euros com esta medida, Bruxelas assumiu apenas metade deste valor (61 milhões de euros), “tendo em conta o historial desta regra em 2016”, justifica o relatório.
Proxima Pergunta: A troca de correspondência entre Centeno e a Comissão não serviu para nada?
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A troca de correspondência entre Centeno e a Comissão não serviu para nada?
Serviram. Os documentos divulgados pela Comissão Europeia não assumem, preto no branco, quem tinha razão. Mas a verdade é que Bruxelas manteve as suas previsões e Centeno conseguiu o que queria: viu o Orçamento aprovado.
Contudo, tecnicamente, houve alguma aproximação. A Comissão revela que refez as contas à informação contida no Draft Budgetary Plan, mas utilizou a metodologia comum a todos os Estados-membros. Numa nota de rodapé, informa que apurou “o saldo orçamental ajustado do ciclo, líquido de medidas extraordinárias e temporárias, recalculado pela Comissão na base da informação disponibilizada pelo esboço orçamental, utilizando a metodologia definida de comum acordo.”
Ora, as novas contas reduzem a dimensão da divergência:
“Na base da informação contida no esboço orçamental, o saldo estrutural recalculado deverá permanecer inalterado em 2016, enquanto as Previsões de Outono da Comissão projetam uma degradação de 0,1 pontos percentuais. Para 2017, o saldo estrutural recalculado de acordo com o esboço orçamental apontaria para uma melhoria de 0,3% do PIB, contra a previsão de um saldo inalterado por parte da Comissão”, lê-se no relatório do grupo de trabalho que explica a aprovação do Orçamento.
Proxima Pergunta: E a meta da dívida? Portugal cumpre?
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E a meta da dívida? Portugal cumpre?
Os documentos da Comissão explicam que se Portugal confirmar a saída do Procedimento por Défices Excessivos, terá um período de três anos (chamado de transição) para conseguir começar a cumprir a meta da dívida.
“Durante este período, é-lhe pedido que consiga progressos suficientes — definidos de acordo com o ajustamento linear mínimo — para que cumpra a meta quando a transição chegar ao fim”, lê-se no relatório.
Ora, esse ajustamento linear mínimo é ainda mais exigente do que o ajustamento que resulta das obrigações do Procedimento por Défices Excessivos: não basta melhorar o défice orçamental estrutural em 0,6 pontos percentuais do PIB, tem de chegar a 0,8 pontos percentuais.
Os peritos de Bruxelas frisam que “o esboço orçamental não inclui informação suficiente para avaliar os planos para o cumprimento da regra transitória para a dívida”. Mas segundo as suas estimativas de Outono da Comissão, o esforço será insuficiente, já que a Comissão mantém a previsão de um ajustamento nulo do saldo estrutural.
Proxima Pergunta: Houve progressos nas reformas estruturais?
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Houve progressos nas reformas estruturais?
A Comissão Europeia pronunciou-se sobre os progressos nas reformas estruturais a nível orçamental, e sobre o Programa de Parceria Económica entregue pelo Executivo a 21 de outubro.
Sobre as reformas estruturais a nível orçamental, foram avaliados quatro campos:
1. Redução e controlo da despesa
“Uma análise preliminar conclui que foram feitos alguns progressos“, diz o relatório da Comissão. Os peritos notam que há duas reservas orçamentais sob a alçada do Ministério das Finanças que podem servir para diminuir o valor dos pagamentos em atraso. Há 100 milhões de euros para pagar a fornecedores da Saúde e 300 milhões para fornecedores da administração central.
2. Sustentabilidade da Saúde
Os peritos concluem que o esboço orçamental não apresenta detalhe suficiente sobre esta matéria, apesar de o setor da Saúde estar incluído no exercício de revisão da despesa pública. Concluem que os progressos até à data foram “limitados”.
3. Sustentabilidade do sistema de pensões
Reconhecem a consignação das receitas esperadas pelo adicional ao IMI (estimadas em 160 milhões de euros), mas notam que nada está a ser feito para abordar o problema da sustentabilidade do sistema de pensões pelo lado da redução da despesa. Os progressos são por isso “limitados”.
4. Planos de reestruturação das empresas públicas
Notam que havia planos para rever os modelos de operação das empresas públicas, nomeadamente, de transportes em Lisboa e no Porto, mas frisam que “ao contrário do anteriormente previsto, o esboço de orçamento não se compromete com quaisquer deadlines para esta medida.” Esta falta de compromisso “sugere que estas empresas não terão incentivos para se concentrarem nos planos de reestruturação” e por isso os progressos são avaliados como “limitados”.