Seis perguntas e respostas sobre a guerra comercial lançada por Trump
- Joana Abrantes Gomes
- 15:06
Cumprida a promessa de impor tarifas ao Canadá, México e China, a UE pode ser a próxima vítima da guerra comercial de Donald Trump. Os impactos, porém, também vão ser sentidos nos Estados Unidos.
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Que tarifas anunciou Donald Trump?
No sábado, o Presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que impõe taxas aduaneiras de 25% sobre todos os produtos importados do México e do Canadá (à exceção do petróleo canadiano, que será taxado a 10%), assim como uma tarifa adicional de 10% sobre as importações da China.
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As novas tarifas alfandegárias entram em vigor na terça-feira, 4 de fevereiro, e vão ser aplicadas “até que a crise seja aliviada”. Mas esta segunda-feira, Méxicos e EUA chegaram a acordo para suspender as tarifas por um mês. A taxa imposta ao petróleo produzido no Canadá poderá ser aplicada apenas a partir de 18 de fevereiro.
Segundo a Casa Branca, a decisão de avançar com as tarifas, prometidas por Donald Trump ainda durante a campanha para as eleições norte-americanas, surge como resposta à entrada de opiáceos, nomeadamente o fentanil – do qual a China é apontada como produtora –, e de imigrantes em situação irregular nos Estados Unidos através das fronteiras com os países vizinhos.
O decreto presidencial inclui um mecanismo para agravar as taxas aduaneiras em caso de retaliação dos países visados, que são os três principais parceiros comerciais dos EUA, representando, no seu conjunto, mais de 40% das importações do país.
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Trump poderá impor tarifas à União Europeia?
As medidas anunciadas por Donald Trump no sábado deixam de fora a União Europeia (UE). Mas, a acreditar nas declarações recentes do Presidente norte-americano, estará para “muito em breve” a aplicação de taxas aduaneiras também aos produtos dos 27 Estados-membros do bloco comunitário.
“Estão realmente a aproveitar-se de nós, [visto que] temos um défice de 300 mil milhões de dólares [293 mil milhões de euros, ao câmbio atual]. Não compram os nossos automóveis nem os nossos produtos agrícolas, praticamente nada, e todos nós compramos milhões de automóveis, níveis enormes de produtos agrícolas”, queixou-se, na noite de domingo (madrugada em Portugal), quando falava aos jornalistas à saída do avião presidencial.
Dois dias antes destas declarações, na sexta-feira, Trump já tinha afirmado que “com certeza” irá impor direitos aduaneiros à UE, repetindo a queixa frequente de que o bloco de 27 países tratou os Estados Unidos “de forma terrível”. Sem concretizar o valor das tarifas e os produtos sobre os quais serão impostas, garantiu apenas que serão “substanciais”.
No seu primeiro mandato na Casa Branca, Trump impôs tarifas de 25% sobre as importações de aço e 10% sobre as importações de alumínio do bloco comunitário, que, em resposta, aplicou taxas sobre as importações norte-americanas como aço, alumínio e produtos agrícolas, no valor de 2,8 mil milhões de euros.
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Como reagiram os países visados? E a UE?
A retaliação à decisão do líder da Casa Branca não tardou a chegar. Horas depois de Donald Trump assinar a ordem executiva que implementa as tarifas aduaneiras, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou a aplicação de taxas de 25% sobre um conjunto de produtos dos EUA avaliados em 155 mil milhões de dólares, tais como bebidas alcoólicas, produtos alimentares, eletrodomésticos e roupa.
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As taxas retaliatórias do Canadá entram em vigor já a partir de terça-feira para cerca de um quinto dos produtos visados, enquanto os restantes serão taxados dentro de 21 dias, de modo a que as empresas canadianas tenham tempo para se ajustar à nova realidade da relação comercial entre os dois países.
“Perplexo” com o ataque da Administração Trump à “mais bem-sucedida parceria económica e militar que o mundo alguma vez viu”, Justin Trudeau alertou que quer a população do Canadá, como a dos EUA, vão sofrer as consequências desta guerra comercial.
O primeiro-ministro canadiano contrapôs ainda os argumentos usados por Trump para justificar a aplicação de taxas aduaneiras, afirmando que “menos de 1% do fentanil e menos de 1% das travessias irregulares de fronteira” para os EUA provêm do Canadá.
Sem passar ainda das palavras à ação, a reação do vizinho a sul dos EUA também não tardou em chegar num primero momento, antes do acordo entre os dois presidentes para uma pausa nas tarifas de um mês. Numa publicação na rede social X, a Presidente do México, Claudia Sheinbaum, tinha prometido “medidas tarifárias e não tarifárias para defender os interesses” do país como retaliação à decisão do homólogo norte-americano. O ministro da Economia do país, Marcelo Ebrard, também criticou a “violação flagrante” do NAFTA, o acordo comercial dos EUA com o México e o Canadá.
As medidas ainda estarão a ser ultimadas, mas, segundo a Reuters, as taxas retaliatórias sobre produtos importados dos EUA devem variar entre 5% e 20% em bens como carne de porco, queijo, alimentos frescos, aço e alumínio, deixando de fora a indústria automóvel.
Dados do Census Bureau indicam que os Estados Unidos são de longe o mercado externo mais importante do México, que totaliza mais de 475 mil milhões de dólares, e, em 2023, o México ultrapassou a China como principal destino das exportações norte-americanas, alcançando um valor superior a 322 mil milhões de dólares. Quase um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do México depende diretamente das exportações para os EUA, segundo o banco mexicano BASE.
O Ministério do Comércio da China anunciou, por sua vez, que está a preparar “contramedidas adequadas para defender firmemente os direitos e interesses” do país e que irá apresentar uma queixa contra Washington junto da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Já a Comissão Europeia lamentou a decisão de Trump, e garantiu que, se o bloco comunitário também for alvo de um aumento das tarifas aduaneiras, vai “retaliar fortemente”. “A UE acredita firmemente que direitos aduaneiros baixos promovem o crescimento e a estabilidade económica”, adiantou, em comunicado, através do qual considerou a imposição de mais tarifas pelos EUA como “nocivas para todas as partes”.
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E Portugal? Que posição tomou?
O primeiro-ministro português, Luís Montenegro, considera que “a Europa está preparada” caso Donald Trump cumpra a ameaça de aplicar novas taxas aduaneiras também às importações dos países da UE. Ainda assim, diz ser “importante” que o bloco europeu enfrente o cenário atual sob uma “perspetiva de diálogo”, notando que “os EUA são um parceiro comercial e político de primeira linha da UE”.
“Não há razão para não termos a capacidade de demonstrarmos, com argumentação, as virtudes de termos trocas comerciais que não estejam marcadas por uma excessiva carga tarifária”, reagiu esta segunda-feira Luís Montenegro, a partir de Bruxelas, onde se encontra para participar num encontro informal de líderes europeus, que visa debater um maior investimento em Defesa.
Sublinhando que as ameaças do Presidente norte-americano “estão a ser levadas a sério” no bloco comunitário, por se tratar de um líder político eleito com “toda a legitimidade” democrática, Montenegro insistiu: “A minha convicção é que o diálogo político deve ser a chave para podermos ter condições económicas, para ter boas taxas de crescimento, quer nos EUA, quer na Europa”.
Mas o chefe do Governo português alertou para as consequências desta guerra comercial, a começar por um aumento preços ao qual os próprios norte-americanos não irão escapar. “Não é preciso ser um Nobel da Economia para perceber que o aumento das tarifas sobre produtos que colaboram para a formação do preço do lado das indústrias norte-americanas vai implicar um aumento de preços”, afirmou, indicando que “já aconteceu isso” na primeira Administração de Trump, quando as tarifas a produtos chineses “acabaram por redundar num aumento de preços das próprias produções americanas”.
“É minha convicção que o aumento das tarifas que a Administração norte-americana vem anunciando não favorece a própria economia dos EUA. Mas isso é uma decisão que compete à Administração e que nós temos que respeitar”, apontou também o primeiro-ministro português. A “excessiva carga tarifária” sobre os produtos importados da UE não será “muito auspiciosa para a consolidação de ciclos de crescimento económico que sejam duradouros, quer do lado de lá do Atlântico, quer do lado de cá”, acrescentou.
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Que consequências está a ter a decisão de Trump nos mercados?
Na Europa, na Ásia e nos próprios Estados Unidos, a decisão de Donald Trump de impor tarifas aduaneiras ao México, Canadá e China (e a ameaça que pende sob a União Europeia) estão a atirar os mercados para o vermelho.
No fecho da primeira sessão de fevereiro, o principal índice da Bolsa de Tóquio, o Nikkei, caiu 2,66%, um sentimento que se estendeu ao segundo indicador nipónico, o Topix, cujas perdas atingiram 2,45%.
As ações dos fabricantes de automóveis japoneses, muitos dos quais têm fábricas de produção no México, estavam entre os piores desempenhos: a Toyota caiu 5,01%, enquanto a Honda e a Nissan desceram 7,2% e 5,63%, respetivamente.
De igual modo, as bolsas europeias estão a reagir em queda à implementação de novas tarifas dos EUA sobre o Canadá, México e China, com os investidores à espera que Donald Trump anuncie novas taxas aduaneiras sobre as importações europeias. O índice pan-europeu Stoxx 600, que fechou em máximos históricos na semana passada, segue a cair 1,4%, arrastado pelo setor automóvel e pelas tecnológicas.
Ainda que com uma queda menor em comparação com a dos congéneres europeus, o PSI, principal índice da bolsa de Lisboa, também negoceia em baixa, apresentando um recuo de 0,7% perto das 13 horas.
Wall Street também não escapa à maré vermelha, com os futuros dos principais índices norte-americanos a apontarem para uma abertura negativa, numa sessão em que o dólar está a disparar face a outras divisas. A moeda dos EUA negoceia em máximos de dois anos face ao euro, animado pela procura por refúgio na nota verde, face aos riscos de uma escalada do protecionismo e de uma guerra comercial.
Proxima Pergunta: Que impactos podem advir da aplicação de tarifas?
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Que impactos podem advir da aplicação de tarifas?
Ainda antes de assinar a ordem executiva que implementa as tarifas aduaneiras, Donald Trump reconheceu que os custos de produção mais elevados que delas resultam podem vir a repercutir-se na carteira dos consumidores norte-americanos. Um aviso que, aliás, já tinha sido feito pelo próprio banco central dos EUA.
No domingo, o Presidente norte-americano admitiu mesmo que as novas taxas impostas ao Canadá, México e China podem causar sofrimento ao povo norte-americano. “Haverá sofrimento? Sim, talvez (e talvez não). Mas vamos tornar a América grande de novo, e tudo valerá a pena”, escreveu Donald Trump, em letras maiúsculas, no seu perfil da rede social que fundou, a Truth Social, citado pela agência de notícias France Presse.
Os economistas acreditam que as tarifas aduaneiras vão levar a uma subida dos custos nos EUA, provocando uma onda de inflação que manterá as taxas de juro mais elevadas durante mais tempo e, consequentemente, uma recessão económica. Na semana passada, a Reserva Federal (Fed) interrompeu o ciclo de cortes, mantendo os juros no intervalo de 4,25%-4,50%.
Citado pela Reuters, Jeffrey Sonnenfeld, professor da Yale School of Management em New Haven, Connecticut, disse que os CEO das empresas norte-americanas “estão perplexos com estas birras tarifárias não estratégicas” dirigidas aos “aliados mais próximos” dos EUA “em vez de adversários”.
Um dos setores que deverá ser particularmente atingido pelas tarifas aduaneiras é a indústria automóvel, cujas cadeias de produção se distribuem pelos EUA e os dois países vizinhos. Entidades ligadas ao setor antecipam até uma vaga de despedimentos.
Por outro lado, o impacto das taxas alfandegárias nos preços do petróleo e do gás deverá ser limitado, pelo menos no curto prazo, de acordo com o Goldman Sachs.