“A IA está perfeitamente ao alcance das PME. Custa menos que um BMW”

Não é preciso gastar "centenas de milhares de euros" para implementar IA numa PME. "Custa menos do que um BMW e não precisa de ser o topo de gama", diz o CEO da Claranet, António Miguel Ferreira.

Falta “um bocadinho de ambição às empresas”. É assim que o líder da Claranet em Portugal, Espanha e Brasil explica a baixa adesão das empresas portuguesas e europeias a tecnologias de inteligência artificial (IA). Em entrevista ao ECO, António Miguel Ferreira desafia os gestores a tomarem a “iniciativa”, indicando que não são precisos “centenas de milhares de euros” para fazer um projeto de IA numa empresa de pequena ou média dimensão: “É muito menos dinheiro.”

Com a IA a dominar todas as discussões tecnológicas nos últimos anos, não é de estranhar que o segmento de dados e IA foi o que mais cresceu na Claranet Portugal no último ano. Mas ainda há muito caminho para percorrer na integração destas soluções, que prometem mais eficiência e produtividade, no tecido empresarial: “Preocupamo-nos mais com as implicações da tecnologia do que propriamente em pegar na tecnologia e fazer alguma coisa de novo”, adverte.

Segundo o gestor, que acaba de vender a Claranet Portugal à Nos por 152 milhões de euros, o Estado também já foi a jogo e está a investir. À margem da conferência Building the Future, que decorreu esta semana em Lisboa, o responsável mostra-se ainda otimista com o projeto do modelo de IA português Amália, uma iniciativa do Governo, “porque Portugal também existe neste mundo digital e temos de começar a marcar as nossas fronteiras”. O seu sucesso dependerá da sua abertura ao exterior e capacidade para entender também o inglês.

É importante haver as condições políticas e fiscais de longo prazo. Nem é tanto a dimensão dos impostos, é mais a complexidade dos mesmos. O sistema tributário português ainda tem muitas ‘taxas e taxinhas’. É um imposto, é uma derrama, é o adicional…

A Claranet Portugal fechou 2024 com mais de 200 milhões de euros de faturação. De que forma é que a nova vaga tecnológica da IA tem impactado a empresa?

A IA já existe há muitos mais anos. Já na faculdade tive cadeiras de IA e redes neuronais, mas houve aqui alguns momentos: o momento em que o [Garry] Kasparov perde contra um computador em 1997 e, avançando para 2022, o momento em que os Large Language Models e a IA generativa se tornam mainstream. Há quase um antes e após o ChatGPT.

Nós tínhamos decidido, já algum tempo antes, criar uma área de Data & AI para, com o grande volume de dados que os nossos clientes têm, usar a tecnologia da IA para os ajudar a tomar decisões e para ajudar as operações. Isto foi acelerado com o surgimento da IA generativa. É uma área que há quatro anos não existia na Claranet, que hoje existe e que foi uma das áreas que mais cresceu no ano passado, apesar de ainda não representar o que representam outras áreas, como Cloud e Cibersegurança, por exemplo.

Qual é o peso desse vertical de Data & AI no negócio?

Normalmente não divulgamos os pesos relativos, mas a área de Cloud e a área de Workplace (tudo o que se relaciona com o posto de trabalho) são as duas maiores áreas da Claranet. Depois vêm Cibersegurança, Data & AI e Applications. São as cinco áreas que temos.

Data & AI pode vir a superar as outras?

É a que está a crescer mais. E já temos casos de estudo. Temos um advogado assistente para uma empresa de advocacia em Portugal que ajuda a elaborar contratos; temos um assistente comercial para uma empresa na área das utilities, que se integra com o CRM [software de gestão do relacionamento com os clientes] e ajuda a atender clientes.

E tudo isto não são coisas que desenvolveram, mas são coisas que implementaram nas empresas.

Desenvolvemos, digamos, a integração. E fazemos a integração também com os sistemas que a empresa tem. Escolhemos os modelos mais adaptados àquele caso, treinamos os modelos… Nós não fabricamos tecnologia, nós não fabricamos os modelos, mas, depois, todo o software para que aquele caso se concretize é feito por nós.

Toda a discussão tecnológica está agora centrada na IA, mas os dados oficiais mostram que em Portugal e na União Europeia a adoção pelas empresas ainda é baixa. Entre os motivos apontados estão os custos elevados e falta de know-how. As empresas estão reticentes em adotar estas tecnologias?

Na Europa em geral, e Portugal em particular, até pelos constrangimentos orçamentais de empresas e do Estado que tivemos nos últimos anos (parece que nos estamos a livrar desse peso de não poder tomar as decisões sobre o nosso futuro, porque estamos a gerir as decisões que foram tomadas no nosso passado), o peso da inovação não é um peso muito grande na economia. E tendencialmente – e a Europa tem esse estigma – preocupamo-nos mais com as implicações da tecnologia do que propriamente em pegar na tecnologia e fazer alguma coisa de novo. Obviamente que há muitas empresas inovadoras na Europa e em Portugal também. Mas o estado de espírito sobre este assunto não é o mesmo que os EUA têm e até a China tem, por exemplo. Já acontecia o mesmo quando a cloud surgiu em 2010: “isto de passar passar os dados para fora gera problemas de segurança, se calhar é melhor não”, mas depois a coisa vem. Questões de cibersegurança: “não vou investir porque a mim não me acontece nada”, mas depois acontece, e depois vem o investimento. Acho que na IA estamos um bocadinho também demasiado à espera para ver, porque as empresas têm de tomar, de facto, iniciativa.

Vou dar um exemplo muito concreto. Eu estou há um ano a viver no Brasil, já tenho uma relação com o Brasil há oito anos. Eu quando vou a um hospital, ou quando quero marcar um exame ou uma consulta no hospital, sou muito melhor atendido no Brasil. Muito melhor! Muito mais eficientemente e muito mais rapidamente do que sou em Portugal (nos melhores hospitais privados). Porquê? Porque eles têm atendimento automático com IA, e eu consigo falar com alguém que parece que é uma pessoa mas não é. Essa “pessoa” consegue tratar dos meus problemas no momento em que eu preciso de os tratar e não tenho que ligar para uma linha telefónica e ficar à espera que me atendam. Nesse aspeto, os brasileiros estão muito à nossa frente. O Brasil está muito mais avançado do que nós em muitos aspetos e neste em particular, atendimento ao cliente, é um deles.

Portanto, nós temos que ser um bocadinho mais ambiciosos. Eu acho que esse é o papel do Estado, que também precisa de falar mais sobre o futuro e sobre as nossas ambições e sobre grandes linhas estratégicas, e não tanto falar sobre questões orçamentais, e onde é que vamos cortar custos, e quanto é que vamos aumentar…

É um pouco contraintuitivo, não é? Estamos a falar de uma tecnologia que promete gerar eficiências.

É. Exatamente. Para ser sincero, falando do Estado — porque na Claranet grande parte da nossa receita vem do Estado em geral (administração central, administração local, etc.) –, se há dois anos havia zero investimento nesta área, nós vemos já bastantes projetos para implementação de tecnologias, data lakes, data governance, utilização da IA para tomar decisões… Já começam a surgir.

No setor público?

No setor público. São sinais positivos. Acho que falta isso: um bocadinho de ambição às empresas, pequenas e médias, porque aquilo que parece ser um custo é, na realidade, um investimento. Tem que se investir em coisas simples. A IA não precisa de custar milhões. Pode custar muito menos dinheiro e pode ter um impacto no nosso negócio.

Acha que também falta literacia aos nossos gestores? Muitas vezes, em algumas empresas, ainda se fala em “informática”. E nem sequer se fazem atualizações de sistemas operativos.

Sim, sim. Os nossos engenheiros, os nossos técnicos, que são formados em Portugal, são bons, têm grande capacidade de integração cultural com outros países, falam bem inglês, são muito procurados por outras empresas, e de alguma forma temos escassez de pessoas em Portugal para as empresas portuguesas. Uma parte dessa solução é obviamente utilizar prestadores de serviços, como nós, e as empresas não precisam de fazer tudo internamente. Mas, historicamente, há um défice de se olhar para a “informática” como os tipos que põem lá os computadores a funcionar, ligam os cabos, e não como a tecnologia que também pode ajudar a definir a estratégia do nosso negócio.

Isso está a mudar, com os CIO [Chief Information Officers], CDO [Chief Data Officers]… Mas ainda há muito legado — e estou a falar sobretudo das médias e pequenas empresas, e não tanto das grandes empresas — que não tem esta cultura de que há especialistas para todas as áreas. O tipo da informática é o jeitoso, e isso ainda não se desvaneceu.

Não há uma bala de prata, mas identificam no vosso site algumas áreas em que nas empresas, nas PME sobretudo, é mais fácil de começar a implementar IA. Uma empresa que agora queira implementar IA, para experimentar e ver se traz resultados, por onde é que deve começar? Por vezes nem sabe onde estão os dados.

Em primeiro lugar é começar exatamente por isso: onde é que estão as fontes de dados das várias aplicações e como é que elas estão a ser geridas. Quem é que tem acesso a esses dados. Vamos chamar a isto o data governance, a governança dos dados. E depois é preciso transformar isto numa infraestrutura de dados a partir da qual nós possamos construir soluções em cima. Portanto, há aqui algum trabalho: fazer um assessement [avaliação], levantar os dados, construir a infraestrutura que vai recolher esses dados e depois pensar em como é que isto pode apoiar o negócio.

Mais uma vez digo: isto não são centenas de milhares de euros para fazer um projeto deste tipo. É muito menos dinheiro. Isto está perfeitamente ao alcance [das PME]. Custa menos do que um BMW e não precisa de ser o topo de gama da BMW. É uma questão da vontade e da visão das empresas em quererem fazer algo que se calhar ainda é terreno ainda pouco explorado. Dando outra vez o exemplo dos hospitais, que hoje não têm um atendimento bom ao cliente de forma automatizada: quando o primeiro tiver, os outros vão todos atrás.

Tem um efeito de arrastamento? Quando virmos o concorrente a fazer, vamos querer fazer também?

Exatamente. As empresas têm de ser um bocadinho mais ambiciosas e dar passos, inovar mais. Acho que é o papel de todos nós.

António Miguel Ferreira, CEO da Claranet Portugal, em entrevista ao ECOCortesia da Claranet Portugal

Têm data centers em Portugal?

Temos. Em Ermesinde e Sacavém.

Recentemente, os EUA impuseram restrições à compra de chips que abrangem Portugal. O país não tem dimensão suficiente para chegarmos às quantidades máximas de chips que pode comprar, mas vê aí alguma barreira?

Também acho que em Portugal, no que diz respeito a grandes investimentos infraestruturais, como criar um mega data center alimentado a energia nuclear, com milhares de GPU, isso não vai acontecer. Mas também não acho que seja por aí que precisemos de ir.

Claro que há o tema da soberania dos dados e, portanto, cada vez mais os dados da Europa precisam de estar na Europa, os dados dos EUA precisam de estar nos EUA, os do Brasil no Brasil e os da China na China. O mundo, nesse aspeto, é menos global do que era antes. Mas hoje já conseguimos ter, ou em data centers como os da Claranet, ou em clouds públicas como o Azure da Microsoft, recursos que permitam às empresas pensarem em aplicações — e isso sim, tem menor investimento do que a infraestrutura.

Portanto, vamos deixar quem tem escala adquirir infraestrutura e prestá-la como um serviço, e vamos usar essa infraestrutura para construirmos soluções, inclusivamente IA. Dito isto, acho interessante aquele projeto que se está a fazer do LLM português, o Amália. Não vamos fazer nada mais do que outros países já fizeram – os EUA à cabeça, a China já fez, a França já fez…

Acha que é importante?

Acho que é importante, porque pode ser alimentado pela base de conhecimento português. E por isso pode ser um LLM mais português do que os outros. Também temos de trabalhar para preservar a nossa cultura e o nosso know-how. Nós somos um país que tem muito conhecimento acumulado. A nossa Amália, ou qualquer outro nome que venha a ter, deve ter esse conhecimento disponível para as pessoas. Nós somos um país que tem muito turismo. Devemos ter mais informação sobre o turismo do que muitos outros países. Ou seja, não é só o falar português com sotaque português (neste caso, escrito). É ter o conhecimento português que os outros LLM não têm. Isso pode ser um fator diferenciador desse LLM, porque Portugal também existe neste mundo digital e temos de começar a marcar as nossas fronteiras.

Acredita que vai ser um sucesso?

[silêncio]

Se vai ser um sucesso, vai depender um pouco da ambição que se tenha com esse LLM. Se extravasar as fronteiras portuguesas e for para os países da comunidade de língua oficial portuguesa, e se também falar inglês, e se também se abrir para o resto do mundo, acho que sim, acho que pode ter o seu papel.

Regressando aos data centers, como é que olha para a indústria aqui em Portugal. E o investimento?

Pelo posicionamento geográfico, pelo posicionamento das redes de fibra ótica que atravessam o Atlântico e vêm de África, e também por questões energéticas (viu-se isso na crise da Ucrânia: a energia é relativamente barata em Portugal comparada com outros países, quando tiramos da equação o petróleo barato russo, que agora fomos obrigados a retirar), Portugal é um país interessante para se investir em data centers. Foi uma pena que tenha havido todo aquele escândalo relativo à Operação Influencer que, de alguma forma, pode ter atrasado esse projeto da Start Campus. Mas esse projeto avançou, hoje é uma realidade e vai continuar a expandir-se. E muitos outros projetos estão-se a desenvolver. Eu acho isso positivo. Vai atrair mais tecnologia, vai atrair mais emprego, temos de continuar a trabalhar nisso.

Para além destas condições quase que naturais que nós temos, também é importante haver as condições políticas e fiscais de longo prazo. Nem é tanto a dimensão dos impostos, é mais a complexidade dos mesmos. O sistema tributário português ainda tem muitas “taxas e taxinhas”, que é a expressão que se costuma usar. Esse é um problema maior do que a dimensão da soma das “taxas e taxinhas”.

É navegar todo o ambiente fiscal?

É um imposto, é uma derrama, é o adicional…

Há alguma outra barreira que identifique, até mesmo em conversa com outros colegas? Por exemplo no licenciamento?

Sim, tem que haver alguma simplificação do ponto de vista das licenças necessárias. Temos de ser um bocadinho mais expeditos e simples na forma de darmos as licenças de que as empresas necessitam para operar. Mas as questões fiscais, e eu sei que este é um tema político também, são das primeiras coisas que as empresas que querem fazer investimentos analisam para tomar decisões a longo prazo. Se a taxa de IRC hoje é 20, amanhã passa para 22, depois passa para 24, depois passa para 21 e depois para 23, alguém que vá olhar para histórico e que quer fazer um investimento vai pensar “eu não sei bem qual vai ser a taxa de IRC em Portugal, se calhar é melhor ir para a Irlanda, porque lá é mais baixo”. Não tenho visibilidade sobre o meu business plan.

Essa estabilidade é necessária. E os serviços do Estado têm de ser mais digitais. Houve aqui um momento… acho que se chamava Portal do Cidadão, que depois foi acompanhado ali pelo Simplex, que nos colocou relativamente à frente do ponto de vista da digitalização de serviços do Estado. Agora estamos relativamente atrás. Ficámos para trás. Temos de dar novamente o salto. Por exemplo, a Assinatura Móvel Digital é uma excelente iniciativa. Mas quase todos os dias há uma coisa que não está bem a funcionar. Isso não pode acontecer.

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