“As empresas chinesas de tecnologia são muito interessantes, assim como as tecnológicas no Japão e na Índia”

Virginie Maisonneuve, da AllianzGI, desafia os investidores a não temerem a volatilidade, mas a aproveitarem-na pela porta da tecnologia, China e de uma carteira diversificada.

A volatilidade dos mercados continua a ser, para Virginie Maisonneuve, uma fonte de oportunidades para investidores atentos e estratégicos. Em entrevista ao ECO à margem do AllianzGI Media Days, que decorreu há dias em Frankfurt, a responsável de ações globais da Allianz Global Investors (AllianzGI) sublinha que “continua a gostar de tecnologia, tanto no presente — com base nas avaliações das empresas –, como numa base de cinco e dez anos, em que o seu potencial é enorme”, diz.

A gestora, que deixará a AllianzGI no final deste ano, destaca ainda a importância de uma diversificação geográfica e setorial, com particular ênfase na China, Índia e Japão, defendendo que “no ano novo chinês que celebra a serpente, além da ancoragem da carteira” é “importante os investidores de ações focarem-se em empresas com margens capazes de incorporar as tarifas comerciais, esperar o inesperado em termos geopolíticos” e “não negligenciar a China”.

Para Virginie Maisonneuve, o potencial de ganhos na carteira dos investidores está numa exposição seletiva ao setor tecnológico chinês, aproveitando não só a inovação, mas também as reformas estruturais em curso e o potencial de libertação da poupança interna por parte dos consumidores chineses. A sua visão sobre o potencial do setor tecnológico, sobretudo na China, e a defesa de uma estratégia diversificada e circular, deixam pistas claras sobre como enfrentar o novo ciclo de volatilidade que, segundo a gestora, continuará a marcar os mercados ao longo dos próximos meses.

Se o preço de desenvolvimento dos modelos de IA baixou e se a cotação das ações destas empresas descer devido ao receio de uma recessão, é preciso comprá-las porque num horizonte de 10 anos é uma oportunidade vencedora.

Há dois anos, em entrevista ao ECO, revelou que os investidores deveriam encarar a volatilidade como uma oportunidade, afirmando que “se tivermos uma visão, esta é uma ótima altura para ir à pesca”. Hoje, com níveis de incerteza ainda mais elevados do que há dois anos, volta a defender a existência de “oportunidades na volatilidade”. Que “peixes” recomendaria hoje apanhar nas águas turbulentas dos mercados?

Continuo a gostar de tecnologia, da Índia, do Japão e particularmente da China. E foi com base nestas ideias que em janeiro identifiquei oito pontos para enfrentar o “Ano da Serpente”, nomeadamente a necessidade de os investidores ancorarem o seu portefólio através de uma postura relativamente diversificada geograficamente e por setores.

Que outras orientações devem ter os investidores para enfrentar o “Ano da Serpente”?

No ano novo chinês que celebra a serpente, além da ancoragem da carteira, parece-me importante os investidores de ações focarem-se em empresas com margens capazes de incorporar as tarifas comerciais, esperar o inesperado em termos geopolíticos, não negligenciar a China porque a reação da China a “Trump 2.0” poderá surpreender muitos neste mercado pouco conhecido. Isto não significa que nos EUA não hajam boas oportunidades de investimento, mas o mercado americano está caro.

Continua a estar muito otimista em relação ao setor tecnológico. Esse otimismo centra-se nas “Sete Magníficas” ou vai muito para lá dessas empresas?

Continuo a gostar de tecnologia, tanto no presente com base nas suas avaliações, como numa base de cinco e dez anos, em que o seu potencial é enorme. E vejo este potencial a alargar-se para lá dos grandes nomes porque estamos a passar da canalização da inteligência artificial (IA) dos chips para o impacto do software e das aplicações, o que é muito importante. O momento do lançamento do Deepseek foi muito importante porque mostrou que é possível desenvolver IA por um custo drasticamente mais baixo. Passou-se de 100 milhões de dólares para treinar um modelo para 5,6 milhões, e tenho quase a certeza que hoje esse custo é ainda mais baixo.

Mas apesar deste decréscimo do custo de desenvolver modelos de inteligência artificial, as grandes tecnológicas não reduziram os seus orçamentos de investigação, pelo contrário.

Sim, porque querem ser os vencedores, querem ser os dominadores do mercado. Mas se pensarmos em nomes mais abrangentes do mercado, na acessibilidade dos preços, na capacidade de mais empresas de todos os setores terem acesso à IA e utilizarem aplicações que podem realmente melhorar a produtividade, o custo baixou drasticamente. É verdade que o CAPEX [despesas de capital] previsto para este ano por IA são 300 mil milhões de dólares. Penso que poderá ser mais, mas é evidente que estamos a acompanhar de muito perto esse número, porque se ele descer terá um grande impacto na cadeia de abastecimento.

Se só tiverem um fundo para comprar, e não estou a fazer publicidade a nenhum fundo, comprem um fundo com exposição ao setor tecnológico chinês.

E por isso estas empresas são boas oportunidades de investimento?

Exato. Se o preço de desenvolvimento dos modelos de IA baixou e se a cotação das ações destas empresas descer devido ao receio de uma recessão, é preciso comprá-las porque num horizonte de 10 anos é uma oportunidade vencedora. A tendência vai continuar. Isto lembra-me a China há 35 anos. Ninguém queria acreditar. Demorou anos e anos. Esta tendência da IA está a começar, mas há muito tempo que falo dela. E ainda não acabou. Vai continuar porque não se resume aos EUA. Alastra-se a todo o mundo. As empresas chinesas de tecnologia são muito interessantes, assim como as tecnológicas no Japão e na Índia.

E qual é o efeito de uma possível recessão nos EUA nos mercados e na indústria tecnológica?

O ponto de viragem entre um forte abrandamento e uma recessão poderá ocorrer nos próximos dois meses porque as empresas nos EUA têm-se retraído e congelado as suas decisões até terem clareza. Esperemos que nos próximos 90 dias, com a suspensão das tarifas entre os EUA e a China, isso seja clarificador para que depois possam reacender as suas decisões.

Virginie Maisonneuve, diretora do departamento de investimentos da Allianz Global Investors, no decorrer do AllianzGI Media Days, que decorreu há dias em Frankfurt, defendeu que “a incerteza a curto prazo cria oportunidades a longo prazo”.

Acha que o mercado está atualmente a subestimar uma recessão na maior economia do mundo?

O mercado estava demasiado pessimista em relação às tarifas e, atualmente, o mercado corre o risco de se tornar demasiado otimista. E quando foi demasiado pessimista, o risco de recessão foi provavelmente sobrestimado. E agora que as pessoas estão mais otimistas, provavelmente esse risco está a ser subestimado. Mas a realidade é que vai depender muito dos próximos meses.

E face a essa situação, como se devem posicionar os investidores?

Garantir que se está bem ancorado, bem diversificado. Qualquer grande queda nas tendências de longo prazo de que gostamos, como a tecnologia, o darwinismo digital, a China, deve levar-nos a comprar. Devemos comprar quando há fraqueza. Se estivermos subponderados, vamos lá e compramos porque, numa base de cinco anos, vai correr tudo bem. E podemos não comprar exatamente no ponto mais baixo, mas seguimos o princípio do custo médio ponderado fazendo compras recorrentes.

Defende uma abordagem em pirâmide na construção de carteiras, em vez da tradicional “barbell”. Como é que um investidor pode pôr em prática esta estratégia, especialmente com recursos limitados?

A “barbell” consiste em não colocar todos os ovos no mesmo cesto. A Nvidia é uma grande empresa, mas não se deve investir todas as poupanças na Nvidia. Podia ter ganho muito dinheiro, mas também podia ter ganho na Tesla, e a Tesla subiu e depois caiu a pique. Portanto, a estratégia é diversificar. A “barbell” é uma estratégia com um beta elevado, em que, por um lado, temos empresas cíclicas, industriais e tecnológicas, e depois é preciso contrabalançar com coisas que sejam um pouco mais suaves em termos de reações.

A pirâmide está em pensar na construção de carteiras a longo prazo. Na base da pirâmide coloca-se ativos capazes de absorver a volatilidade multifatorial, e como a base da pirâmide é mais larga, significa que tem mais ativos. No segundo nível, coloca-se a qualidade. Procuramos ativos que ofereçam qualidade de valorização e qualidade na geração de rendimento (dividendos), porque num mercado de subidas e descidas é importante ter uma exposição à geração regular de rendimento. E no topo da pirâmide temos as apostas de alta convicção, como a tecnologia, a China e a Índia. Mas em termos de valor de mercado, se o fundo se sair muito bem, porque o mercado é super volátil, numa base relativa, passado algum tempo, recicla-se o dinheiro. Mantém-se a forma da pirâmide, mas recicla-se o dinheiro. E se o topo se sair muito bem, como por exemplo as ações tecnológicas valorizarem muito, então corta-se um pouco e recicla-se o dinheiro. É essa a ideia, mas se fizermos isso, é uma estratégia a longo prazo e funciona.

As poupanças na China são superiores a 100% do PIB. Portanto, tudo o que é preciso é libertar esse dinheiro através dos planos de pensões, do investimento no mercado, na negociação de ações.

Continua a defender a exposição à China, apesar das tensões geopolíticas e do impacto das tarifas nos setores tecnológico e automóvel. Qual é a melhor forma de os investidores aproveitarem as oportunidades do mercado chinês?

Se só tiverem um fundo para comprar, e não estou a fazer publicidade a nenhum fundo, comprem um fundo com exposição ao setor tecnológico chinês. Não devem comprar apenas uma ou duas ações, mas um pacote de tecnológicas chinesas. E o mercado tem muita coisa disponível.

Há dois anos disse-nos que a melhor forma de aproveitar o potencial do mercado de ações na China seria através de compras individuais e seletivas de empresas.

Essa ideia mantém-se. Podem recorrer a um fundo focado no setor tecnológico na China, em que entregam ao gestor a escolha das melhores ações, pois caso contrário correm o risco de entrar em empresas de pequena capitalização. Muitas pessoas não têm o conhecimento ou a informação para fazerem stock picking na China.

Mas a ideia nunca será comprar o mercado todo recorrendo, por exemplo, a um fundo cotado (ETF)?

Não. No mercado como um todo há empresas interessantes que pagam dividendos, porque isso foi uma coisa que mudou nos últimos anos. Há também empresas com bons fluxos de caixa. Mas se tiver apenas a oportunidade de comprar um fundo não hesitaria em comprar um fundo exposto ao setor tecnológico da China. A bifurcação do sistema tecnológico desde que Trump ganhou está absolutamente a materializar-se.

E que pontos de fricção persistem no mercado chinês que podem ser reveladores de uma mudança de paradigma?

A questão fundamental está do lado dos consumidores, que têm estado muito relutantes em gastar dinheiro desde a Covid-19. Com todas as mudanças, as pessoas estão preocupadas e com isso gera uma baixa do consumo.

Num texto recente abordou o tema da reforma do sistema de pensões chinês.

Sim, isso está a acontecer agora mesmo. Está a ser feito de forma tímida, mas está a acontecer. As poupanças na China são superiores a 100% do PIB. Portanto, tudo o que é preciso é libertar esse dinheiro através dos planos de pensões, do investimento no mercado, na negociação de ações. É muito dinheiro. Além disso, o aspeto do consumo também está presente. Mas é preciso dar às pessoas a confiança para gastarem, que há novamente crescimento. E o governo tem feito isso, intervindo no mercado quando há necessidade.

E a crise no setor do imobiliário continua a ser um problema na economia chinesa?

O pior já passou, definitivamente. A questão é saber até que ponto ainda é um obstáculo. É por isso que a confiança é importante.

(O jornalista viajou a convite da AllianzGI)

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