“Cada modernização de equipamento militar tem de assegurar retorno para a economia portuguesa”

Nuno Melo defende que o Estado deve entrar com participações minoritárias nos novos investimentos estratégicos no setor da Defesa, como sejam as fábricas de munições, seguindo o modelo das OGMA.

A duplicação do orçamento para a defesa não é um fardo mas uma “oportunidade que Portugal não pode perder”, afirma o ministro titular da pasta, Nuno Melo, pelo impacto positivo que pode ter na economia. Para esse efeito acontecer “cada modernização de equipamento militar tem de assegurar retorno para a economia portuguesa“, incorporando empresas nacionais no ciclo do fabrico ou manutenção.

Para o também presidente do CDS, “as Forças Armadas estavam no limite da sua capacidade”, o que obriga a reforçar o investimento na componente humana e em equipamentos. Para estes, Nuno Melo olha para as OGMA, detidas pela Embraer (maioritária) e o Estado, como um modelo.

“Por exemplo, na área das munições não quero apenas captar investimento para a produção em Portugal, quero que o Estado, não sendo maioritário, como não é nas OGMA, mas participando na gestão e beneficiando dos lucros, esteja neste tipo de empresas“.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou na apresentação do programa eleitoral da coligação PSD/CDS que pretende antecipar a meta de 2% do PIB para o orçamento da defesa, neste momento agendada para 2029. Nuno Melo explica que “há uma disposição de princípio para antecipar”, mas tudo vai depender da evolução da economia e da situação orçamental. “Nós não nos podemos comprometer neste momento com uma data em concreto”, diz.

Já foi anunciada pelo Governo a intenção de antecipar a meta de 2% do PIB de investimento em defesa. Essa meta estava em 2029. A ideia é recuar um ano, dois anos?

No plano geopolítico tudo se altera muito rapidamente. Sabemos o atual contexto com a guerra da Ucrânia, longe de estar decidida, o agravamento da situação política no Médio Oriente, o deslocamento da atenção estratégica dos Estados Unidos para o Indo-Pacífico, um certo aligeiramento da presença na NATO embora comprometidos com a NATO, e a absoluta necessidade que nós temos de reforçar o pilar europeu, que é o que equivale a dizer produzir mais na Europa e comprar mais na Europa.

Isso significa que se nós temos um compromisso com a NATO, esse compromisso vai-se alterando à escala da própria dinâmica dos acontecimentos.

Nós não nos podemos comprometer neste momento com uma data em concreto. O nosso compromisso mantém-se em atingir os 2% do PIB em 2029. Há uma disposição de princípio para antecipar.

Evolui em função das circunstâncias.

Nós sabemos que grande parte dos países, principalmente a leste, já superaram os 2% há muito, mas esse crescimento tem que ser feito tendo em conta o comportamento da economia, os equilíbrios orçamentais e a necessidade de se garantirem prestações sociais.

Nós não nos podemos comprometer, neste momento, com uma data em concreto. O nosso compromisso mantém-se em atingir os 2% do PIB em 2029.

Há uma disposição de princípio para antecipar, se aquelas três variáveis que referi o permitirem. Ou seja, o Ministro das Finanças terá que garantir que o equilíbrio orçamental, o comportamento da economia e o Estado Social não são questionados.

Ainda assim, estamos a falar de 2% do PIB, ou seja cerca de 6.000 milhões de euros, o que significa duplicar o orçamento da Defesa. De onde vai vir esse acréscimo de 3.000 milhões?

Essa verba vem necessariamente do Orçamento do Estado e vem daquilo que seja a dinâmica da economia.

Como é que isso se faz sem cortes noutras áreas orçamentais?

A ideia de que nós estamos a falar de investimentos hiperbólicos na defesa, e que nessa medida podem fazer perigar outras áreas públicas de tutela, não é verdadeira.

A Segurança Social tem um orçamento de 27,3 mil milhões de euros. A Defesa tem um orçamento de 3,1 mil milhões de euros. A Educação, por exemplo, tem um orçamento de 7,5 mil milhões de euros, a Habitação de 7,8 mil milhões e a Saúde de 16,3 mil milhões.

A Defesa não é uma prioridade.

Nunca foi. Estamos a falar de uma área de soberania absoluta à qual não se deu nenhuma atenção nos últimos dez anos, seguramente. A defesa não esteve na linha da frente das prioridades da política, desinvestiu-se na defesa, e ao desinvestir-se na defesa a consequência é que agora temos que acelerar mais o nosso investimento para atingir os patamares mínimos de consenso, pactuados com a NATO.

Há quem diga que é muito. Eu diria que somos quem menos investe em defesa na União Europeia.

O problema é que as Forças Armadas estavam no limite da sua capacidade, quer do ponto de vista humano, quer do ponto de vista dos bens e dos equipamentos, que em muitos momentos são velhos, são antigos e têm que ser remodelados.

Mas o Orçamento do Estado é finito. Para aumentar 3.000 milhões numa área é preciso equilíbrios noutras.

O erro de raciocínio está na presunção de que aquilo que se aplica na defesa é uma despesa que não dá retorno. O que se coloca na defesa é, na maior parte dos casos, um investimento. O maior tempo de vida das Forças Armadas é tempo de paz, não é tempo de guerra. Os militares não estão fechados em quartéis.

Os militares todos os dias, sempre que são chamados, estão empenhados em ações de busca e salvamento, em ações de emergência médica, como fazem tantas vezes nas regiões autónomas, no combate à criminalidade. Se de repente as Forças Armadas deixarem de fazer isto, isto mede-se em vidas.

Acho que ninguém defende um corte nas verbas.

O problema é que as Forças Armadas estavam no limite da sua capacidade, quer do ponto de vista humano, quer do ponto de vista dos bens e dos equipamentos, que em muitos momentos são velhos, são antigos e têm que ser remodelados. Circunstância que se foi alterando depois dos investimentos na componente humana e modernização de bens e equipamentos que estamos a levar a cabo.

Nós estamos a investir para que o povo português inteiro possa beneficiar daquilo que só as forças armadas fazem. E obviamente que isto implica um investimento, mas depois temos as indústrias de defesa, que dão retorno à economia.

Se estamos a aplicar dinheiro em indústrias que neste momento são 380 empresas, 40 mil empregos, 2,5% das exportações, mas assegurando estas empresas o dobro dos salários em média e o dobro da produtividade, nós estamos a falar de uma área que deveria ser absolutamente estratégica – e é com este Governo – para a economia.

Não é só armamento, é toda a fileira.

Todos os investimentos na defesa têm hoje uma perspetiva, sempre que possível, de duplo uso. Quando se compra um helicóptero, o helicóptero pode ser usado em combate, como pode ser usado no combate aos fogos ou no transporte de doentes.

Quando nós falamos de um navio, o navio pode ser usado no patrulhamento de costa, no que seja o acompanhamento de navios russos ou na proteção de cabos submarinos, como também pode ser usado no caso de uma emergência civil, no transporte de pessoas. Quando falamos de uma aeronave, idem.

Mas nós sabemos, por exemplo, que a ministra da Saúde dirá a mesma coisa sobre a importância dos hospitais e o ministro da Educação sobre a formação. Pode garantir que não terá que haver um aumento de impostos para financiar esse compromisso político?

Eu percebo o exemplo que deu da saúde, mas os exemplos que eu lhe estou a dar das indústrias de defesa são exemplos de investimentos reprodutivos de riqueza que beneficiam o PIB.

Acredita que esse investimento vai ser pago pelo crescimento económico gerado?

Portugal participou na conceção e desenvolvimento do KC-390. E neste momento, cada aeronave KC-390 beneficia de peças em diferentes áreas da sua fuselagem que são fabricadas em Portugal. Está a dar retorno à economia portuguesa.

A venda de cada KC-390 significa um lucro de 10 milhões de euros para o Estado português. Os dez Super Tucanos que adquirimos por 200 milhões de euros, desse montante 70 milhões vão ser investidos em empresas portuguesas que vão fazer a conversão tecnológica do Tucano para o Super Tucano, que é a versão da NATO.

O ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, mostra as suas “asas” após experimentar o Simulador do KC- 390, durante a visita à Esquadra 506 na Base Aérea N.º 11. Beja, 26 de março de 2025.NUNO VEIGA/LUSA

Quando a Marinha, através de engenheiros navais que são nossos, concebe o navio porta-drones Dom João II, que está a ser construído na Roménia pela Damen, nós sabemos que este navio, que começa por ser um conceito estratégico, já há 14 países que o pretendem adquirir, e países de primeira linha da NATO.

Estamos a falar de um conceito português. Neste momento, nós investimos 52 milhões de euros na iniciativa britânica de drones, que são usados, como bem sabemos.

Na Ucrânia…

Mas estes drones são portugueses. O milagre dos drones portugueses, que são de primeira linha, do melhor que se faz no mundo, nasce nas Forças Armadas. É um investimento reprodutivo. Não é à toa que as indústrias de defesa em todo o mundo, e em países muito mais desenvolvidos do que Portugal, são uma componente fundamental do bom desempenho da economia e do PIB.

Investirmos nas indústrias defesa neste momento é uma razão de lucidez e de inteligência. Não é um favor, nem é retirar do Orçamento do Estado.

Isso é o que tem de dizer ao seu colega das Finanças.

E ele bem sabe. Investirmos nas indústrias defesa neste momento é uma razão de lucidez e de inteligência. Não é um favor, nem é retirar do Orçamento do Estado. Grande parte deste orçamento vai ser reprodutivo e vai dar um retorno muito maior. Tem é que ser aplicado com parcimónia, com critério.

Quando falamos de investimentos NATO, nós sabemos que 20% deste investimento tem que ser aplicado em bens, equipamentos e infraestruturas. Neste momento, quando falamos das aquisições, e essa é a perspetiva do Governo e é a minha desde logo, cada modernização de cada equipamento tem de assegurar retorno para a economia portuguesa.

Seja uma aeronave, um carro de combate ou outro equipamento, se conseguir no ciclo de vida desse equipamento garantir que em Portugal pode fazer componentes, ter um papel a dizer no ciclo da manutenção, ou na modernização tecnológica de sistemas de armas, nós estamos a trazer investimento e tecnologia para Portugal, a garantir uma dimensão empresarial que é altamente reprodutiva. Não se aproveitar isto, seria totalmente insano.

Fala-se muito no objetivo, que é chegar aos 6.000 milhões de euros, mas creio que não é claro onde é que Portugal quer pôr este dinheiro. Porque as prioridades de Portugal, mesmo no contexto europeu, não serão exatamente as mesmas de outros países, pela especialização da economia, pela natureza do país, pela geografia. Esse aumento vai corresponder a investimento em que áreas?

Uma nota prévia: mesmo que atingíssemos os 6.000 milhões, o orçamento da defesa ficaria abaixo do atual orçamento da Educação. Isto é a propósito de uma mentira dita ontem [quarta-feira] num debate pela Joana Mortágua. Onde é que nós vamos investir? Nós fizemos num ano o que não foi feito em oito anos, mas o que temos que fazer em diferentes áreas é imenso.

Nós começámos pelas pessoas, porque sem militares não há Forças Armadas e, por isso, melhorámos os salários, suplementos, criámos o primeiro mecanismo de apoio em caso de incapacidade ou morte em serviço e, em relação aos antigos combatentes, assegurámos a comparticipação a 100% em dois anos dos medicamentos, o que faz uma grande diferença nos seus orçamentos familiares.

Das pessoas passamos para o resto. Obviamente nós temos que investir na modernização de bens e equipamentos.

Mas há áreas prioritárias?

Os três ramos das Forças Armadas, porque os três ramos das Forças Armadas têm equipamentos muito obsoletos em razão de um desinvestimento de muitos anos. Na Marinha, estive há uma semana no corta-chapa do próximo NPO [Navio de Patrulha Oceânico] de terceira geração. Isto é extraordinário.

Este NPO é concebido e desenhado por engenheiros navais portugueses, da Marinha Portuguesa, todo o conceito estratégico destes NPO é aqui concebido e depois pode ser vendido gerando também riqueza.

Em relação à Força Aérea, há aeronaves que estão também já em fim de ciclo e que têm de ser substituídas. Um exemplo paradigmático são os F-16, mas há várias outras que têm que ser substituídas.

Em relação ao Exército, desde carros de combate, Pandur, a veículos de transportes de tropa, ao chamado soldado inteligente. Ou seja, nos três ramos há muita coisa a fazer para esse processo de modernização. Onde vamos investir, cada equipamento tem que ter um esforço reprodutivo.

Naquilo que é o soldado inteligente, grande parte da incorporação tecnológica no fardamento do soldado ou no equipamento do soldado é feito em Portugal e isso é absolutamente fundamental.

O ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, durante a assinatura do contrato entre Estado Português e Embraer para aquisição de 12 aeronaves A-29N Super Tucano, que se destinam a reforçar as capacidades da Força Aérea Portuguesa para concretização das suas missões atuais e futuras, nas instalações da OGMA em Alverca, 16 de dezembro de 2024.FILIPE AMORIM/LUSA

Com o envolvimento da indústria têxtil.

Não só têxtil, altamente tecnológica, sensores, dispositivos de visão, equipamentos de proteção, uma enorme parte é feito em Portugal.

Já é feito.

Já é feito, já é feito. O fardamento do Exército foi desenvolvido no CITEVE, que é um centro tecnológico em Famalicão, em cooperação com a indústria têxtil, a Riopele e outras. Depois temos necessariamente as áreas mais tecnológicas, que vão do espaço, constelações satélites em que nós estamos empenhados neste momento.

Quanto é que se investe hoje nessa área do espaço?

Não lhe sei dizer de memória… Pouco e há de ser muito mais, porque o espaço é realmente o futuro.

Se há prioridade que tenho em relação ao futuro tem que ver com o turismo militar e com a recuperação do património. O Exército é proprietário de milhares de edifícios, muitos com enorme valor histórico.

O presidente da Agência Espacial Portuguesa referiu numa entrevista ao ECO a necessidade de duplicar o investimento para cerca de 200 milhões de euros.

Não me aventuro em valores, mas garanto-lhe que é uma inevitabilidade. Como se vê na guerra na Ucrânia, e noutras componentes do espaço geopolítico, a utilização dos satélites é absolutamente vital. Depois há outras áreas que não sendo necessariamente reprodutivas também podem ser.

Se há prioridade que tenho em relação ao futuro tem que ver com o turismo militar e com a recuperação do património. O Exército é proprietário de milhares de edifícios, muitos com enorme valor histórico. Difíceis de manter, mas podendo ser largamente rentabilizados dentro dos próprios ramos das Forças Armadas, através daquilo que acontece noutros países, do Brasil ao Reino Unido, que é um turismo militar.

Roteiros de baterias de costa, roteiros de fortificações, roteiros de monumentos religiosos, roteiros de diferente natureza, que permitem gerar riqueza que depois pode ser utilizada na manutenção desse património, coisa que agora não acontece.

Outra área absolutamente fundamental tem a ver com a habitação. Quando chegámos ao Governo há um ano, o Exército, que é um dos maiores proprietários de Portugal, tinha de PRR pouco mais de 300 mil euros atribuídos. O que é quase, eu devo dizer, criminoso. E nós multiplicamos por 100 este valor. E há edifícios, nomeadamente em Lisboa e Porto, mas também em concelhos do interior, que estavam devolutos.

Aqui em Lisboa, por exemplo, as oficinas de fardamento, que foram utilizadas na guerra em África, ou a messe de Santa Clara, que é um edifício de valor histórico incalculável. Estes edifícios vão ser recuperados com o PRR e serão habitações a baixo custo para os militares.

Grande parte destes investimentos podem ser criadores de riqueza em benefício do Orçamento Geral do Estado e, portanto, a defesa não vive ligada numa perspetiva de aproveitamento ao Orçamento Geral do Estado.

Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

 

A União Europeia deve emitir dívida para financiar o bolo global de investimento previsto e desejável, no discurso político, para o investimento em defesa. Tal como se fez na situação da pandemia, por exemplo, e no PRR?

Eu gosto muito pouco de me aventurar nas áreas das finanças, porque o respeito pelas diferentes tutelas implica que as decisões sejam tomadas a começar porque tem essa obrigação.

Fala-se de um mecanismo europeu de financiamento?

Fala-se de muitos mecanismos europeus de financiamento, fala-se da possibilidade do recurso ao BEI [Banco Europeu de Investimento].

Na medida em que tem de se reforçar o pilar de defesa da Nato, isso significa produzir muito mais na Europa e comprar muito mais na Europa. Significa isso também uma oportunidade que Portugal não pode perder.

Porque o BEI não permitia o financiamento de armamento.

Exatamente. Fala-se da possibilidade de utilizar mecanismos que são neste momento da coesão para o universo da defesa. A defesa, que tem intrínseca uma componente que é de forte dimensão económica e de alavancamento das nossas empresas em diferentes áreas, não pode ser excluída daquilo que são as possibilidades normais que são concedidas a outras áreas da economia.

Essa é a minha posição de princípio. Eu volto a insistir que o que se faça na defesa neste ciclo tem que ser aproveitado por Portugal. Na medida em que tem de se reforçar o pilar de defesa da Nato, isso significa produzir muito mais na Europa e comprar muito mais na Europa. Significa isso também uma oportunidade que Portugal não pode perder.

Não é nada que seja penoso para o Orçamento Geral do Estado, pelo contrário, é uma oportunidade imensa para a economia e para o Orçamento Geral do Estado. Nós estamos obrigados a aproveitar esta oportunidade, a benefício das empresas portuguesas, que são muito dinâmicas e se adaptam rapidamente a circunstâncias muito difíceis, como já vimos em muitos momentos, nomeadamente recentes.

Aquilo que sejam mecanismos que sejam atribuídos a outras áreas da economia têm de estar disponíveis para a defesa. Eventualmente, com essa ponderação que vem sendo feita pela presidente da Comissão Europeia, que tem a ver com as cláusulas de salvaguarda no défice.

No quadro da nova cimeira de líderes da NATO, a realizar em junho, deverá ser aprovada uma nova meta de investimento de 3,5% do PIB em defesa. Se a AD voltar a ser Governo, que posição é que vai defender?

Nós estamos integrados num mecanismo multilateral de defesa, que é a NATO.

Devemos reconhecer que, em parte do ciclo recente da União Europeia, os países europeus da NATO direcionaram o essencial do seu investimento para políticas sociais, retirando à NATO aquilo que era uma necessidade de investimento à boleia da ideia, um bocadinho utópica, da paz perpétua, que agora se vê fazem falta.

Ainda existe mesmo. O presidente Macron aqui há uns anos falava numa NATO em situação crítica. Passados estes anos, se calhar ele tinha razão. A pergunta parece deslocada, porque a NATO existe, mas existe mesmo?

Essa pergunta é muito importante. A NATO assegurou 75 anos de paz por ser política e operacionalmente forte. Não foi por ser NATO. Foi porque, desde logo, nos primeiros dois terços do seu ciclo de vida os membros da NATO investiram de forma a que tivesse uma capacidade de dissuasão e defesa, que é o que se lhe pede.

Mas também devemos reconhecer que, em parte do ciclo recente da União Europeia, os países europeus da NATO direcionaram o essencial do seu investimento para políticas sociais, retirando à NATO aquilo que era uma necessidade de investimento à boleia da ideia, um bocadinho utópica, da paz perpétua, que agora se vê fazem falta.

O enfraquecimento da NATO foi auto-infligido por parte da Europa.

Parece-me mais ou menos evidente que, na escala de prioridades, a seu tempo os países da União Europeia entenderam que a componente social das políticas públicas deveria prevalecer sobre a defesa.

Isto parece-me que é mais ou menos factual. Por causa disso, os Estados Unidos, para os quais a Europa se habituou a externalizar grande parte da responsabilidade do investimento, a dado passo disseram – não foi com Donald Trump, foi já muito antes –, invistam na NATO porque os Estados Unidos não são o único país responsável pela NATO.

E durante muito tempo com uma forte resistência de países europeus em direcionarem parte do investimento para a defesa, porque não antecipavam a possibilidade de uma guerra. Acontece que a guerra veio em 2022 e tudo mudou. Nós neste momento temos uma guerra na fronteira leste da União Europeia, no perímetro da NATO.

Isto levou a que se tivesse que investir mais na NATO e a mudar a disponibilidade mental dos países para investirem mais em defesa e para assegurar esses compromissos, fortalecendo outra vez a NATO.

Ou seja, respondendo à sua pergunta, neste momento a NATO existe e está a reforçar-se para que lhe seja devolvida a sua vocação originária, através de força, para que possa ser uma componente de dissuasão e defesa. E é esse o ciclo de que nós não podemos ficar arredados, e com os EUA dentro. Os EUA nunca saíram da NATO.

Então Portugal deve apoiar os 3,5%.

Eu percebo essa cacha. Eu participo nas reuniões de ministros da Defesa na NATO, como o Paulo Rangel participa nas dos Negócios Estrangeiros e depois há as reuniões conjuntas. O mindset dos países europeus já vai muito para lá dos 2%. A maior parte dos países já ultrapassou os 2%, e a leste já estão nos 4% e próximos dos 5%.

O que eu digo é que Portugal tem que estar em linha com os compromissos firmados com a NATO tendo em conta as nossas possibilidades. Nós não podemos pôr em causa os equilíbrios orçamentais, não podemos pôr em causa o bom comportamento da economia, nem podemos pôr em causa o Estado Social.

Tendo estas três variáveis como devidamente avaliadas, devemos crescer no investimento da defesa, nesta perspetiva do duplo uso, a benefício de um povo inteiro, a pensar na paz e não na guerra, mas para que também possamos ser membros credíveis dentro da NATO, porque se Portugal ficar isolado no âmbito da NATO…

Isso significa então votar favoravelmente esse aumento?

O primeiro-ministro o que diz é que pretende antecipar os 2%, mas o nosso compromisso está nos 2%, não está neste momento nos 3% nem nos 3,5%. Essa avaliação terá de ser feita no momento certo. Terá de ser feita também tendo em conta consensos político-partidários, que na área de defesa sempre se tentaram encontrar, desde logo nos partidos do arco da governabilidade.

Estamos a falar de uma área estrita de soberania, onde esse consenso é muito importante, e que deve estar afastada da contenda política clássica. Se vamos além dos 2%, logo se verá, até porque não sabemos o que é que vai acontecer no mundo.

Imagine que de repente o conflito se agrava, imagine que de repente a Rússia avança para os países bálticos… A dinâmica geopolítica é que determina a dimensão do investimento.

Quero que o Estado, não sendo maioritário, como não é nas OGMA, mas participando na gestão e beneficiando dos lucros, esteja neste tipo de empresas, o que implica planos de negócio muito cuidados, não queremos ter empresas por termos empresas, temos que ter planos de negócios.

O Governo tem elogiado muito a privatização das OGMA. Se a AD voltar ao Executivo vai avançar, por exemplo, para a privatização de parte do capital do Arsenal do Alfeite?

Uma coisa lhe garanto: nós vamos resolver problemas que são de 20 anos no Arsenal do Alfeite. Nós temos, em relação às indústrias de defesa, principalmente no que tem a ver com a captação de investimento, o modelo OGMA como um modelo muito virtuoso. Recorda-se que as OGMA estiveram falidas.

E foi um outro ministro da Defesa, Paulo Portas, que num tempo de grande perturbação laboral avançou para aquilo que parecia inevitável, que era uma participação privada no capital das OGMA, através da Embraer, que hoje permitiu que a empresa fosse transformada num exemplo extraordinário no plano mundial.

Em relação à captação de investimento, sejam fábricas de munições, sejam outras áreas que nós temos como estratégicas, o modelo OGMA é um modelo que eu tenho como preferencial.

Ou seja, não quero apenas, por exemplo, na área das munições, captar investimento para a produção em Portugal, quero que o Estado, não sendo maioritário, como não é nas OGMA, mas participando na gestão e beneficiando dos lucros, esteja neste tipo de empresas, o que implica planos de negócio muito cuidados. Não queremos ter empresas por termos empresas, temos que ter planos de negócios.

Faz então sentido replicar o modelo das OGMA em relação ao Arsenal do Alfeite?

Vamos querer reproduzir o modelo OGMA nos investimentos em indústrias, desde que as áreas sejam críticas e estratégicas. No que tem a ver com o Arsenal do Alfeite, o que tem que ser feito neste momento é assegurar que nós conseguimos os investimentos infraestruturais que permitam, para já na dimensão pública, o relançamento do arsenal para aquilo que são obrigações do século XXI.

Numa outra fase, porventura, pensar-se no que será o futuro do Arsenal do Alfeite, mas é uma fase que eu neste momento não considero.

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