Jorge de Melo, CEO da Sovena, afirma que a terra "boa para a plantação do olival já é limitada", pelo que o crescimento da área vai ser inferior à dos últimos anos.
Depois de ter caído cerca de 40% entre 2023 e 2024, o consumo mundial de azeite está a recuperar, respondendo à descida do preço. Em Portugal, a procura cresceu entre 20% e 22%, havendo ainda (pouca) margem para o custo no supermercado baixar.
“Diria que há condições para [o preço] descer mais um pouco, embora também não possa descer muito mais, porque depois deixa de ser rentável para o agricultor a produção a níveis muito mais baixos”, afirma Jorge de Melo, presidente executivo da Sovena, em entrevista ao ECO.
O responsável pela empresa portuguesa líder no azeite e óleos alimentares, afirma que a terra “boa para a plantação do olival já é limitada” e antecipa que “o ritmo de crescimento da área do olival vai ser menor do que foi nos últimos anos”. No Alqueva já se atingiu o limite.
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Segundo dados do Observatório de Preços, referentes a maio, o preço do azeite baixou cerca de 28% no espaço de um ano. Esta descida já permitiu inverter a forte quebra no consumo que se tinha registado nos anos anteriores, da ordem dos 40%?
O preço do azeite subiu muito nos dois anos anteriores, fruto de uma situação de seca extrema na Península Ibérica, sobretudo em Espanha, que produz cerca de metade de todo o azeite consumido no mundo.
A última campanha já foi bem melhor.
A última campanha já foi regular, depois de duas campanhas que somadas não perfaziam uma campanha normal. A última já deu para estabilizar de alguma forma o que foi a produção e por isso o consumo, que tinha sofrido fortes quedas a nível mundial, de cerca de 20% ao ano nos dois anos anteriores, este ano já o vemos a subir mais ou menos 25%. Com algumas diferenças entre geografias, Portugal estará nos 20% a 22%; Espanha com um crescimento um pouco mais intenso.
Acha que nos próximos anos será possível regressar aos níveis de consumo que existiam antes desta forte subida do preço?
Acho que sim. É necessário que haja uma produção de azeite a nível mundial que seja suficiente para a procura. As condições do campo para a próxima colheita até agora são razoavelmente boas.
Choveu muito no inverno e na primavera.
Choveu muito no inverno. Esta onda de calor que assistimos limitou de alguma forma a expectativa de uma grande campanha, mas acredito que possa ser boa quer em Portugal, quer em Espanha, quer noutras geografias. Na Tunísia e Turquia também se fala de boas produções.
Isso significa que o preço pode ainda descer mais?
Eu diria que o preço, neste momento, já desceu bastante. Já temos um azeite no produtor, um virgem extra de qualidade a cerca de quatro euros [o litro], quando tivemos casos de oito euros e tal, nove euros nos últimos dois anos.
Diria que há condições para [o preço] descer mais um pouco, embora também não possa descer muito mais, porque depois deixa de ser rentável para o agricultor a produção a níveis muito mais baixos.
No supermercado ainda está a 6 euros e muito.
O supermercado depois tem uma série de custos da cadeia de valor. Diria que há condições para descer mais um pouco, embora também não possa descer muito mais, porque depois deixa de ser rentável para o agricultor a produção a níveis muito mais baixos. Um preço de quatro euros [por litro] para um azeite extra virgem é perfeitamente razoável e equilibrado quer para o lado da oferta quer da procura.
Os preços vão manter-se nesse patamar dos quatro euros.
Eu diria que sim. Agora, como diz, ainda há algum ajuste na cadeia de valor, portanto o preço que o consumidor vai ver nas prateleiras nos próximos tempos ainda pode ter alguma descida no curto prazo.
A área de olival continua a crescer muito em Portugal. A exportação assegura grande parte do escoamento, o que é bastante benéfico para o setor, mas há algum risco de virmos a ter um cenário de sobreprodução no país?
Portugal pode produzir com a área de olival que tem neste momento cerca de 200 mil, 220, 240 mil toneladas num ano bom. A produção mundial é de cerca de três milhões ou três milhões e meio de toneladas, portanto ainda representamos uma pequena parte. É um azeite que devido à forma como o produzimos, a agricultura moderna, o cuidado que temos com o tratamento das oliveiras, etc., permite-nos que seja um azeite muito procurado pela sua qualidade, não só no mercado doméstico, mas, como disse, na exportação, quer na parte engarrafada, quer na parte comercializada para outras geografias a granel. Portanto, eu diria que uma sobreprodução em Portugal não é um risco. Agora, se vários países tiverem produções muito boas, pode haver uma sobreprodução a nível mundial, o que também não será bom, porque haverá azeite a mais e o azeite é um produto que, ao contrário do vinho, não perdura no tempo.
Eu diria que uma sobreprodução em Portugal não é um risco. Agora, se vários países tiverem produções muito boas, pode haver uma sobreprodução a nível mundial, o que também não será bom, porque haverá azeite a mais e o azeite é um produto que, ao contrário do vinho, não perdura no tempo.
Isso significa que, então, ainda há margem para aumentar a área de olival em Portugal?
Eu acho que há alguma margem. A limitação é mais ao nível do terreno agrícola disponível, porque um terreno para um olival tem que ter certas condições, nomeadamente o acesso à água. O projeto do Alqueva, que foi um projeto importante, estruturante na região, permitiu fixar muita, muita gente. Mas, pelo menos a primeira fase, já atingiu o seu limite. Há agora até questões relativamente ao alargamento do perímetro de rega.
Quanto a mim, acho que devíamos cuidar do que são os precários, que são aqueles que beneficiam da rega do Alqueva só enquanto existe disponibilidade de água. Fizeram fortes investimentos há 10, 15 anos, incentivados também pelo governo, e deveriam ser agora também protegidos nesse perímetro de rega do Alqueva.
A disponibilidade de terra já é limitada.
Que seja boa para a plantação do olival já é limitada. Ainda existe alguma, mas não tanto como há 10, 15 anos atrás. Por isso, o ritmo de crescimento da área do olival, eu diria que vai ser menor do que foi nos últimos anos.

Água que Une? “Se mais de metade for feito já serão boas notícias”
O ministro da Agricultura manteve-se nesta nova versão do Governo. Que avaliação é que faz do trabalho que tem sido feito pelo Ministério da Agricultura?
Teve ainda pouco tempo na posição, mas é um trabalho positivo. Tem procurado defender o agricultor português nas suas várias realidades. Houve um papel importante do Ministério da Agricultura neste projeto, que é o Água que Une. A água para nós é um bem essencial. Aqui está um exemplo de uma matéria que muitas vezes não tem a visão política que deve ter e estamos sempre no curto prazo. O país precisa de trabalhar o que quer relativamente à água para os próximos anos. Foi feito este documento do Ministério da Agricultura, do Ministério do Ambiente e de outras entidades, que me parece que está, no seu geral, bastante bem feito.
Está confiante na concretização desse plano?
Essa, para mim, é a grande dúvida. Quer ao nível local, quer ao nível nacional, quer mesmo ao nível europeu, muitas vezes as ideias são boas, os objetivos que estão traçados nos papéis e o modo de fazer são bons, mas depois é a mecânica, são os interesses que não permitem que nós avancemos. Acho que é importante implementar esse projeto.
O Alqueva demorou várias décadas até ser feito. Acha que este projeto Água que Une vai atrasar também?
O projeto Água que Une tem várias vertentes. Tem a construção de duas barragens, se não me engano, tem depois os transvazes. Um problema que temos muitas vezes é que temos uma perda grande nos canais e há o objetivo de melhoramento dessas infraestruturas. Se mais de metade fosse feito já seriam boas notícias.
Não devemos limitar a criação desse Ministério a uma digitalização ou simplificação de alguns processos. Acho que tem que ser algo muito mais estrutural, para o Estado ser mais eficiente, promover as funções que deve promover e também mobilizar e motivar as pessoas que trabalham para o Estado.
O novo Governo trouxe esta novidade do Ministério da Reforma do Estado. O que espera desta nova pasta?
É um assunto complexo, mas havendo uma vontade de mudar a realidade que temos atualmente, acho que é sempre positivo. O Estado tem naturalmente coisas que estão melhores hoje do que eram há uns anos, mas ainda há muito para fazer. Não devemos limitar a criação desse Ministério a uma digitalização ou simplificação de alguns processos. Acho que tem que ser algo muito mais estrutural, para o Estado ser mais eficiente, promover as funções que deve promover e também mobilizar e motivar as pessoas que trabalham para o Estado. Tenho a sensação que muitas vezes quem trabalha no Estado está pouco motivado e vai fazendo as coisas porque é o seu trabalho, com pouca visão do que é que nós devemos alcançar.
É importante haver esse Ministério e é importante o primeiro-ministro estar muito de perto, devido à importância do que está incluído nesse processo. Também é importante haver aqui uma mobilização de outras forças políticas, até pela situação parlamentar que temos, e acredito que existem condições para algo mais abrangente. Eu tenho, por exemplo, uma dúvida: não sei se as legislaturas, em vez dos quatro anos, não deviam ter sete anos e serem limitadas a uma legislatura, para depois haver a capacidade de essas mudanças mais estruturais serem implementadas. A minha perceção é que em Portugal vivemos sempre em momentos políticos. Mais do que o que é que vai ser o dia de amanhã de Portugal, é como é que politicamente isto me afeta, me impacta, e falo aqui na generalidade dos partidos políticos.
Uma visão de curto prazo.
Falta uma visão para o país. Vivemos numa visão de curto prazo, e portanto tem que haver aqui um consenso, não digo generalizado, porque isso pode ser impossível, mas de alguns interlocutores políticos para fazer essa modernização do Estado e do papel do Estado.
Seria um tiro no pé se não durasse quatro anos. Já ninguém aguenta mais eleições e mais campanhas. Acho que temos todos de trabalhar para o país e numa visão para o país.
Acha que existem condições para este Governo durar os quatro anos?
Eu acho que existem condições para tal. Seria um tiro no pé se não durasse quatro anos. Já ninguém aguenta mais eleições e mais campanhas. Acho que temos todos de trabalhar para o país e numa visão para o país.
Outra novidade recente é o aperto nas regras de obtenção da nacionalidade e na imigração. Isto pode dificultar o acesso do setor agrícola português à mão de obra?
Na Sovena praticamente não recorremos a mão-de-obra estrangeira, porque os nossos olivais são modernos e, portanto, a apanha é mecanizada. Temos, sim, bastantes técnicos especializados com formação, alguns nossos, outros subcontratados na altura da apanha, mas são pessoas que já com muitos anos de casa e que tiveram uma formação constante nos últimos tempos. Há uma procura grande por este tipo de profissional.
Relativamente à imigração, também acredito que há uma opinião maioritária de que a imigração é chave. E falo de qualificados mas também de não qualificados. Existem setores, não só a agricultura mas o turismo, que precisam de mão-de-obra e que não está disponível em Portugal. Agora, essa imigração tem que ser regulada, tem que ser controlada, tem que ter condições para as pessoas e não pode ser totalmente, como eu sinto que foi nos últimos anos, uma porta aberta para a imigração e depois logo se vê como encaixamos as pessoas e vemos que condições lhes damos. Isso foi mal feito nos últimos tempos.
Mas não há aqui o risco de passarmos para um enquadramento em que há uma restritividade muito grande e depois gera-se uma escassez?
Aí tem que haver bom senso. Os políticos aí têm que perceber o que devem fazer para que não exista esse risco. Acho que a imigração, até por causa da nossa realidade demográfica e o declínio que temos tido na população, tem de alguma forma continuar. Agora temos que o fazer bem. Dito isto, também é importante reter a nossa gente, reter os nossos talentos e criar condições para que cá fiquem.

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Consumo de azeite sobe 20% com queda do preço, que tem margem para “descer mais um pouco”
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