Blake Crawford, gestor da JPMorgan AM, gestora que gere mais de três biliões de dólares de ativos, antecipa que os juros deverão começar a descer em junho e vê oportunidades nas ações europeias.
Mais de metade dos países do mundo vai a eleições este ano. Um calendário que torna inevitável olhar para a política como um dos temas quentes de 2024. Blake Crawford, gestor de ações da JPMorgan Asset Management há 16 anos, admite que as eleições poderão causar alguma “volatilidade”. Quanto ao crescimento de partidos extremistas, diz que “partidos populistas sempre houve”, mas hoje há vários países em simultâneo onde estas forças políticas têm maior representatividade, como é o caso de Portugal após as eleições do último domingo, dia 10 de março. Nos Estados Unidos, mesmo que Trump ganhe, não terá livre passe para aprovar todas as medidas que defende, acredita o responsável.
Num momento em que as atenções dos investidores se mantêm voltadas para os bancos centrais, o gestor da JPMorgan Asset Management, que tem atualmente cerca de 3,15 biliões de dólares sob gestão, garante que 2024 será mesmo um ano de descida de juros e refere que, tanto a Reserva Federal dos Estados Unidos, como o Banco Central Europeu (BCE) deverão anunciar o primeiro corte de taxas de juro já em junho, seguindo-se o Banco de Inglaterra na segunda metade do ano. E as ações europeias apresentam boas oportunidades: transacionam com um desconto de 30% face às dos Estados Unidos.
Apesar da economia europeia ter conseguido escapar por pouco a uma recessão no ano passado e permanecerem muitos fatores de incerteza no mercado, as bolsas mundiais continuam a fixar novos máximos. O que justifica este otimismo?
Foi um bom início de ano para a maioria dos mercados porque há a expectativa de descida de juros. No caso concreto da Europa, as avaliações [valor em que as cotações negoceiam face aos seus preços-alvo] estão em níveis muito atrativos. Quando olhamos para a inflação, parece estar contida na maioria das economias. Baixou de níveis muito elevados em 2023 até aos níveis onde está agora. A maioria das pessoas não está agora a antecipar uma recessão profunda. O tempo dirá se estas expectativas se confirmam. A minha expectativa é que, à medida que progredimos no ano, o foco comece a estar nos fundamentais das empresas.
Os principais bancos centrais têm tentado moderar as expectativas dos investidores em relação às taxas de juro. Quando é que poderemos efetivamente esperar os primeiros cortes de juros?
À medida que entramos no ano, assistimos a uma mudança nas expectativas em relação a cortes da Fed e do BCE. No início do ano antecipavam-se cinco a sete cortes de juros por parte da Fed, estamos agora a antecipar três a quatro cortes. Na Europa estamos também a antecipar alguns cortes. A expectativa é que os cortes comecem em junho. A inflação está em níveis muito mais baixos nesta fase e estamos num ponto de mudança, com as taxas de juro a entrarem numa nova fase. As taxas de juro já atingiram máximos, a questão é agora sobre o timing de quando vão começar a descer.
A expectativa, neste momento, é que ambos [Fed e BCE] comecem a descer taxas no verão, em junho.
A Fed será a primeira a cortar, ou vai ser o BCE?
A expectativa, neste momento, é que ambos [Fed e BCE] comecem a descer taxas no verão, em junho, e o Banco de Inglaterra na segunda metade do ano.
A par da política monetária, as eleições é outro dos temas que poderá gerar alguma instabilidade este ano. Tal como já aconteceu noutros países, os resultados das eleições em Portugal, no passado domingo, confirmaram a ascensão de um partido extremista, o Chega, com 18% dos votos. Isto é uma preocupação para a JPMorgan AM enquanto investidor?
Eu não vou falar de países concretos. A política é um dos temas que vai estar em destaque em 2024. Mais de metade do mundo vai ter eleições este ano. O que é importante perceber é o impacto no sentimento. O que acontece muitas vezes é que o que se diz na campanha é muito diferente do que se faz quando tomam posse. Do nosso ponto de vista, o mais importante é perceber como é que estas políticas se refletem nos fundamentais das empresas e qual o impacto nos resultados. E será esse o nosso driver para decidir se investimos ou não.
Mas ter um partido como o Chega no Parlamento com uma representatividade tão elevada poderá trazer riscos, promovendo a aprovação de propostas mais populistas?
Sempre houve partidos populistas. O que estamos agora a assistir é a uma correlação em vários países. Não é apenas um movimento populista num país. Mas para nós o que importa são os fundamentais das empresas para perceber se há valor numa determinada parte do mercado ou não. Ainda há muitas oportunidades nos mercados. Trata-se de tentar prever as políticas e como poderão impactar os resultados.
Uma das principais eleições será nos EUA, em novembro. O ex-Presidente Donald Trump já fez saber que se ganhar as eleições vai tomar uma série de medidas que poderão ter impacto nas relações comerciais com outras regiões, nomeadamente a Europa.
A mensagem durante a campanha e o que acontece quando se chega ao poder nem sempre coincide. Não estou a dizer que Trump vai ser eleito ou não. Mas há o Congresso que vai votar as propostas. [Donald Trump] não pode fazer tudo o que quer. A política influencia, mas neste caso será mais uma posição de esperar para ver.
Não estou a dizer que Trump vai ser eleito ou não. Mas há o Congresso que vai votar as propostas. [Donald Trump] não pode fazer tudo o que quer.
Que outros riscos identifica este ano?
Há tensões geopolíticas, há a questão política devido ao elevado número de países que têm eleições este ano, potenciais disrupções nas cadeias de fornecimento, que acontecem desde a pandemia da Covid-19, a guerra da Rússia, inflação. São muitas coisas que têm impacto para uma empresa. Não sabemos como estes fatores vão evoluir, mas há claramente incerteza no futuro. A melhor forma de gerir este risco é ter um portefólio equilibrado. Alguma exposição a ações mais cíclicas e defensivas, mas no final queremos concentrar-nos onde identificamos oportunidades de investimento.
E onde identifica essas oportunidades de investimento?
Gostamos das empresas do setor do consumo. Há empresas de grande qualidade no setor que têm estado a investir em capex. Uma empresa que gostamos é a Inditex. Também gostamos do setor de viagens e lazer. Assistimos a uma recuperação nos números do tráfego aéreo. Há dinâmicas atrativas no mercado neste momento. A Ryanair é uma das empresas que gostamos neste setor. Algumas empresas de catering, que estão expostas aos mesmos drivers. No segmento dos hotéis, algumas destas empresas enfrentaram problemas durante a pandemia da Covid-19. Com o regresso das viagens há margem para melhoria de lucros.
Na Europa o consumo tem sido mais lento a recuperar. Antecipa uma aceleração este ano?
As taxas de juro elevadas são negativas para o consumo e há a crise associada aos custos de vida. O que estamos a ver é que o consumo está a revelar-se mais resiliente do que se estava a antecipar. No universo das empresas, os resultados são surpreendentemente positivos.
Mesmo assim, a economia europeia está bastante aquém dos EUA.
Há a assunção de que uma empresa, se está cotada na Europa, apenas tem exposição à economia europeia. Quando olhamos para o MSCI Europe [o índice que representa as maiores empresas da região], mais de 50% dos seus resultados são gerados no exterior. Por outro lado, as avaliações é outro dos fatores que importa. A Europa está a negociar a desconto face aos Estados Unidos e isso abre oportunidades para as empresas europeias com exposição global.
A Europa tem negociado historicamente com um desconto face aos EUA, mas atualmente está a negociar com um desconto significativo face aos valores históricos. O MSCI Europe está com um desconto de 30% face aos EUA. Há quem justifique este desconto com a composição do índice. Há mais ações tecnológicas e mais caras nos EUA. Mas quando analisamos setor a setor percebemos que esta diferença não é apenas um grupo. É em todos os setores.
A Europa está a negociar a desconto face aos Estados Unidos e isso abre oportunidades para as empresas europeias com exposição global.
Tem alguma exposição a Portugal?
É um mercado para o qual olhamos, mas não quero falar de nomes em concreto.
Mas vê oportunidades nas empresas portuguesas?
Quando analisamos um mercado procuramos empresas de elevada qualidade e empresas onde consideramos que há oportunidades de investimento. E os preços de negociação não refletem os lucros gerados pela empresa.
Há pouco referiu a necessidade de investir também em ações mais defensivas. As empresas com bons dividendos podem ser uma boa forma de proteger a carteira?
Há um número de oportunidades excitantes neste momento. Há empresas com bons resultados que estão a devolver essa liquidez aos acionistas, algumas na forma de dividendos e outras na forma de recompra de ações. Quando as empresas devolvem os lucros aos acionistas na forma de dividendos e buybacks achamos que isso é um sinal positivo para a empresa. Mostra que há uma gestão de elevada qualidade, disciplina na alocação de capital. Estes programas de buyback subiram muito face a níveis históricos, com os próprios CEO a identificarem as ações das suas empresas como um bom investimento. É o caso da banca. Um dos casos que tem sido mais visível a devolver liquidez aos investidores é o Unicredit, em Itália.
A banca vai continuar a ser beneficiada com o regresso dos juros a níveis considerados normais?
Em 2023 e antes disso já assistimos a uma recuperação do setor da banca, a reagir à subida das taxas de juro. Daqui em diante a expectativa é que os juros já bateram máximos, mas há bancos que vão conseguir remunerar os acionistas. Se não chegarmos a uma situação de recessão, as provisões já tocaram máximos e isso vai permitir-lhes dar mais dinheiro aos acionistas.
Vai haver uma recessão?
O receio é que houvesse uma recessão profunda. Os dados que estamos a ver hoje não apontam nesse sentido.
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