“É óbvio que alguns entendimentos vão ter de existir com Chega e PS”

Antecipando tempos de instabilidade, o presidente da UTAO defende que o Governo de Luís Montenegro terá de ter amplo poder negocial para conseguir viabilizar o Orçamento do Estado para 2025.

Antevendo instabilidade política e social nos primeiros tempos do Governo da AD face à maioria frágil que o suporta no Parlamento, o presidente da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), Rui Baleiras, considera que vai ser necessário ora negociar com o Chega ora com o PS para aprovar iniciativas legislativas na Assembleia da República, como o Orçamento do Estado para 2025. Este será, por ventura, o primeiro grande teste à sobrevivência do Executivo, caso não avance com um retificativo.

Se o Orçamento do Estado for chumbado, o Governo arrisca cair e o Presidente da República pode convocar novamente eleições antecipadas, ainda que existam prazos limitados para o fazer. Não pode dissolver o Parlamento nem nos seis meses posteriores à eleição do Parlamento, ou seja, até setembro, nem nos seis meses anteriores ao fim do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, ou seja, no último semestre de 2025, segundo a Constituição.

O desafio para o presidente do PSD é duplo, como se estivesse entre a espada e a parede. Por um lado, está obrigado a cumprir a promessa, lançada em campanha eleitoral, de que “não, é não” a um acordo com o Chega, por outro, tem sobre a sua cabeça a guilhotina do PS, que já avisou que “é praticamente impossível” aprovar o Orçamento do Estado para 2025, como repetiu, na semana passada, o secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos.

E para conseguir aprovar leis no Parlamento, incluindo o Orçamento do Estado, o Governo da AD vai precisar ou do voto favorável do PS, do Chega ou a abstenção de ambos. “Na hora da verdade, são as abstenções que vão viabilizar”, defende Rui Baleiras. Antes, Luís Montenegro ainda vai enfrentar a moção de rejeição do PCP, que já está condenada com a abstenção do PS.

Tendo em conta o resultado eleitoral, teme instabilidade governativa?

Incerteza vai haver como houve no passado, sempre que tivemos governos de maioria simples. Desta vez, será mais complicado, porque há mais atores. Temos o Parlamento pulverizado, mas não creio que o programa do Governo seja rejeitado por maioria absoluta dos deputados. Enfim, isso pelas declarações dos atores. Na hora da verdade, são as abstenções que vão viabilizar. Questão diferente é quando aparecer uma proposta de revisão do orçamento ou o Orçamento para 2025. E aqui o problema é o tal grande defeito do nosso processo legislativo orçamental, que é fazer da lei do Orçamento aquilo que ela não deveria ser, que é uma lei de medidas de política.

Temos o Parlamento pulverizado, mas não creio que o programa do Governo seja rejeitado por maioria absoluta dos deputados. Na hora da verdade, são as abstenções que vão viabilizar.

Rui Baleiras, presidente da UTAO

O Governo pode cair com o chumbo do OE 2025?

Sim. Aí eu não sei mais do que os melhores analistas políticos da nossa praça, tanto mais quando se sabe que daí a um ano não será possível ao Presidente da República dissolver o Parlamento.

O processo de negociação orçamental vai ter de existir, porque não basta a abstenção do PS. Ou o Chega e o PS e abstêm ou é preciso a aprovação do Chega. Acho que Luís Montenegro deve negociar com o PS, com o Chega ou com os dois?

Não me quero meter na arena político-partidária, mas é óbvio que alguns entendimentos vão ter de existir com Chega e PS. E eu, quando muito, antecipo que esses entendimentos serão maiores adiante. Por ventura, na feitura da proposta de Orçamento para 2025 do que agora. Porque parece-me suicidário ir com uma proposta de Orçamento se for para meter lá muitas medidas de política.

Rui Baleiras, Coordenador da UTAO, em entrevista ao ECO - 19MAR24
Rui Baleiras, Coordenador da UTAO, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Acha que esta legislatura chega ao fim ou vamos para eleições daqui por sete, oito meses?

A probabilidade é grande. E eu diria que é fifty fifty, neste momento. Acho que os próximos meses ou o tempo que durar esta legislatura vai ser muito proveitosa para as empresas que fazem sondagens. Vamos ter muito mais sondagens do que até aqui. E embora os partidos digam que não é verdade, os resultados das sondagens poderão influenciar a maior ou menor predisposição para negociar.

A contestação social vai aumentar?

É provável que sim. Normalmente, a instabilidade no Parlamento tem alguma correlação com a instabilidade nas ruas. Sabemos que somos um país de salários muito baixos, com situações precárias em número significativo no mercado de trabalho e, portanto, não será muito difícil mobilizar certos setores da população para protestos na rua. E também sabemos que há já movimentos organizados, como nos últimos meses revelaram em certos setores ligados à administração pública e, portanto, sim, esse será um facto da vida política e com que o sistema terá de viver.

Acho que é natural que venha a ter uma vice-presidência na Assembleia e é natural que o próprio Chega se normalize. Considerei muito positivo, em 2015, que o PCP e o Bloco de Esquerda fossem trazidos para o arco da governação.

Rui Baleiras, presidente da UTAO

Tendo sido a terceira força política mais votada, o Chega tem direito, segundo o Regimento do Parlamento, a eleger um vice-presidente da Assembleia da República. Na legislatura passada, PS e PSD travaram a sua eleição, mas desta vez deverá passar. Concorda com a eleição de um vice-presidente do partido de André Ventura?

Eu não simpatizo nada com as ideias do Chega, mas não se podem ignorar 1.100.000 pessoas que votaram neste partido. Julgo também que as experiências que houve no estrangeiro e em Portugal de colocarem um cordão sanitário em torno destes partidos extremistas, demagogos, populistas não surtiu efeito. Veja-se a força que o partido de Marine Le Pen tem em França ou aquilo que o Chega aqui conseguiu. Houve um tempo, demasiados anos, diria, em que o Partido Comunista Português foi considerado antidemocrático até pelo PS. Já para não falar de todos os partidos do centro para a direita. Muita gente cometeu exageros em 1975 e 1976, mas evoluíram, educaram-se no espírito democrático e fazia-me confusão que o Partido Comunista continuasse batizado com esse anátema de ser uma força antidemocrática. As pessoas podem discordar profundamente da ideologia de um partido como o PCP, mas não deveriam pôr-lhe uma cerca sanitária. Acho que o mesmo vai acontecer com o Chega, com o tempo.

Ainda é um fenómeno muito fresco e eu acho que não será nos próximos meses, porventura nesta legislatura. Mas virá um tempo em que o próprio Chega vai evoluir para dentro do sistema. E aliás, tenho dificuldade em classificar o Chega do ponto de vista ideológico. Oiço sempre dizer que é de extrema-direita, mas às vezes também vejo que tem medidas de extrema-esquerda. Por exemplo, a medida que eles propuseram, por mais de uma vez na legislatura que está a terminar, que é a tributação excecional dos bancos para subsidiar o serviço da dívida hipotecária das famílias. Quer dizer, medida mais radical de esquerda é difícil de ver. Mas, posto isto, acho que é natural que venha a ter uma vice-presidência na Assembleia e é natural que o próprio Chega se normalize. Considerei muito positivo, em 2015, que o PCP e o Bloco de Esquerda fossem trazidos para o arco da governação, porque isso permitiu institucionalizar o conflito social. Era muito forte o risco de termos problemas nas ruas com violência, como sucedia na Grécia, mas também, enfim, recordemos os coletes amarelos em França.

Pode ver a entrevista na íntegra aqui.

  • Diogo Simões
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