Ricardo Martins, Chief of Crypto da Bison Digital Assets, considera que estamos em pleno "verão cripto" e a entrar numa nova era no mercado dos ativos digitais, "mais madura e com mais regulação".
O Bison Bank ainda é o único banco em Portugal com serviço de criptoativos. Mas Ricardo Martins, Chief of Crypto da Bison Digital Assets, que acaba de fazer dois anos de atividade, considera que é “um caminho natural” que a concorrência aposte neste mercado que está a entrar numa nova era “mais madura e com mais regulação”.
“Estamos numa fase em que os ativos digitais estão a ser mais bem compreendidos, mas ainda são vistos como ativos de risco e são tratados assim. E bem em muitos aspetos. Mas sentimos que estamos a entrar numa nova era, numa era com mais maturidade, numa era com regulação“, adianta o responsável em entrevista ao ECO.
Considera que a eleição de Trump “foi a cereja no topo do bolo” para o mercado. “É a primeira vez que há uma administração nos EUA que é claramente favorável à promoção desta indústria”, afirma. E desvaloriza impasse na transposição do regulamento europeu MICA na legislação nacional. “Continuamos a ter um regulador, continuamos a ter as nossas obrigações”, frisa o responsável.
O Bison Digital Assets acabou de completar dois anos de atividade. Que balanço é que faz?
Fazemos um balanço muito positivo desta aposta em inovação por parte do banco. O objetivo principal era trazer esta classe de ativos de uma forma segura para os clientes do banco, de servir os clientes do banco numa perspetiva de wealth management e de diversificação de portfólio de ativos, com toda a segurança que um banco traz, com os mesmos padrões, com os mesmos standards de governança da banca tradicional. E trazendo também um olhar responsável e maduro também para esta área, sem nenhum preconceito para com a indústria, mas sendo muito exigente nos requisitos e cumprimento dos deveres, tal como da banca tradicional.
O primeiro ano da atividade foi um ano de arranque, tínhamos cerca de dois milhões de ativos sob gestão. Aumentámos estes números substancialmente este ano. No geral, triplicamos o número de clientes e outras métricas da nossa atividade e continuamos numa franca expansão.
Tem criado valor para o banco e para o acionista?
Notámos que muitos dos clientes da banca, no geral, já têm parte da sua riqueza em ativos digitais, mas muitas vezes não se sentem à vontade para falar com o seu banco sobre ativos digitais por todo o historial de não saberem se os bancos entendiam esta área. Sentimos que adicionamos muito valor ao banco do ponto de vista de um banco atento à atualidade, capacitando-se, educando-se se para esta indústria.
E sentimos também que adicionamos valor a Portugal. Nós somos o único banco com este tipo de enquadramento em Portugal. Na Europa não há muitos. Queremos contribuir, e estamos em crer que contribuímos efetivamente, para manter Portugal como hub tecnológico e um hub de inovação na Europa, com visibilidade e reconhecimento também na indústria de ativos digitais. Temos talento, temos fundadores, temos projetos muito interessantes e a banca é importante para o desenvolvimento da indústria.
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Qual o perfil do cliente que entra no banco através da Bison Digital Assets, é diferente do cliente normal do banco?
Em grande parte não é. O banco tem como um dos principais clientes os indivíduos de elevado rendimento e património. Os high-net-worth individuals continuam a ser o cliente principal que nós servimos, mas também existem clientes institucionais como instituições de pagamentos, os primeiros fundos que comporem a sua carteira de alguns fundos em parte ou totalmente com criptoativos.
A recente escalada das criptomoedas trouxe mais negócio para o banco, trouxe mais procura pelos serviços da Bison Digital Assets
Houve um aumento de atividade ao longo do último ano. A eleição de Trump trouxe um otimismo renovado nesta área de ativos digitais. Mas é importante reforçar — e pode ter passado um bocadinho despercebido — que esta ascensão já vinha de trás. Em 2022, a capitalização total de mercado de ativos digitais situava-se mais ou menos nos 350 biliões, e passou para um trilião e meio no final de 2023. Estamos neste momento com mais de três triliões. O mercado já tinha tido progressão muito significativa, muito assinalável antes da eleição de Trump. Em março, a bitcoin já tinha atingido um novo máximo histórico, muito devido ao lançamento de ETF de spot de Bitcoin nos EUA. Estamos a falar de números impressionantes. Em menos de um ano este ETF conseguiu reunir mais de 100 bilhões em ativos sob gestão, batendo imensos recordes.
Portanto, é uma indústria que já vinha em expansão, mas, de facto, Trump foi um bocadinho a cereja no topo do bolo, porque é a primeira vez que há uma administração nos EUA que é claramente favorável à promoção desta indústria, o que em administrações anteriores não acontecia.
O MICA, a regulação na Europa, acabou por canalizar algum investimento para a Europa, um bocadinho em contraste com a ausência de regulação específica sobre ativos digitais nos EUA. Há uma perspetiva de que haverá clareza nos EUA do ponto de vista regulatório para operar e, obviamente, quando isso existir serão criadas condições para o desenvolvimento da indústria.
É uma indústria que já vinha em expansão, mas, de facto, Trump foi um bocadinho a cereja no topo do bolo, porque é a primeira vez que há uma administração nos EUA que é claramente favorável à promoção desta indústria, o que em administrações anteriores não acontecia.
Há dois anos, quando foi lançado a Bison Digital Assets, estávamos num autêntico inverno das criptomoedas. Atualmente estamos em que estação do ano? Estamos num verão tropical, numa primavera…
Estamos claramente no verão. Existe uma boa expectativa. No entanto, esta indústria está cada vez mais madura e está mais correlacionada também por via dos ETF e por via de uma maior integração com o sistema financeiro. Vemos muita reação a eventos macroeconómicos imediatamente nos ativos digitais. Quando há anúncios ao fim de semana, com as bolsas fechadas, os ativos digitais acabam por absorver um bocado o sentimento.
Os ativos digitais têm características muito específicas. Estamos numa fase em que estão a ser mais bem compreendidos, mas ainda são vistos como ativos de risco e são tratados como ativos de risco. E bem em muitos aspetos. Mas sentimos que estamos a entrar numa nova era, numa era com mais maturidade, numa era com regulação, com perspetivas de regulação também noutras zonas do mundo.
Essa maior regulação acabará por estabilizar também a volatilidade em relação às criptomoedas ou vai ser sempre muito volátil?
Penso vai ser sempre mais volátil. Mas observa-se, de facto, que a volatilidade do maior ativo que é a bitcoin tem sido menor com o passar do tempo. À medida que vai amadurecendo, é expectável que tenha menos volatilidade, mas terá sempre mais volatilidade [em relação a outros ativos].
E até onde a bitcoin poderá valorizar depois de ter atingido os 100 mil dólares?
Tudo é possível. Não gosto de fazer previsões. É difícil ter uma bola de cristal, mas a verdade é que também muito poucos acreditavam que a bitcoin atingia os 100 mil euros por unidade no final do ano e efetivamente atingiu. Gosto mais de me focar no valor e na expansão de mercado.
No banco e na Bison Digital Assets encaramos isto como um ativo. Como outros ativos, tem os seus momentos, depende de muitos fatores macroeconómicos. A bitcoin tem características muito especiais, em algumas situações assemelha-se ao ouro por não ser propriamente dependente de uma geografia em particular, ou de hum estado ou instituição. Mas o que vemos é a expansão, não numa linha reta, não numa tendência exponencial para cima. Terá os seus ciclos, mas acreditamos que continuará a expandir. Vemos isso em números de utilizadores: continua a crescer o número de developers e de valores de investimento em projetos associados à blockchain. Acreditamos que nesta nova era, agora também com regulação, que haja um crescimento sustentável, se calhar não tão pronunciado, mas em contínuo crescimento.
O facto de a Bison Digital Assets estar associada a um banco traz algum tipo de vantagem em relação a outros prestadores de serviços de criptomoedas cá em Portugal?
Claramente que sim, especialmente nesta nova era de regulação. Os bancos são regulação, os bancos conhecem muito bem a regulação, gostam de fazer este caminho de regulação…
Muitos investidores gostam e investem em criptoativos porque não têm regulação…
Existem muitos tipos de clientes. Parte da nossa missão passa por explicar o que é que estamos a fazer. Observámos, ao longo destes anos, que temos muitos clientes que percebem precisamente o valor que nós estamos a acrescentar neste espaço. Alguns entraram por essa razão, mas eu diria que rapidamente se apercebem que também têm de ter alguma ligação com o mundo real. De nada serve sermos ricos em ativos digitais para depois não podermos utilizar na vida real e para isso é preciso uma ponte. E as instituições financeiras têm um papel muito relevante a fazer aqui nessa vertente, absorvendo com naturalidade a regulação e abstraindo um bocadinho tudo isso para o consumidor final.
De nada serve sermos ricos em ativos digitais para depois não podermos utilizar na vida real e para isso é preciso uma ponte. E as instituições financeiras têm um papel muito relevante a fazer aqui nessa vertente, absorvendo com naturalidade a regulação.
Preocupa o atual vazio regulatório cá em Portugal depois do atraso na implementação do regulamento europeu, MICA, na legislação nacional?
Não nos preocupa porque não consideramos que haja um vazio. O Banco Portugal emitiu um esclarecimento no início do ano dizendo que continua tudo igual para as instituições que tinham uma licença até 31 de dezembro e todos os serviços que estavam autorizados a prestar. Não há aqui um vazio desse ponto de vista, nada mudou hoje face àquilo que fizemos o ano passado. Continuamos a ter um regulador, continuamos a ter as nossas obrigações, nomeadamente em prevenção do branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo. Há regulação, ela existe.
É verdade que está em vigor uma regulação muito mais abrangente e que foi muito elogiada pelo mundo, que já entrou em vigor. Em Portugal, tem de ser implementada em legislação nacional, o que está sob apreciação do governo. Há um período de transição, tipicamente, varia entre seis a 18 meses…
O que espera da transposição do MICA para a nossa realidade?
Será uma transposição bastante normal. Há alguns passos naturais que têm de ser dados, esta transposição para lei irá também clarificar quem é que tutela as áreas do MICA entre os nossos reguladores. Nós estamos perfeitamente confortáveis com isso, já fizemos o nosso percurso também de análise do MICA. Estamos preparados para, assim que essa proposta legislativa seja finalizada, iniciarmos o nosso processo. Estamos confortáveis com qualquer decisão, mas é uma situação um bocadinho chata para novos prestadores que neste momento queiram iniciar o seu processo de licenciamento e não podem porque têm de ficar à espera. Estamos em crer que será uma questão de umas semanas, poucos meses, no máximo.
Como é a relação da Bison Digital Assets com o Banco de Portugal?
É uma relação muito construtiva.
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Do lado do Banco de Portugal veem com bons olhos um banco tradicional aventurar-se no mercado dos criptoativos?
Não quero falar em nome do regulador, mas a perspetiva que nós temos é que, de facto, foi construtivo e positivo para ambos os lados. É um caminho de mãos dadas com o regulador, em que o regulador vê em nós um player diferente, que sabe o que é que o regulador quer com as suas regulações, ao contrário de eventualmente outros prestadores de serviços que não estavam habituados a tanta regulação ou tantos requisitos.
Naturalmente, são muito diligentes, muito exigentes nas questões que nos colocam, nas obrigações que nos colocam. Mas foi uma jornada construtiva, de braço dado com o regulador e o mesmo se vai passar com esta nova regulação do MICA.
Portugal ainda é um país crypto friendly?
Portugal é um país crypto friendly de uma perspetiva muito orgânica. O facto de sermos o único banco, por exemplo, nesse aspeto, se calhar já não será tão crypto friendly. Seria mais crypto friendly se existissem três, quatro ou assim. Mas acreditamos que isso vai acontecer.
Podemos ter mais bancos a entrarem neste mercado?
É o caminho natural. Não só em Portugal. Nos EUA, por exemplo, com a perspetiva de haver clareza de bancos entrarem nesta área e já tivemos algumas declarações de CEO de grandes bancos dos EUA a dizer que estão preparados para assim que existirem condições, acho que isso é um caminho natural, necessariamente. Ficaria muito surpreendido se estivermos a falar daqui a cinco ou dez anos, olhando sempre numa perspetiva temporal significativa, e reverter [esta tendência] em termos de bancos trabalharem com criptoativos.
No caso dos ETF nos EUA, os ativos sob gestão de um ETF que bateu todos os recordes não estão em nenhum banco e fazem parte do sistema financeiro e de uma volumetria muito grande de operações que acontecem. Eu acho que é natural que os bancos entrem neste mercado também.
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“É um caminho natural” mais bancos apostarem nos criptoativos
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