Emília Vieira, CEO da Casa de Investimentos, revela como é gerido o PPR mais rentável do mercado e alerta para a falta de transparência e para o oportunismo da indústria financeira.
O Save & Grow PPR, gerido pela Casa de Investimentos, destacou-se mais uma vez no panorama financeiro nacional, alcançando uma valorização superior a 23% em 2024. Este desempenho consolidou a sua posição como o melhor fundo nacional de ações mundiais e o Plano Poupança-Reforma (PPR) mais rentável do mercado pelo segundo ano consecutivo.
A Nvidia, gigante tecnológica no centro da revolução da inteligência artificial, foi novamente o ativo que mais contribuiu para os ganhos do fundo, num ano marcado também por cinco fechos de posições e a entrada de dois novos títulos na carteira, como Emília Vieira, gestora do Save & Grow PPR relata em detalhe numa grande entrevista ao ECO.
No contexto da indústria de gestão de ativos, os PPR continuam a ser dos produtos financeiros mais populares entre os portugueses, apesar do persistente parco desempenho apresentando pela vasta maioria. Os benefícios fiscais que estes produtos oferecem ajudam a alimentar essa popularidade. A indústria financeira sabe disso e tira proveito disso mesmo. Mas não só.
“Há um grande aproveitamento da falta de literacia financeira dos portugueses”, afirma Emília Vieira, sublinhando que “80% dos PPR transferidos para a Casa de Investimentos [no últimos três anos] tiveram uma rentabilidade inferior às comissões que pagaram”. Estes dados levantam questões sobre as práticas da indústria e a necessidade urgente de maior educação financeira.
Na segunda parte desta entrevista ao ECO, a CEO da Casa de Investimentos lança duras críticas à indústria em que se insere há mais de três décadas, apontando problemas persistentes de transparência e aproveitamento da falta de literacia financeira dos investidores por parte de muitas instituições financeiras.
Não deve ser a cotação da empresa que diz se nós estamos certos ou errados. Temos de ter um conjunto de princípios e de regras pelas quais nos gerimos para estar dentro ou não num título. E a partir do momento que não são cumpridos os critérios, temos de questionar.
No ano passado, em entrevista ao ECO, referiu que queria duplicar os ativos sob gestão do Save & Grow PPR em 2024, que significaria chegar perto dos 200 milhões de euros no final do ano passado, para baixar a comissão de gestão. Esse objetivo foi conseguido?
O nosso objetivo era conseguir duplicar o valor do fundo com que fechámos 2023, que foi 79,2 milhões de euros de ativos sob gestão. Como fechámos 2024 com 167 milhões de euros, conseguimos até mais do que duplicar o objetivo. Aquilo que comuniquei no ano passado na assembleia anual de investidores de 2024 foi essa vontade de baixarmos a comissão de gestão quando chegássemos aos 250 milhões de euros. E essa é uma promessa, como todas as que fazemos, que vamos cumprir.
O desempenho de 23,4% alcançado em 2024 contribuiu significativamente para esse crescimento. Qual é o segredo da sua gestão para nos últimos dois anos o fundo ter alcançado o melhor desempenho entre todos os PPR do mercado?
Aquilo que fazemos, e fazemos bem, é termos foco no longo prazo, foco numa filosofia que tem provas dadas, investindo em negócios de qualidade excecional, praticar a filosofia de investimento em valor. Mas investir em negócios de grande qualidade e ignorar aquilo que são os movimentos de curto prazo e aproveitar recuos no mercado ou problemas esporádicos num ou noutro título para reforçar, para fortalecer a posição.
O que procuram nas empresas em que investem?
Investimos em empresas que têm retorno dos capitais excecionais, margens elevadas, balanços sólidos e boas equipas de gestão. São negócios que nos dão confiança de estarem muito bem preparados para um recuo na economia, para uma recessão — que mais tarde ou mais cedo acontecem.
E foi por não encontrarem essas características na Illumina, Estée Lauder e Masimo que decidiram vender a totalidade das posições que tinham nestes três títulos?
A decisão de vender um título para nós faz sentido quando: 1) encontramos um ativo melhor para investir, que tem mais potencial, que nos garante igualmente segurança e em que confiamos; 2) porque errámos, porque fizemos uma avaliação com uma expectativa e a realidade mostrou-nos outra, quer seja porque nos enganámos ou porque as dinâmicas de mercado e a natureza competitiva dos mercados se alteraram; 3) ou porque o título atingiu valorizações elevadas e nós vamos cortando a posição ou até sair, se for o caso.
A que se deveu o fecho destas três posições em particular que, por sinal, foram três dos cinco títulos que mais penalizaram a carteira do fundo em 2023?
No ano passado vendemos cinco posições. Vendemos Stone, que pesava 0,4% na carteira, uma posição muito pequena; vendemos Massimo com 1,5% e Estée Lauder com 1,7%. Saímos da Ansys após uma oferta de aquisição de 35 mil milhões de dólares por parte da Synopsys que ainda está a decorrer.
No caso da Masimo, o CEO e fundador da empresa, Joe Kiani, fez uma aquisição que na altura questionámos e que foi explicada, mas que depois voltou atrás e decidiu vender esse negócio. Há também uma luta com um ativista, que gerou uma guerra entre o fundador e gestor com um ativista que nos fez parar porque achamos que a empresa perdeu o foco. Estas vendas deveram-se, basicamente, porque as empresas tiveram alterações nas equipas de gestão ou porque as dinâmicas competitivas, como é o caso da Stone, se alteraram, e aquilo que nós víamos como fonte de vantagem competitiva esmoreceu, deixou de existir.
Não tenho necessidade de neste ano ter investido, por exemplo, nos futuros do petróleo ou ter investido nas criptomoedas, ou ter investido noutra coisa qualquer. As pessoas investem em coisas que nem conseguem avaliar.
Quais as razões que sustentaram a venda da Illumina, que estava na carteira do fundo desde o terceiro trimestre de 2021?
No caso da Illumina estamos a falar de uma empresa de sequenciação genética que, com os últimos desenvolvimentos, não conseguimos ver qual é a tecnologia que vai ganhar: se será o long reed (toda a sequenciação) ou o short reed, que é apenas uma parte dessa rede e onde a Illumina é mais forte e onde tem as suas receitas. Entendemos que, neste caso, ter uma posição de 0,5% em que não tínhamos a convicção nem a confiança de aumentar esta posição não fazia mais sentido mantê-la em carteira.
Foi também a falta de convicção na Estée Lauder que vos fez fechar esta posição que tinham desde o primeiro trimestre de 2022?
A Estée Lauder foi uma empresa que teve um problema grave de excesso de concentração na China, que em função do desempenho da economia chinesa em 2024 acabou por ter um impacto grande nas receitas e nas suas margens. Mas, além disso, vimos muito pouca capacidade em contornar esta situação.
Todas estas três posições — Illumina, Estée Lauder e Masimo — fecharam com perdas?
Sim, estas posições foram fechadas com perdas, embora no caso da Masimo perdas muito ligeiras, e foram perdas com muito pouco impacto na carteira, porque tinham uma posição reduzida no fundo. Mas não deve ser a cotação da empresa que diz se nós estamos certos ou errados. Temos de ter um conjunto de princípios e de regras pelas quais nos gerimos para estar dentro ou não num título. E a partir do momento que não são cumpridos os critérios, temos de questionar.
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O fundo continua a ter uma exposição significativa ao mercado chinês através de duas empresas (Alibaba e Tencent), que têm penalizado o fundo nos últimos dois anos – uma situação que também penalizou bastante os resultados da Estée Lauder em 2024 e que vos levou a fechar a posição na empresa. Continua a ver oportunidades na China e nestes títulos em particular, ou é possível vermos ambas as posições liquidadas este ano?
Isso não é expectável. A Tencent é uma empresa tecnológica excecional, a melhor empresa mundial em jogos, mas a Tencent tem muito mais que jogos. Mas uma coisa é a exposição ao consumidor chinês, que no caso da Estée Lauder era muito grande, e outra coisa é a capacidade tecnológica e competitiva da Tencent e da Alibaba no mercado global.
Continua a acreditar na economia chinesa?
A China tem estado a braços com uma grande crise no imobiliário. Estas bolhas no imobiliário são muito mais longas e duradouras que uma bolha no mercado acionista. Aliás, muitas crises tiveram justamente origem no imobiliário. E à China tem custado a digerir esta crise no imobiliário. Mas a China tem mostrado grande capacidade tecnológica. É ver o exemplo do que são os veículos elétricos e a mossa que têm feito aos construtores europeus.
Mas o fundo não tem posições em construtoras automóveis chinesas.
Sim, não temos nenhuma posição, mas o que eu quero dizer com isso é que hoje a economia chinesa, as bolsas chinesas têm uma correção muito grande. É um mercado que, no geral, está muito barato e nós vemos nestas duas empresas uma boa capacidade de recuperação e continuamos a ver capacidade para ter bons retornos nestas posições.
Face a essa visão positiva do mercado chinês, há a possibilidade de acrescentarem mais empresas chinesas em 2025 à carteira do fundo?
Não. Nesta altura não. Mas atenção, nós também temos a exposição à China pela via de outras empresas, como a Nike ou Adidas. Muitas das nossas empresas vendem na China. Mas atualmente até temos uma exposição à economia chinesa menor daquilo que é a representação da China na economia mundial e por isso não há uma preocupação excessiva com a China.
Já retirámos todo o dinheiro que investimos na Nvidia. A posição de 6% que hoje temos na empresa é sustentada apenas no crescimento, na valorização das ações ao longo deste tempo. Por que razão haveríamos de cortar as rosas e deixar os espinhos?
Do lado das compras, o fundo abriu posições em 2024 na Nike (maio) e na L’Oréal (abril), pouco tempo depois de os títulos terem sofrido correções significativas. O que vos fez considerar estas empresas como boas oportunidades de investimento?
Estamos a falar de marcas extraordinárias. A Nike é uma marca excecional que também cometeu alguns erros, como o excesso de exposição ao mercado chinês e ao consumidor chinês, e alguns erros com retalhistas que lhe valeu uma das maiores quedas na bolsa da sua história. Nós olhámos para isto como uma oportunidade porque achamos que este pode ser um investimento bom a longo prazo e já este ano reforçámos a posição em Nike.
Em 2023 e 2024, a Nvidia foi o ativo que mais contribuiu para desempenho do Save & Grow PPR. Como avalia o potencial desta empresa para 2025, considerando que somente nos últimos dois anos registou uma rendibilidade anualizada de 186% e está na carteira do fundo desde o primeiro trimestre de 2021?
Esta parece uma história simples. Quem olha para a posição que temos na Nvidia pode pensar que cavalgámos a onda de mercado, mas não é assim. Nós comprámos Nvidia em março de 2021, depois de uma openaid do Larry Summers sobre a inflação que vinha em massa, e nessa altura a Nvidia fez um recuo de cerca de 30%. Iniciámos a posição com a ideia de que se ela caísse mais 15% reforçaríamos e teríamos uma posição de 4%.
Nesse ano, a ação teve logo uma recuperação. Conseguimos, por sorte, comprar muito perto de mínimos – nós até queríamos que ela caísse mais para continuarmos a fazer posição. Entretanto, até final do ano ela teve uma grande valorização, mas em 2022 a Nvidia recuou mais de 60%. Não vendemos e aguardámos porque, desde logo, a Nvidia foi fundada e é gerida por um visionário com foco no longo prazo, com foco na inovação e no reinvestimento no negócio que nos agrada muito. E tem, obviamente, grande parte da fortuna dele investida na Nvidia.
Mas hoje, depois da massiva valorização dos títulos, continua a ver o mesmo potencial na empresa?
Já retirámos todo o dinheiro que investimos na Nvidia. A posição de 6% que hoje temos na empresa é sustentada apenas no crescimento, na valorização das ações ao longo deste tempo. Por que razão haveríamos de cortar as rosas e deixar os espinhos? Para nós não faz sentido. Nos últimos cinco anos, a Nvidia passou de uma empresa com receitas trimestrais de 2,3 mil milhões para mais de 30 mil milhões de dólares. Portanto, a empresa cresceu receitas mais do que dez vezes. A empresa aumentou os lucros de forma extraordinária. A empresa tem hoje produtos que toda a infraestrutura da inteligência artificial precisa. E, curiosamente, a Nvidia transaciona hoje a múltiplos mais baixos do que o fazia há três ou quatro anos. Por isso, não vemos razão para, nestes níveis atuais, reduzir a nossa posição na empresa.
E para reforçar?
Para reforçar também não. Estamos confortáveis com a posição que temos atualmente. Se a Nvidia pode duplicar de preço? Pode, mas também opera num setor muito mais sujeito a disrupção. Portanto, para nós, ter uma posição de cerca de 6% na Nvidia — e nós já fizemos pequenos ajustes na posição –, continua a fazer sentido.
Apesar de mais um ano de ganhos, o fundo não bateu o seu benchmark. Aliás, desde o seu lançamento, a 1 de outubro de 2019, que apresenta uma rendibilidade anualizada abaixo do seu índice de referência. Porquê?
Para nós, só as melhores empresas servem. Eu, Emília Vieira como investidora e com três décadas e meia de experiência, não tenho necessidade de todos os anos ter o ativo que mais sobe no ano. Eu quero ter a melhor performance possível que me deixa tranquila com a forma como o meu dinheiro e o da minha família está investido ao longo de um período alargado. Não tenho necessidade de neste ano ter investido, por exemplo, nos futuros do petróleo ou ter investido nas criptomoedas, ou ter investido noutra coisa qualquer. As pessoas investem em coisas que nem conseguem avaliar.
Mas olhando para o histórico da Casa de Investimentos, nomeadamente através das carteiras de gestão discricionária desde 2010, continuam a não bater o mercado.
A Casa de Investimentos bateu o mercado entre 2010 e 2016, com uma rentabilidade média na casa dos 16% por ano. Contudo, à medida que a Casa de Investimentos cresceu, aumentou também o número de clientes que não têm carteiras 100% expostas a ações. Há clientes que têm carteiras mistas. Portanto, a rentabilidade média anual de 8,3% líquido para os clientes nas carteiras de gestão individuais, onde os clientes têm uma comissão de IVA que encarece esta gestão, desde novembro de 2010 inclui carteiras que estiveram investidas pelo menos 75% em ações, mas poderia ser 80% em ações e 20% em obrigações.
Mas a ideia é continuar a ter um desempenho abaixo do benchmark?
A nossa expectativa, no fundo PPR, é que a rentabilidade seja melhor porque é uma conta única. Nós também cometemos erros e assumimos isso nas nossas assembleias anuais com os clientes, mas a estrutura do fundo é muito mais vantajosa em comparação com as carteiras discricionárias, primeiro do ponto de vista fiscal e depois porque é uma conta única que nesta altura tem já quase 180 milhões de euros de ativos sob gestão que nos permite ter melhores condições de transação.
Acredita que o fundo Save & Grow PPR irá bater o mercado num horizonte temporal de 10, 20 e 30 anos?
A nossa perspetiva é que isso aconteça. O fundo tem uma rentabilidade líquida de 12,6% líquida anualizada desde o lançamento a 1 de outubro de 2020. Nós só queremos investir nas melhores empresas, e se investirmos em 25 a 30 dos melhores negócios globais, o tempo vai mostrar que temos razão. Nós somos um parceiro de longo prazo que também se preocupa em informar os nossos clientes com comentários mensais sobre a gestão do fundo, com uma carta trimestral, com uma assembleia acionista que este ano vai decorrer no dia 22 de Fevereiro, para prestarmos contas.
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Apesar de 2024 ter sido um ano positivo para a generalidade dos PPR, a grande maioria destes produtos continua a apresentar rendibilidades muito abaixo da inflação e retornos abaixo dos Certificados de Aforro a três, cinco e dez anos. Os PPR ainda são uma boa solução para a reforma?
É muito difícil poupar porque nós ganhamos mal em Portugal. É difícil poupar, e aquilo que posso dizer é que me parece haver um grande aproveitamento da falta de literacia financeira das pessoas e da falta de capacidade que as pessoas têm de avaliar estas coisas. Muitas vezes nós atribuímos muita coisa à inércia, e eu sou das que atribui muita coisa à inércia, mas muitas vezes também é o medo que as pessoas têm de arriscar. E nós não temos propriamente uma cultura de risco no nosso país. Isso entristece-me imenso, parte-me o coração ver a poupança, porque estamos a falar de PPR. Estamos a falar de cerca de 20 mil milhões de euros em Portugal. É muito dinheiro que está a ser mal gerido há muito tempo, há décadas.
Recentemente, a Casa de Investimentos fez um estudo com base em 2.683 transferências de PPR recebidas de outras instituições financeiras entre janeiro de 2021 e setembro de 2024 que apontava para que cerca de um em cada três PPR perdem dinheiro. O que é que estes números dizem da indústria?
Os PPR são a melhor conta de poupança a longo prazo pelos benefícios fiscais que têm. No entanto, o nosso estudo, embora seja uma amostra pequena de 2.683 PPR, revela que cerca de 29% dos PPR perdeu dinheiro. Alguns deles estiveram investidos 30 anos.
Vídeo “Aproveitamento da iliteracia financeira dos portugueses”
Os PPR são um bom produto fiscal, mas os dados históricos mostram que são um mau produto financeiro.
Exatamente. E descobrimos outra coisa: muitos dos PPR que perderam dinheiro eram de capital garantido. Esta é uma coisa que me deixa estupefacta, porque a maior parte das pessoas não sabe em que data é que lhes é garantido aquele dinheiro e se é mesmo garantido. Isto é um ponto que as pessoas devem observar quando subscrevem um PPR. Mas descobrimos ainda outra coisa: 80% dos PPR transferidos para a Casa tiveram uma rentabilidade inferior às comissões que pagaram. Portanto, a nossa constatação é que este dinheiro poupado ao longo das décadas esteve apenas a pagar comissões e a trabalhar para a indústria financeira, quando o maior beneficiário do dinheiro deveria ser quem poupa. Isto não deve passar despercebido a ninguém. É preciso agir sobre isto.
Há por isso um aproveitamento das instituições financeiras da falta de literacia financeira da generalidade da população?
Sim, há um grande aproveitamento da falta de literacia financeira dos portugueses. Repare no seguinte: a rentabilidade média anualizada de todos os PPR analisados no nosso estudo foi de 1,16% nos últimos 10 anos. Apenas 1,16%. Ainda recentemente, chegou-nos um PPR que esteve investido desde 29 de dezembro de 2002 e chegou à Casa de Investimentos no dia 17 de janeiro com uma rentabilidade de 0,022% ao ano desde que foi construído.
Refere-se a uma rendibilidade nominal?
Sim. A maior parte das pessoas não consegue identificar a diferença entre rendimentos reais e rendimentos nominais, e nós temos de ver que, em média, nos últimos dez anos tivemos uma inflação de 2,1%. Portanto, se tivermos o nosso dinheiro com uma rentabilidade líquida inferior à inflação, significa que perdemos dinheiro. Portanto, vem aí segunda parte da história que as pessoas e a indústria de PPR não quer ouvir. Como a esmagadora maioria dos PPR, que são produtos de longo prazo, e por isso estariam mais seguros investidos em ações do que em obrigações como estão hoje, vão continuar a perder dinheiro porque as taxas de juro estão a cair na Europa, já vemos as curvas de rendimento invertidas.
Há muita falta de transparência. Não acho concebível que a pessoa não possa ter acesso a um extrato completo de como o seu dinheiro está a ser investido, que produtos tem. Sabendo ou não avaliar, pelo menos pode recorrer a alguém que o ajude a saber se aquilo está bem ou não. (…) A falta de transparência ajuda a esconder comissões, a esconder erros… ajuda a que nada funcione bem.
Considera que existe uma perceção errada do que é um ativo arriscado, seguro ou volátil por parte dos investidores?
Um ativo que não varia de preço pode ser muito mais arriscado do que um ativo que varia. E é isto que as pessoas têm de saber, a diferença entre o que é risco e o que é volatilidade, porque são coisas muito diferentes.
Dê-me um exemplo.
Há várias definições de risco e eu gosto particularmente da definição de Elroy Dimson, um dos autores do “Triunfo dos Otimistas”, que diz que “o risco é a probabilidade de mais coisas acontecerem do que na realidade acontecem”. Mas há uma ideia que nós praticamos na Casa: o risco é probabilidade de perda permanente de capital. A volatilidade é a variação de cotação. Tomemos como exemplo a minha casa, em que a sua cotação não varia todos os dias porque não tem uma cotação diária. A cotação das ações da Alphabet, por exemplo, varia todos os dias porque há um mercado em que compradores e vendedores se encontram. Essa cotação depende da procura e da oferta, e do sentimento dos investidores. A nossa casa não. Mas não quer dizer que numa recessão, se precisarmos de vender a nossa casa, que ela não nos acaba por gerar muito menos dinheiro do estávamos à espera.
A aversão ao risco por parte dos portugueses é o maior entrave na gestão do dinheiro?
Nós temos vários problemas. Os nossos investidores são investidores pequenos e não têm capacidade negocial para negociar uma taxa de depósito. Os nossos bancos foram os primeiros a baixar taxas quando elas caíram e são sempre os últimos a subir quando elas sobem. É por isso que continuamos a ver que os investidores em Portugal têm o hábito de dizer que são muito conservadores. Eu rejeito essa ideia do “investir conservador”, porque a indústria financeira preferiu agir de uma forma que passa por colocá-los numa de três caixas diferentes: investidores conservadores, moderados e agressivos. Os conservadores só têm investimentos de taxa fixa.
E foi por isso que em 2022, quando os bancos centrais iniciaram uma política monetária contracionista, marcadamente por uma subida repentina das taxas de juro, grande parte dos PPR perdeu dinheiro nesse ano, sobretudo os mais conservadores?
Esse ano foi um exemplo de que muitas vezes as pessoas estão a investir em coisas que têm muito mais risco do que acham que tem. A verdade é que muitos investidores dos PPR em Portugal não foram avisados de que estavam investidos em obrigações de maturidades longas, que fez com que a subida das taxas de juro em 2022, por causa da inflação, provocasse uma queda desses ativos. Houve obrigações de países que recuaram 30%, 40%, 50% ou mais.
Os investidores não sabem disso, não apenas por inércia da sua parte em manter-se informados, mas também porque muitos dos PPR comercializados no mercado não disponibilizam informação da discriminação dos ativos no portefólio dos PPR.
Justamente. Há muita falta de transparência. Não acho concebível que a pessoa não possa ter acesso a um extrato completo de como o seu dinheiro está a ser investido, que produtos tem. Sabendo ou não avaliar, pelo menos pode recorrer a alguém que o ajude a saber se aquilo está bem ou não. Agora, mandar uma carta anualmente com um número não é suficiente, e muitas vezes sem sequer com a rentabilidade anual. Isso não é suficiente. Nós somos mesmo muito adeptos de transparência. Primeiro, é uma obrigação. Nós estamos a gerir o dinheiro dos outros. O dinheiro pode dar-nos liberdade financeira, liberdade para o futuro ou tirá-la se não o tivermos. É uma coisa muito importante na vida das pessoas. A transparência é importante até para criar a tal relação de confiança. Mas, independentemente de tudo isso, é o dinheiro de cada um. Tem de haver transparência
Considera que, nos últimos anos, a indústria tem melhorado em matéria de transparência ou não?
Não vejo melhoras nenhumas. Todos os dias no nosso site temos o número de clientes, tínhamos a cotação diária – hoje não temos porque o regulador entende que devemos seguir as orientações da ESMA em que só deve estar a rentabilidade do último trimestre. Eu gosto muito do que faz o Fundo Soberano da Noruega que disponibiliza ao segundo a sua cotação. Eu acho essa transparência fenomenal, porque isso ajuda a criar confiança nas pessoas. Permite às pessoas entenderem melhor esta mecânica dos mercados acionistas, de como são temperamentais, de como reagem tanto ao medo e à ganância e fazem com que as cotações variem. Essa transparência deve ser uma obrigação, deve ser fundamental. Estamos a falar do maior fundo soberano do mundo. Estamos a falar de um fundo com uma política de compliance, transparência e de comunicação absolutamente clara, que eu admiro, que gostava que também o nosso fundo da Segurança Social o fizesse, por exemplo. E as instituições financeiras igual. A falta de transparência ajuda a esconder comissões, a esconder erros…ajuda a que nada funcione bem.
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“Há um grande aproveitamento da falta de literacia financeira dos portugueses”
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