“Maior instabilidade representa um desafio acrescido para a função de CFO”

Miguel Bragança, Chief Financial Officer do BCP, explica os desafios que se colocam à sua função no atual contexto, reforçando as estratégias que os CFO devem seguir para compensar a instabilidade

Há um ano, Miguel Bragança venceu o prémio de Chief Financial Officer do ano nos Investor Relations and Governance Awards, da Deloitte. Agora, na 37.ª edição, está novamente na shortlist final, exatamente num período em que a instabilidade nos mercados representa novos desafios para a função de CEO. Em entrevista por escrito ao ECO — parceiro dos IRGAwards — detalha as estratégias que podem ser seguidas para dar mais estabilidade às organizações, num mundo cada vez mais rápido e mais complexo.

Estamos a viver um ciclo de grande instabilidade geopolítica e económica. Como se gerem ciclos de financiamento, que têm uma lógica de médio/longo prazo, com tanta incerteza e tantos choques num curto espaço de tempo?

Temos vivido ao longo dos últimos anos momentos desafiantes por via da instabilidade geopolítica e da pandemia, as quais geram incertezas sobre a evolução das principais economias mundiais. Este contexto de grande incerteza e volatilidade tem condicionado a atividade das empresas e o crescimento económico, com impacto na previsibilidade de indicadores futuros, nas taxas de juro, no custo e acesso aos mercados de capitais e, no geral, na tomada das decisões estratégicas. Em cenários de incerteza acrescida, adotar uma abordagem estruturada e prudente é fundamental para garantir a resiliência e a sustentabilidade das organizações. Nessas situações, tornam-se particularmente críticas as análises de cenários, a manutenção duma estrutura de capital conservadora, o aproveitamento das “janelas” de mercado, e a comunicação transparente, fiável e contínua com os investidores.

O desenvolvimento de cenários permite que as empresas visualizem diferentes futuros plausíveis, identifiquem oportunidades e sobretudo riscos, de forma a desenvolver preventivamente respostas estratégicas adaptativas. Ao identificar riscos e considerar múltiplos cenários, a organização pode antecipar mudanças no ambiente externo, preparando-se para as mesmas e como tal, reduzindo a exposição e mitigando os possíveis impactos negativos, contribuindo consequentemente para a resiliência e capacidade de adaptação organizacional.

Essa análise de cenários e antecipação dos riscos tende a recomendar, num cenário de maior incerteza, uma estrutura de capital e de financiamento mais conservadora, com maior proporção de recursos próprios e dívida de longo prazo, permitindo desta forma a preservação do capital e da liquidez e reduzindo consequentemente a vulnerabilidade da empresa nos cenários mais adversos.

Num cenário de maior incerteza, o acesso a essas fontes de capital e financiamento tende a escassear, pelo que é fundamental priorizar a captação destes recursos nas situações em que estes estejam disponíveis a custos razoáveis versus tentar encontrar o momento que permita minimizar o respetivo custo. Com maior instabilidade, a solidez e a resiliência organizacionais ganham maior relevância em relação à minimização de custos financeiros de curto prazo.

Nesta situação, a comunicação transparente, fiável e contínua com os diferentes stakeholders e particularmente acionistas e financiadores é ainda de maior importância, de forma a mitigar os efeitos das assimetrias de informação, com benefícios claros na capacidade de acesso aos mercados e nos respetivos custos. Assim, combinar análise de cenários, estrutura de capital conservadora, capacidade de aproveitar as oportunidades de mercado logo que estas surgem e comunicação transparente e contínua fortalecem a capacidade de resposta e a solidez das empresas em tempos de incerteza.

O foco na identificação de riscos e no desenvolvimento de cenários, leva à necessidade das organizações de desenvolver uma capacidade mais ágil de planeamento e de controlo, incluindo de indicadores financeiros e não financeiros

Miguel Bragança

CFO do BCP

De que forma esta instabilidade tem impactado diretamente a sua função?

A instabilidade traz exigências adicionais às equipas e, em particular, ao papel que o CFO desempenha numa organização. São exemplos disso as dificuldades acrescidas nos processos de planeamento e controlo, devido à maior imprevisibilidade da evolução das variáveis críticas de negócio, a gestão de riscos, com o desenvolvimento de mecanismos adicionais de mitigação e de deteção antecipada de alterações e o nível de exigência na comunicação com os vários stakeholders, que tem de ser ainda mais célere e eficaz, garantindo que todas as partes envolvidas estejam bem informadas sobre potenciais impactos decorrentes da maior imprevisibilidade.

Assim, a maior instabilidade representa um desafio acrescido para a função de CFO a vários níveis.

O acompanhamento da atividade, a qualidade de dados, a seleção, o controlo e sobretudo a interpretação dos indicadores de desempenho organizacional revestem-se duma criticidade, mas também duma complexidade acrescida. Mudanças estruturais geram alterações nas relações causa-efeito e consequentemente necessidade de revisão dos dados e indicadores críticos, das prioridades, dos planos e frequentemente de algumas decisões.

Tal reflete-se numa dificuldade acrescida do acompanhamento e controlo da atividade e num desafio contínuo para assegurar a qualidade das decisões da organização, sobretudo as mais críticas e estratégicas. Para tal, uma cultura contínua de “desafio ao status quo”, de interrogação sobre os impactos possíveis das decisões, sobretudo nos cenários mais negativos, é fundamental. Todos podemos cometer lapsos. Todavia, é fundamental garantir, particularmente nos cenários de maior instabilidade, em que se alteram radicalmente algumas referências do passado, que não são cometidos erros (por inércia ou por ação) que afetem de forma irreversível a solidez da organização e que, sempre que possível, sejam capturadas algumas oportunidades associadas à mudança.

O foco acima referido na identificação de riscos e no desenvolvimento de cenários, leva à necessidade das organizações de desenvolver uma capacidade mais ágil de planeamento e de controlo, incluindo de indicadores financeiros e não financeiros, com um impacto direto na carga, processos e organização da função financeira, que não pode ser minimizada.

Esse planeamento dinâmico, como referido, deve abranger não só revisões dos cenários base, como também planos de contingência: antecipar cenários adversos, incluindo a identificação, avaliação e mitigação de riscos estratégicos comerciais, financeiros, operacionais, de mercado e de conformidade e criar planos de resposta é um elemento essencial desse exercício.

A comunicação contínua da empresa, aplica-se, no caso do CFO, com particular acuidade, à comunicação com a comunidade financeira, incluindo investidores de capital, dívida, agências de rating, participantes de mercado e sobretudo supervisores. Deve haver um esforço adicional de comunicação dos efeitos esperados na situação económico-financeira dos diferentes cenários possíveis. Tal tem impactos acrescidos em termos de ciclos de comunicação mais intensos e curtos e de revisão das variáveis a serem comunicadas, como sejam análises de sensibilidade.

Como referido acima, a capacidade de garantir que a empresa está preparada para aceder a qualquer momento ao mercado é fundamental. Tal reflete-se na celeridade dos ciclos de fecho de contas e contínua preparação dos processos de emissão, no desenvolvimento da relação contínua com investidores e, sobretudo na preservação do capital de confiança.

Com que cenário estão a trabalhar em termos de evolução das taxas de juro e das condições de financiamento em sentido lato?

O BCP elabora as suas projeções com base em diversos indicadores, entre os quais, variáveis macroeconómicas e indicadores relevantes para o negócio bancário.

No final de outubro de 2024 o BCP apresentou ao mercado o Plano Estratégico para o quadriénio 2025-2028 tendo por base projeções de várias instituições internacionais, bem como as suas previsões internas. Assim, considerámos no Plano designado por Valorizar, a convergência da inflação para níveis próximos de 2% e a evolução das taxas de juro de referência da zona euro para um patamar também próximo da normalização, i.e. para o que muitos designam pela taxa de juro natural.

De qualquer forma, nos diferentes de processos de planeamento para cenários base, o BCP tende a utilizar as taxas de juro implícitas nas forwards a cada momento, até pela teoria económica indicar que as mesmas são estimativas não enviesadas das taxas futuras. Nos outros exercícios de projeção, como sejam cenários otimistas ou de stress, são utilizadas taxas e custos de financiamento consistentes com os pressupostos macro-económicos implícitos nos mesmos. Em todo o caso, neste momento, seja a margem financeira, seja o custo de risco do BCP estão com uma sensibilidade historicamente relativamente reduzida a variações de taxa de juro.

No entanto, temos bem presente que poderemos assistir a alguma volatilidade no curto prazo devido a fatores exógenos, como por exemplo o impacto das tarifas comerciais, pelo que o BCP tem vindo a robustecer a sua resiliência ao acumular capacidades e recursos estratégicos, operacionais e financeiros, que ficaram evidentes na respetiva resposta a contextos significativamente adversos, como os que se viveram durante o período alargado de taxas de juro negativas e de incerteza. Assim, seja pela posição de capital , seja de liquidez, seja modelo de negócio, o BCP encontra-se numa situação de forte solidez , que lhe permite encarar com tranquilidade mesmo situações de ciclo económico ou de financiamento mais adversas.

Um CFO no mundo moderno está fortemente envolvido na preparação e desenvolvimento da estratégia de médio e longo prazo

Miguel Bragança

CFO do BCP

Sendo o tema desta edição dos IRGAwards a evolução e a mudança, que papel podem ter os CFO enquanto agentes de mudança dentro das organizações?

Atualmente, vivemos num ambiente de constante evolução e mudança. Os CFO, devido à sua visão abrangente simultânea das organizações e do mercado financeiro, desempenham um papel crucial como agentes de mudança, garantindo que a mesma está genuinamente alinhada com os desenvolvimentos do macro-ambiente externo e que é sustentável a curto, médio e longo prazo, ao acrescentar estruturalmente valor para os diferentes stakeholders e ao contribuir para a robustez do modelo de negócio e resiliência da organização.

Assim, um CFO no mundo moderno está fortemente envolvido na preparação e desenvolvimento da estratégia de médio e longo prazo, identificando, entre outros, tendências, oportunidades e riscos, tentando refletir os mesmos em planos e projeções de cenários consistentes, que incluam a otimização da afetação de recursos financeiros, humanos e tecnológicos.

Para assegurar o sucesso dessa mesma estratégia, a função de acompanhamento e controlo da respetiva progressão e do desempenho organizacional, através de indicadores quantitativos e qualitativos, em particular das iniciativas mais estruturais, também se revela fundamental para atingir os objetivos definidos, assim como para interpretar as causas de eventuais desvios e necessidades de revisão. Mudanças bem-sucedidas dependem de incentivos corretos e de uma comunicação eficaz. Os CFO devem ter um especial foco no desenvolvimento dos KPI, que sejam a cada momento mais relevantes e na sua articulação com o sistema de incentivos.

Também se revela crítica a capacidade de comunicar de forma clara os efeitos decorrentes das mudanças em curso, garantindo uma articulação entre a comunicação interna e externa, sobretudo com os agentes de mercado financeiro e supervisores, garantindo um alinhamento na implementação da estratégia delineada.

Desta forma, o CFO deve contribuir para uma cultura de transformação, inovação e desafio, com foco na geração de valor, no equilíbrio entre o desempenho a curto e a longo prazo e na resiliência organizacional, de forma que as organizações estejam preparadas para aproveitar oportunidades emergentes e para desafios de contextos adversos.

Em suma, os CFO devem ser os garantes da resiliência e da geração sustentada de valor pelas organizações, contribuindo, em equipe, para a adaptação bem-sucedida das mesmas a um ambiente em constante transformação.

Com a evolução dos temas de ESG, este elemento ganha maior peso nas decisões de investimento?

Conforme referi no ano passado, os temas ESG são extremamente importantes para as instituições, não podendo ser considerados apenas como um tema regulamentar.

A preocupação das empresas com questões ambientais, sociais e de governance deve ser encarada simultaneamente como uma necessidade e uma oportunidade para o desenvolvimento sustentável, gerando responsabilidades acrescidas particularmente no caso do sistema financeiro, dadas as funções que lhe foram atribuídas pelo poder político em termos de afetação de recursos financeiros à transformação do modelo económico. Acresce que temas ESG são cada vez mais relevantes nas decisões dos investidores institucionais, cada vez mais atentos às políticas de ESG das organizações em que investem com o objetivo de mitigar riscos, garantir melhores retornos a longo prazo e contribuir para a sustentabilidade do nosso modelo económico-social.

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