• Entrevista por:
  • Ana Petronilho

“Mais depressa podemos ir fazer habitação acessível noutro país da Europa” que em Portugal

Com vários investimentos em curso, José Roquette revela que há "grandes investidores" com interesse em investir em Portugal no arrendamento acessível. Uma área em que o Pestana pode vir a investir.

O grupo Pestana – a maior empresa hoteleira do país – tem em curso vários projetos em Portugal, sobretudo na região de Troia e em Porto Covo, onde ainda quer crescer. Está ainda a construir na Praia Formosa, no Funchal, os 88 apartamentos em parceria com Cristiano Ronaldo dos quais 70% já estão vendidos e um novo hotel CR7 em Paris que conta com um investimento de 60 milhões. Mas todos estes projetos não impedem José Roquette – um dos braços direitos de Dionísio Pestana – de olhar para o mercado de arrendamento acessível, o chamado build to rent, um mercado que, ao contrário do que acontece nos países europeus, não existe em Portugal por “uma questão completamente ideológica”, porque “não se quer dar ao senhorio as garantias que tem de ter no caso, por exemplo, de um inquilino não pagar a renda durante dois ou três meses”.

Até porque, sublinha José Roquette, há interesse de promotores estrangeiros em investir nesta área no país. Em entrevista ao ECO, o administrador pela área de desenvolvimento do grupo Pestana revela que já foram “contactados por um número enorme de grandes investidores internacionais”, como “grandes fundos de pensões”, que “dizem que gostavam de construir três mil apartamentos” no país. Mas sem “maiores incentivos fiscais”, como por exemplo a isenção de IVA para a construção de habitação acessível, estes investidores acabam por investir em outros países.

E esta é uma área que está a despertar o interesse do grupo Pestana, tendo em conta que a habitação “tem a grande vantagem de dar um rendimento estável. A hotelaria é mais cíclica”, vinca Roquette, que lembra que a partir do momento em que o grupo Pestana consegue construir dois hotéis em Nova Iorque, por exemplo, não existem para a empresa “grandes medos ou grandes receios de avançar para projetos fora”.

Além disso, investir em habitação acessível “poderia fazer sentido” na lógica “de diversificação do grupo”. Mas essa pode vir a ser uma realidade do grupo no estrangeiro. “Mais depressa podemos ir fazer habitação mais acessível noutro país da Europa, onde existe esse contexto que dá segurança ao investidor. Gostávamos de ter em Portugal, porque é onde temos a nossa credibilidade e a nossa base, mas não parece ser possível”, remata o administrador.

José Roquette, administrador responsável pela Área de Desenvolvimento do Grupo Pestana, em entrevista ao ECOHenrique Casinhas/ECO

Anunciaram no ano passado o lançamento da marca CR7 no imobiliário, na Praia Formosa, no Funchal, com 88 apartamento. Já arrancaram as construções?

A parceria com o Cristiano Ronaldo é fundamentalmente na área hoteleira. Temos os hotéis, já cinco hotéis em funcionamento e um sexto hotel em construção, em Paris. Naturalmente, da relação entre Dionísio Pestana e ele, como empresários, nascem outras coisas. Esta área imobiliária não vai ser inserida na marca Pestana CR7. É uma parceria entre dois investidores, que já são sócios no negócio hoteleiro e que agora encontraram uma forma de cruzar os seus interesses na parte imobiliária. É um projeto que está numa fase inicial, mas com uma grande procura.

Mas as obras já arrancaram?

Já. Esta primeira fase arrancou há cerca de seis meses.

Quando vai chegar ao mercado?

No fim do próximo ano, provavelmente.

Há vendas fechadas?

Está muito vendido. Cerca de 70% está vendido. E esse tem sido um dos pontos fortes da nossa estratégia na área imobiliária, que é, a par da competitividade do preço, a credibilidade do grupo dá a possibilidade de se venderem em planta. É o sonho de qualquer promotor imobiliário. Temos conseguido isso, por força, acredito, da qualidade das localizações, mas também da credibilidade do investidor, que acredita mesmo que aquele projeto vai acontecer.

Quem está a comprar os apartamentos CR7? São portugueses?

Muitos portugueses e muitos residentes na Madeira que percebem que aquele lugar é um dos melhores lugares para morar no Funchal. Temos também bastantes estrangeiros, há muitos sul-africanos que compraram.

Qual é o preço de um T3?

À volta de 500 mil ou 600 mil euros, a partir desses valores.

Excluindo Algarve e Costa Alentejana, em que outras zonas do país podem vir a investir?

Não sobram muitas mais.

No interior, não?

Não. Diria que vamos continuar este caminho. Vamos continuar a olhar para a Costa Alentejana com ambição. E temos a perfeita noção que a nossa presença no Algarve também ainda pode ser reforçada nesta área do turismo residencial. Portanto, o foco vai ser nestas duas regiões, ainda. Não vamos inovar muito. Aí vamos manter o crescimento.

Porque não no interior? Houve um aumento da procura nestas zonas com a pandemia…

Sim, mas em termos de números é pouco expressiva. Houve uma procura, mas não tem esse volume. E depois Portugal tem esta particularidade, é um país pequeno e a atração pelo litoral é enorme. Para as pessoas não faz muito sentido andar à procura do interior quando o litoral é tão diversificado e acessível.

Vamos continuar a olhar para a Costa Alentejana com ambição. E temos a perfeita noção que a nossa presença no Algarve também ainda pode ser reforçada nesta área do turismo residencial

José Roquette

Administrador responsável pela área de desenvolvimento do Grupo Pestana

Está nos planos lançar projetos imobiliários no estrangeiro?

Nesta área imobiliária, ainda não. Fizemos um primeiro projeto no Brasil há muitos anos, na Bahia, correu muito bem. A afirmação da área imobiliária está com sucesso, mas está muito ligada à força da marca Pestana. E, nesse aspeto, temos de ter alguma humildade. A força que a marca Pestana tem em Portugal, não é a mesma força que a marca Pestana tem, por exemplo, em Espanha.

Temos uma presença boa em Madrid e em Barcelona, mas em Espanha existem grandes players na área imobiliária turística. Temos de ter uma abordagem bastante mais defensiva. Ainda é cedo para começar a pensar em projetos imobiliários fora de Portugal, quando temos tanto trabalho para fazer aqui.

Mas não está descartado…

Não está descartado, mas não está na lista das prioridades.

Em relação ao ambiente que atravessa agora no país, a crise está a afetar o investimento?

É inevitável. Mas na área do turismo penso que rigorosamente nada. O desenvolvimento do turismo no país pode ser muito mais afetado pelas taxas de juro, por exemplo, do que pela situação política. A procura turística por Portugal é fortíssima desde há muitas décadas, não é rigorosamente nada influenciada pela situação política. É muito mais prejudicado, por exemplo, pela instabilidade geopolítica Internacional, como os temas de saúde ou temas de segurança.

Mas para os investidores, vem dificultar?

Sim. Porque saímos de uma década em que tivemos taxas de juro historicamente baixas. Portanto, Portugal e o mundo nunca tiveram taxas de juro tão baratas como aquelas que tínhamos até à pandemia. Ninguém pode dizer que a sua política de investimento não é afetada quando as taxas de juro eram zero e agora são 7%. Isso com certeza que vai arrefecer o investimento em geral. Mas também tem um lado positivo, tem um lado de certa forma higiénico.

Como assim?

Quando o dinheiro custa zero, a margem para fazer asneiras e projetos, que não têm sentido nenhum, é enorme. Quando o dinheiro custa um pouco mais caro, sobrevive quem sabe realmente o que está a fazer. Isto é fácil dizer, mas é difícil viver esta situação que vai separar o trigo do joio e vai separar aqueles operadores que eram meramente especulativos e que trabalhavam com 90% de dívida, dos outros operadores que tinham estratégias mais sólidas. Portanto, a longo prazo, penso que beneficia um grupo como o nosso.

Sobre as medidas do pacote Mais Habitação, o fim dos vistos gold e o fim dos residentes não habituais. Isso vai ter algum impacto no investimento?

Claro que tem. É preciso situar as coisas. Os vistos gold não representavam nem 5% das transações. No panorama geral do mercado imobiliário em Portugal, os vistos gold não tem grande impacto. Não sentimos que se está a fechar completamente a porta a este tipo de investimento.

Faz sentido a decisão do Governo?

Poderia fazer sentido subir o limite de 500 mil euros para um milhão de euros. Portugal não tem capital suficiente para se desenvolver. Não têm os privados e não tem o Estado. Portugal é um país que não acumulou capital suficiente ao longo do último século para se desenvolver. Portanto, precisamos desesperadamente do capital externo para crescer como país. Fechar portas ao capital Internacional, parece-me, sempre errado.

Então é preciso, se calhar, ser mais exigente, passando, por exemplo de 500 mil euros para um milhão de euros para os golden visa, porque não? Com um máximo rigor nas verificações do compliance de origem desses fundos. Claro que o branqueamento de capitais tem de ser sempre uma enorme preocupação, mas isso é fácil de controlar. Fechar a porta é um argumento mais político do que técnico. Mas os vistos gold são um pequeno tema no panorama imobiliário. Não me parece que seja um tema central.

José Roquette, administrador responsável pela Área de Desenvolvimento do Grupo Pestana, em entrevista ao ECOHenrique Casinhas/ECO

O que é mais preocupante?

No Mais Habitação há um tema que nos parece ser muito insatisfatório. Não afeta o nosso negócio, mas que poderia ser uma grande oportunidade de investimento, que é o mercado de arrendamento. Ou seja, Portugal precisa, sobretudo nas grandes cidades, isso é óbvio, de ter uma oferta mais acessível na área do arrendamento. Porque a classe baixa e média baixa não consegue ir à banca para comprar uma casa própria. Não tem sequer o sinal de entrada. Então se não tem, sobra-lhe o arrendamento.

Como se podia estimular o arrendamento?

Com uma lei que realmente dê segurança ao investidor privado. Para que um investidor privado invista no arrendamento de uma forma segura. Já fomos contactados por um número enorme de grandes investidores internacionais, estamos a falar de grandes mesmo, grandes fundos de pensões, que dizem que gostavam de construir três mil apartamentos.

O chamado build to rent. Um mercado que não existe no país…

Não há cá por uma questão completamente ideológica. Não há cá, porque não se quer dar ao senhorio as garantias que tem de ter no caso, por exemplo, de um inquilino não pagar a renda durante dois ou três meses. Temos grandes investidores internacionais que estão disponíveis, porque fazem isso em outros países, para chegar aqui e poder fazer um programa de três mil apartamentos com rendas acessíveis em dez anos.

Esses contactos vêm de que países?

De todo o lado. Existe o interesse, mas só vai acontecer com estabilidade no contexto legal e fiscal também. Porque devia haver incentivos fiscais maiores, bastava dizer assim, habitação acessível não paga IVA durante os próximos dez anos. Bastava fazer um programa a longo prazo e não conjuntural, que tivesse uma base que era legislação mais estável que desse segurança ao investidor. Porque não se pode esperar que seja o Estado a fazer tudo, porque o Estado não tem essa capacidade, tem falta de capital próprio. O Estado não tem, porque tem a Saúde a que tem de acorrer. Tem a Educação a que tem de acorrer. Não pode, também, construir Habitação. Não pode fazer tudo. O Estado português não tem dinheiro para fazer tudo.

Não há cá [o mercado build to rent] por uma questão completamente ideológica. Não há cá, porque não se quer dar ao senhorio as garantias que tem de ter no caso, por exemplo, de um inquilino não pagar a renda durante dois ou três meses

José Roquette

Administrador responsável pela área de desenvolvimento do Grupo Pestana

De todos esses contactos que receberam, estão a olhar com atenção para algum para avançar com algum projeto?

Não. Porque estamos a falar de grandes instituições que têm regras muito claras de funcionamento, ou as condições estão lá ou não estão. Se não estão, não há mais conversa. Nós é que temos interesse nesta área, porque a habitação mais acessível é uma área onde poderia fazer sentido investir. Mas também temos grandes reservas, porque não sentimos que o contexto legal seja suficientemente confortável. Mais depressa podemos ir fazer habitação mais acessível noutro país da Europa, onde existe esse contexto que dá segurança ao investidor.

Há essa possibilidade?

Sim. O grupo Pestana está hoje presente em 17 países. A partir do momento em que conseguimos fazer um projeto de dois hotéis em Nova Iorque, por exemplo, não temos grandes medos ou grandes receios de avançar para projetos fora. A área da habitação tem a grande vantagem de dar um rendimento estável, a hotelaria é mais cíclica. Poderia fazer sentido na lógica de diversificação do grupo ter essa peça. Gostávamos de ter em Portugal, porque é onde temos a nossa credibilidade e a nossa base, mas não parece ser possível.

Quais os países que considera mais amigos desse investimento?

Não há nada em concreto, nenhum país-alvo. É apenas uma constatação de que o nosso enquadramento não nos dá garantias suficientes. Não temos intenção de o fazer, apenas percebemos que haveria melhores condições.

Já tiveram alguma conversa com o Governo sobre o vosso interesse? Ou sobre o interesse de investidores estrangeiros?

Estamos bastante envolvidos na Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) e é através dessa associação que, em conjunto com outros operadores, fazemos chegar as mensagens ao Governo.

Não existem, então, conversas diretas com o Governo?

De forma isolada, não. Foram em conjunto com essa associação. Pensamos ser a forma mais correta.

José Roquette, administrador responsável pela Área de Desenvolvimento do Grupo Pestana, em entrevista ao ECOHenrique Casinhas/ECO

E em relação aos imóveis dos fundos de recuperação dos bancos que têm vindo a mercado e estão a ser vendidos. Alguns ainda vão ser comercializados no próximo ano. Têm interesse em algum?

Estamos sempre atentos a essas oportunidades. A razão pela qual diversificamos é para ter solidez ao longo dos ciclos económicos. Essa é uma obsessão do nosso acionista, que é mesmo nos piores momentos, como o período da troika, na pandemia, ter solidez financeira para garantir a estabilidade da organização. Mas, também, para ter capacidade de aproveitar as oportunidades que esses ciclos representam. Agora com as taxas de juro tão altas começa a haver a tal limpeza higiénica do mercado.

Quem estava muito endividado com projetos, não consegue sobreviver. Vai ter de vender. Comprámos o terreno de Porto Covo a um banco [ao Caixa Agrícola] que tinha ficado com o terreno, porque um promotor entrou em incumprimento. Isso vai acontecer. Alguns desses fundos, com certeza, também vão ter de vender ativos. Cá estaremos para avaliar as oportunidades. Ainda que já tenhamos uma concentração, do meu ponto de vista – que tenho a responsabilidade de desenvolvimento do grupo – muito grande em Portugal. Gostava de ter mais distribuição no estrangeiro. Mas aqui temos uma vantagem competitiva muito grande e não podemos perder essas oportunidades.

Há algum imóvel que estejam a negociar?

Nada, não, para já nada. Estamos atentos a tudo o que aparecer.

Quais são as vossas expectativas para o próximo ano?

Do ponto de vista turístico, continuamos com expectativas muito boas. É o essencial do nosso negócio. Se o imobiliário vale 30%, tudo o resto vale 70%. Temos perspetivas muito boas para o próximo ano. E tanto em Portugal como fora, nos outros países onde temos presença, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, temos expectativas muito interessantes. Do ponto de vista do contexto de investimento, não vai ser tão bom. Porque há contexto de alguma instabilidade internacional. Estamos a falar de níveis de taxas de juro mais altos, então vai ser um pouco mais difícil e é natural que tenhamos um pouco mais de prudência.

Mas haverá novos projetos lançados?

Haverá, com certeza. O grupo Pestana tem hoje uma escala e uma dimensão, que faz com que tenha capacidade de investimento. Não conseguimos investir todo o cash flow que geramos. Mesmo com grandes projetos em curso, estamos com um grande projeto em Paris de 60 milhões de investimento, não conseguimos investir todo o cash flow que geramos. Vamos é ser mais prudentes, porque o contexto também aconselha um pouco a mais prudência.

Há algum novo projeto que possa adiantar?

Não. Temos uma estratégia à qual tentamos ficar fiéis. O crescimento na Europa, na área hoteleira, continua a ser uma das grandes prioridades do grupo. Isso é uma coisa que irá continuar. Tem apenas ritmos que vão evoluindo ao longo do tempo em função destes ciclos. E nos Estados Unidos, onde temos dois hotéis em Nova Iorque há pouco tempo e outro em Miami, é também uma presença para crescer.

Não conseguimos investir todo o cash flow que geramos. Vamos é ser mais prudentes, porque o contexto também aconselha um pouco a mais prudência.

José Roquette

Administrador responsável pela área de desenvolvimento do Grupo Pestana

Mas há novos projetos já adiantados?

Muito adiantado, não. Mas há muitas coisas novas em estudo.

  • Ana Petronilho
  • Jornalista

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Mais depressa podemos ir fazer habitação acessível noutro país da Europa” que em Portugal

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião