Mais do que criar unicórnios, há que olhar para o ecossistema como um todo, diz presidente da Endeavor Global

"Não deveria ser um foco criar unicórnios ou apenas criar scaleups", defende Adrian Garcia-Aranyos. É preciso colocar os fundadores a ter um efeito multiplicador diz presidente da Endeavor Global.

Querem que os fundadores devolvam ao ecossistema, ter o que chamam um “efeito multiplicador”. E já convenceram mais de 2.000 empreendedores, de mais de mil empresas, mais de 50 com estatuto de unicórnio, em mais de 30 países a se juntarem à Endeavor. Juntos têm um lucro agregado de mais de 28 mil milhões de dólares sendo criadores de mais de 3,9 milhões de empregos.

Em Portugal, dois fundadores — José Salgado e Sérgio Vieira, da Bizay — já se juntaram à rede da organização sem fins lucrativos, mas que numa estrutura separada gere também um fundo de investimento: o Catalyst, com um total de mais de 500 milhões de dólares sob gestão, num total de quatro fundos levantados até à data. Foram já feitos mais de 320 investimentos através deste fundo.

Adrian Garcia-Aranyos, o presidente da Endeavor Global, esteve em Portugal para o kick-off oficial do braço português da Endeavor e falou com o ECO sobre os planos para a filial da rede e sobre o atual momento do ecossistema nacional. E não só.

“Mais do que ser um país de unicórnios ou de scaleups, o importante é ser um país de multiplicadores, um país não só com a ambição de poder constituir empresas, mas também com que tipo de fundadores”, diz Adrian Garcia-Aranyos.

A Endeavor abriu um braço em Portugal. Porquê agora?

Sentimos que o mercado estava maduro. Era o momento. Existe um ecossistema e algumas empresas que já têm escala, um tamanho significativo. Há muito mais potencial agora. Sentimos que poderia haver muito mais espaço para um ator como a Endeavor contribuir para o crescimento do ecossistema e para o que chamamos ‘efeito multiplicador’.

Dois cofundadores portugueses, José Salgado e Sérgio Vieira, da Bizay, já se juntaram à rede. Quais os planos para Portugal?

Lancei o escritório na Espanha há dez anos. É um jogo muito lento, cresce gradualmente e depois olhamos para trás e são 83 empreendedores. Falamos sempre de empreendedores, não de empresas. Muitos deles tornam-se empreendedores em série. O que veremos em Portugal é um aumento gradual, mas estamos muito focados em selecionar os melhores e aqueles que vão ter maior impacto em sentido amplo no país.

Defendem que os empreendedores devem “devolver ao ecossistema”. Portugal tem sete unicórnios, apenas um sediado em Portugal. Face ao atual momento económico, não estarão mais preocupados com o seu próprio negócio?

Ocorre-me várias coisas com essa pergunta. A primeira coisa é que as diásporas são, na verdade, uma coisa boa para os ecossistemas. Mesmo que apenas um deles esteja sediado em Lisboa ou em Portugal, são portugueses. Serão sempre mais amigáveis para com o seu país de origem, talvez tenham equipas a trabalhar no país ou invistam como angel investors. É importante analisar o impacto que esses fundadores têm. Podem ter crescido exponencialmente os seus negócios num terceiro mercado, mas é interessante que haja sempre esse tipo de efeito de atração pelo país de origem, para onde estão as suas raízes.

Estarão sempre muito preocupados com as suas empresas porque, mesmo nos melhores momentos, há sempre coisas a acontecer. Depois de obter o financiamento, há que fazer crescer a empresa, atrair talento, retê-lo… O tema do capital é relativamente fácil de resolver, no sentido em que se ajustar algumas coisas no negócio, torná-lo lucrativo ou, pelo menos, ter uma taxa de execução saudável, o capital voltará. Na maioria das vezes, esses fundos de risco precisa de aplicar seu capital e procura grandes oportunidades. As empresas que se concentram no seu negócio principal estão bem. O capital voltará. É uma questão de tempo. Ótimas empresas estão ainda a ser financiadas. Dentro do nosso portefólio de 2.500 empresas, numa semana quatro ou cinco empresas anunciaram aumentos de capital equivalente a mais de 500 milhões de dólares. Significa que o capital ainda está a ser mobilizado. O período de seca que tivemos no ano passado. Tenho esperança que tenha passado.

Não queríamos que o fundo (Catalyst) competisse ou criasse qualquer tipo de perceção de competição ou de conflito com uma organização sem fins lucrativos. Por isso dividimos. É uma estrutura separada.

Muitas empresas estavam sediadas nos EUA porque o financiamento era mais fácil. Agora, aparentemente, a Europa está a superar os EUA ao nível de investimento. É também a experiência na vossa rede?

Nos mercados em que a Endeavor opera — o que chamamos de mercados emergentes (como Quénia, as Filipinas ou o Equador), que estão abaixo do radar, como Espanha, Portugal — tenho visto, cada vez, mais investidores a entrar, ainda à procura de oportunidades. Portanto, não estou surpreendido por ver cada vez mais investimento a acontecer noutros lugares que não nos EUA, não porque esteja a diminuir especificamente nos EUA, mas porque os investidores estão a perceber que as oportunidades são globais e olham para outros mercados. Só posso falar pelos mercados onde estamos, mas fiquei impressionado ao ver que a maioria desses investidores internacionais ainda está a duplicar a aposta nos mercados em que entraram há cinco, sete anos.

Mas com o conflito no Médio Oriente que impacto antecipa no investimento?

Infelizmente, vivemos num mundo mais polarizado. Estamos em 42 mercados e os nossos mercados representam todos os tipos de interesse. Portanto, estamos a olhar para o lado positivo. Há sempre pessoas dispostas a encontrar oportunidades, a criar, a escalar negócios. Estamos sempre à procura de oportunidades. É lamentável que a situação global não seja muito favorável, mas ainda vemos empreendedores incríveis a criar empresas incríveis. E por falar em falta de financiamento, algumas das melhores empresas estão, neste momento, a ser criadas e bem financiadas.

As fases pré-seed e seed estão a correr bem. A situação global certamente terá algum efeito. Afetará a forma como o capital flui, como os empresários poderão expandir-se em todo o mundo, para onde se dirigem, se mais para a Ásia, se mais para o mundo Ocidental, para o hemisfério sul. Vamos ver. É muito cedo para dizer, mas definitivamente haverá mudanças. Sou um eterno otimista paranoico. Portanto, o otimismo paranoico que há em mim vê oportunidades. Mas não é muito difícil ser um otimista paranoico quando estou rodeado de empreendedores sempre incríveis, independentemente de género, raça, religião. Digo isso com profunda convicção.

A Endeavor tem um fundo de investimento, o Catalyst. Quem faz parte da rede está numa pole position para a obtenção de fundos?

A razão pela qual lançámos a Endeavor Portugal, a razão pela qual lançámos cada escritório está 100% comprometido com o núcleo de uma organização sem fins lucrativos que é de, por e para empreendedores. Queremos que os empreendedores cresçam porque sabemos que vamos contribuir para o crescimento da economia, e o crescimento do ecossistema significa criação de riqueza, de emprego, oportunidades de formação, todos esses efeitos multiplicadores. Esse é o lado ‘sem fins lucrativos’, e estamos nisso há 26 anos. O fundo funciona há apenas 11 anos. Não queríamos que o fundo competisse ou criasse qualquer tipo de perceção de competição ou de conflito com uma organização sem fins lucrativos. Por isso dividimos. É uma estrutura separada. Então, se é empreendedor, o que significa que foi selecionado por uma organização sem fins lucrativos, e levanta mais de 5 milhões de dólares e essa ronda é liderada por um investidor institucional, iremos automaticamente coinvestir 10% da ronda, com um mínimo de 500 mil dólares e um máximo de dois milhões por investimento.

O fundo tem tido um bom desempenho: 50% dos rendimentos vão para a Endeavor, para financiar uma organização sem fins lucrativos. A ideia é de que o fundo realmente torne a organização sem fins lucrativos autossustentável. Mas que fique claro: quando selecionamos empresas somos movidos pela nossa missão sem fins lucrativos.

Coinvestem, portanto.

Não é o primeiro investimento, mas é uma oportunidade para colocarmos o nosso dinheiro onde apostamos. Muitas das empresas que selecionamos são os primeiros unicórnios do país. Em Portugal não me surpreenderia que possamos agora selecionar empresas que se tornem unicórnios, ou até empresas que já são unicórnios e que terão esse impacto. Parte do nosso modelo não é apenas apoiar os empresários e dar-lhes acesso a redes, ao capital, aos mercados, mas também é uma mudança da mentalidade do empresário.

Temos de fazer com que os empreendedores saibam que são mais do que as empresas. Precisamos que eles saibam que precisam falar em conferências para se tornarem modelos, de ser entrevistados pelos meios de comunicação social para que outras pessoas possam dizer, ‘ah, bem, esse é um empresário de uma aldeia em Portugal fez isso, eu também posso’. Para nós é muito importante criar esse efeito de modelo.

O investimento vem de fundadores?

Estamos tão comprometidos com a nossa missão tanto que o núcleo dos LP (limited partner) do nosso fundo são, na verdade, os nossos próprios fundadores. Os fundadores que selecionamos há uma década, há cinco anos, fazem parte dessa base de financiamento. O nosso último fundo foi de 282 milhões de dólares e 60% dos investidores ou mais são empreendedores.

Muitas das empresas que selecionamos são os primeiros unicórnios do país. Em Portugal não me surpreenderia que possamos agora selecionar empresas que se tornem unicórnios, ou até empresas que já são unicórnios e que terão esse impacto.

Diz que querem os melhores empreendedores e que os terão mais impacto. O ecossistema tem um problema de diversidade e não só de género. Se estão as fazer as escolhas mais óbvias…

Na fase inicial de um escritório precisamos de selecionar os melhores empreendedores, que poderão ser as escolhas óbvias, mas à medida que os escritórios amadurecem — e isso é relativamente cedo — começamos a ter um foco muito mais profundo em encontrar empreendedores de outras regiões, que não estão tão representados ou que as suas agendas não estão representadas. Fazemos um esforço concertado para encontrar empreendedores de setores que não estão representados. Tentamos ter uma abordagem holística.

Um relatório da Endeavor aponta que nos mercados emergentes chegar a unicórnio é mais rápido do que em mercados consolidados. Que razão aponta para isso?

No Founder Pathway que refere analisamos 100 fundadores de unicórnios em mercados maduros e 100 em mercados emergentes. Temos presença em alguns mercados significativamente grandes como o Paquistão, Brasil, Nigéria, ou Indonésia. Quando os investidores começaram a olhar para estes mercados viram a oportunidade e, obviamente, investiram muito rapidamente. É normal essas empresas se tornarem unicórnios um pouco cedo, porque a oportunidade de mercado em si era muito maior e era um mercado inexplorado. Tem muito a ver com o tamanho desses mercados emergentes, com a oportunidade.

O melhor que Portugal tem é, antes de mais, uma mentalidade incrivelmente internacional. Os países que estão a crescer estão a crescer internacionalmente desde o primeiro dia não estão a tentar satisfazer apenas o mercado local. Do meu ponto de vista, não deveria ser um foco criar unicórnios ou apenas criar scaleups. Vamos criar um ecossistema que os faça crescer como um todo.

Portugal tem a ambição de dar o salto de um país startup para um país unicórnio. Sente que tem estrutura para dar esse salto ou apesar da ambição faltam os meios?

A única métrica que os empreendedores realmente não controlam é a avaliação, depende de muitas condições. De repente, o capital está um pouco mais tímido, não investindo na mesma proporção e, repentinamente, a empresa que há quatro anos seria um unicórnio tem agora uma avaliação de apenas 500 milhões de dólares. Mais do que ser um país de unicórnios ou de scaleups, o importante é ser um país de multiplicadores, um país não só com a ambição de poder constituir empresas, mas também com que tipo de fundadores.

Fundadores genuinamente interessados ​​não apenas no crescimento das empresas, mas também no crescimento do ecossistema, que tenham mais essa mentalidade de devolver ao ecossistema. Que se foquem nas suas empresas, mas também num bem maior, porque se o ecossistema crescer vêm mais investidores internacionais, que podem ser seus investidores. Se o ecossistema crescer, o mercado fica maior e minha participação no bolo será maior.

Precisamos descobrir como podemos fazer disso a ambição geral de um mercado. O unicórnio é apenas um número. E como se viu, em 2021 houve muitos e não tantos em 2023. Sinto que às vezes ficamos um pouco obcecados com isso. Se o país está pronto? O mercado definitivamente existe. O melhor que Portugal tem é, antes de mais, uma mentalidade incrivelmente internacional. Os países que estão a crescer estão a crescer internacionalmente desde o primeiro dia não estão a tentar satisfazer apenas o mercado local. Do meu ponto de vista, não deveria ser um foco criar unicórnios ou apenas criar scaleups. Vamos criar um ecossistema que os faça crescer como um todo.

Houve fases de grande investimento dos fundos em setores de logística, mobilidade e entregas, depois foi a onda fintech, blockchain… Agora é a fase IA. Quando olha para o futuro que áreas serão aposta?

É interessante quando fala sobre essas tendências e como subiram e desceram. Qual é a definição de um empreendedor de sucesso? O que é sucesso? É um exit incrível para o empreendedor e para os investidores? Algumas empresas tiveram um efeito surpreendente nos ecossistemas locais, depois o setor como um todo caiu e a valorização da empresa caiu. Mas o efeito que teve e no ecossistema foi incrível. Talvez os investidores não estejam obtendo os grandes retornos que esperavam e talvez os fundadores não fiquem extremamente ricos depois de deixarem a empresa, mas o efeito multiplicador está definitivamente presente. Às vezes sinto que estamos a analisar o sucesso pela métrica do retorno de capital.

Sobre quais são as próximas tendências, agora estamos a ver acontecer muita coisa em proptech – tecnologia imobiliária – e estamos a falar sobre a maioria dos nossos mercados emergentes. Ainda vimos bastante sobre fintech e estamos a ver muito especialmente nas Américas onde operamos, o que chamaria de digitalização de lojas familiares, na otimização do fluxo de trabalho das pequenas lojas.

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