Rogério Campos Henriques, CEO da Fidelidade, defende que a transformação tecnológica da empresa tem ajudado a mudar a imagem do setor e a conquistar recursos humanos qualificados.
Durante muitos anos, a imagem do setor segurador era de uma atividade aborrecida e burocrata, com segurança mas pouco estimulante. Rogério Campos Henriques, CEO da Fidelidade, diz muitas vezes que quer tornar os seguros uma indústria sexy e que esse caminho está em curso e levou a atividade para muito longe de onde estava há 20 anos. Os novos serviços digitais e a incorporação de tecnologia são armas importantes nesse processo mas, admite o responsável, “quem disser que está em plena laboração em tudo o que tem a ver com inteligência artificial não está a ser correto”.
O responsável é um dos candidatos ao Prémio CEO dos IRGAwards, iniciativa da Deloitte que tem o ECO como parceiro. Sobre o seu cargo, reforça que o líder tem um papel muito importante mas que está muito longe de esgotar o que tem de ser o caminho de uma organização. E diz mesmo que não se revê na figura de um líder “iluminado”. O CEO “é sobretudo um agregador, uma pessoa que cria alinhamentos, que faz parte da equipa e que ajuda as pessoas a fazer o caminho”, defende em entrevista ao ECO.
powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.
Agora parece que temos inteligência artificial em todo lado, é uma buzzword brutal. Estas tecnologias, falando especificamente de inteligência artificial, já estão realmente integradas no negócio ou ainda está em fase de exploração, de desenvolvimento?
Quem disser que está em plena laboração em tudo o que tem a ver com inteligência artificial não está a ser correto. Porque de facto a tecnologia tem vindo a evoluir de uma forma enorme, até surpreendente sob alguns pontos de vista, e portanto as capacidades que estão disponíveis hoje não têm nada a ver com o que estava disponível há um ano ou dois, e apesar de nós termos feito um investimento fortíssimo. Nessa matéria, talvez só para voltar um pouco atrás, nós investimos, criámos o nosso centro de inteligência artificial há sete anos, que na altura não se chamava Centro de Inteligência Artificial. Chamava-se Centro de Advanced Analytics. Mas era basicamente a mesma coisa e utilizava as tecnologias disponíveis à época. E portanto, nós temos feito um trabalho de incorporar essas tecnologias nos nossos processos, e em duas grandes vertentes, quer do lado da melhoria da eficiência dos nossos processos internos, melhorar a qualidade de serviço, melhorar o tempo de resposta e melhorar a eficiência, quer do lado da melhoria da experiência do cliente. Temos tentado fazer isso e nós temos várias soluções, que, aliás, algumas delas vocês conhecem, que até ganham prémios, entre aspas, de inovação nessa matéria e, portanto, temos uma tradição nessa área.
É um comboio que está a andar, nós estamos a reagir e a cada vez incorporar mais inteligência artificial naquilo que fazemos no dia-a-dia. Mas o grande objetivo é, de facto, transformar os nossos processos de trabalho, os processos core, aqueles processos pesados, em que nós podemos simplificá-los, agilizá-los, sempre com este objetivo de melhorar a eficiência. Um dos exemplos que tem estado mais na berra tem sido o Gama, que é uma aplicação que nós desenvolvemos internamente, que interpreta documentos e encaminha e tem todo um processo de aprendizagem embebido e, portanto, torna-se cada vez mais eficiente à medida que o tempo avança. Ganhou vários prémios este ano.
E é cobiçado, não é?
Sim, houve aí uma ideia, de facto tem havido algumas empresas e alguns parceiros de negócio que se propuseram adquirir-nos a solução. Esse é um tema que estamos a equacionar, com toda a franqueza. Não é o nosso negócio, mas ficamos agradados com a receção que aquela aplicação tem. Depois temos outras coisas, eu ainda hoje fico positivamente surpreendido, mas é verdade, nós temos hoje em dia um voicebot que funciona muito bem na linha de assistência e que nos ajuda até nos momentos de pico, tem mesmo muito impacto, porque permite atender muito mais chamadas. Noutras alturas nós não conseguimos dar a mesma capacidade de resposta e temos uma taxa de atendimento e de resolução pelo voicebot que é enorme e portanto estamos muito satisfeitos com o caminho. Mas lá está, são projetos que demoraram, com toda a franqueza, anos, a afinar e a aprimorar para termos esta capacidade de resposta. Estes investimentos não são investimentos de dias, nem de semanas, nem de meses, são investimentos às vezes de anos e é preciso ter uma abordagem muito estruturada para o fazer.
Temos muito pela frente. A inteligência artificial tem capacidades enormes que nós não estamos ainda a explorar. E eu digo isto coletivamente, não é só na Fidelidade. Temos uma estratégia clara, uma agenda, digamos assim, de inteligência artificial, para perceber onde é que são as nossas prioridades do ponto de vista da aplicação, mas é um caminho que estamos todos a fazer, coletivamente. Vai haver, com o tempo, grandes novidades, não tenho dúvida. Mas tem que haver uma aplicação importante. A tecnologia existe mas é para as pessoas e portanto não é um fim em si mesmo. Na nossa empresa os recursos não são ilimitados e portanto nós temos que ser capazes de, em alguns casos, melhorar a eficiência e a qualidade de serviço dos nossos processos core mas reservar o toque humano para aquelas situações que são importantes e que justificam essa abordagem. É preservar aquilo que chamamos muitas vezes o human touch. E porquê? Porque faz diferença. E nós na indústria seguradora sabemos que isso é assim. Até porque o seguro é um produto que tem alguma especificidade, requer muitas vezes uma abordagem consultiva, uma abordagem de explicação, de contacto com as pessoas e nós vamos sempre querer preservar essa capacidade porque não é só fazer tudo muito depressa e muito rápido. É preciso dar aos clientes a experiência que eles merecem ter e apoiá-los.
Porque é uma atividade que envolve muitas vezes momentos sensíveis, momentos em que é preciso esse lado de atenção humana.
Momentos de verdade. E é nesses momentos de verdade que nós podemos fazer a diferença. Mas lá está. Eu digo muitas vezes internamente que nós temos que ter uma máquina muito oleada para tratar as coisas simples rapidamente, mas também temos que ter a capacidade de entender aquelas soluções que precisam do toque humano que faz a diferença. E é nesse que nós não queremos deixar de nos focar.

Tem dito recentemente que gostaria de tornar os seguros uma indústria sexy. Mas como é que isso se faz?
Bom, isto é um caminho, não é? E é um processo, de facto. Nós temos que ser realistas e perceber que a indústria seguradora, há uns anos, era considerada uma indústria um bocadinho cinzenta. E não era propriamente o negócio mais atrativo, às vezes, nem para os nossos clientes, nem para as pessoas que vinham trabalhar connosco. E, portanto, foi feito um caminho enorme, eu diria, nos últimos dez anos. Isso nota-se de uma forma muito evidente e no caso da Fidelidade passa por coisas muito evidentes como sermos capazes de liderar do ponto de vista da inovação, estarmos consistentemente a trazer para o mercado novas soluções que nos aproximam dos clientes. É isso que nos faz ser mais sexy, é nós percebermos que queremos criar uma relação com o cliente. Não há muitos anos atrás, a verdade é que as seguradoras não tinham os contactos dos clientes, tinham uma morada. E isso não nos permitia interagir com os clientes.
O que nós temos feito ao longo dos anos na Fidelidade é criar soluções, criar melhor customer service, criar soluções inovadoras, criar soluções que aumentem o engagement com os nossos clientes, que nos aproximam dos nossos clientes. E isso é que nos torna, como eu diria, mais sexy. Porquê? Porque estamos presentes na vida das pessoas. Quando nós olhamos para aquilo que os seguros eram há dez anos e para aquilo que hoje em dia existe, é completamente diferente. Nós hoje em dia temos perto de 2 milhões de pessoas que usam as nossas apps, as nossas soluções digitais. E em alguns casos, usam com muita frequência, porque nós criámos soluções que geram esse contacto consistente. Criámos coisas como a telemedicina, a medicina online, que tem hoje em dia uma utilização enorme. E, portanto, as pessoas criaram esta relação connosco. Criámos serviços de valor acrescentado, como o MultiCare Vitality, que recompensa as pessoas por fazerem exercícios. Criámos serviços como o Fidelidade Drive, que recompensam as pessoas por terem uma condição segura. Para além de fazerem isto, nós criámos uma relação com os clientes que nós não tínhamos há 20 anos. E essa relação é que nos torna mais sexy. Porquê? Porque nós trazemos valor à vida das pessoas. Somos relevantes. Eu até costumo dizer que nós temos que justificar estar no bolso das pessoas. As pessoas hoje em dia têm telefones móveis, nós queremos lá estar, nas apps. Mas para isso temos que ter valor acrescentado. Nós temos sido capazes de fazer isso, liderar pela inovação, criar valor para os clientes, aproximar-nos muito dos clientes e é incomparável a relação que temos hoje.
A marca Fidelidade tem hoje em dia um posicionamento como líder da inovação, não só nos seguros, porque nos seguros claramente somos de longe o líder da inovação, mas mesmo fora dos seguros tem hoje em dia um posicionamento de proximidade com os seus clientes que é incomparável com o que tínhamos há uns anos. E isso reflete-se também, curiosamente, na capacidade de reter talento e de atrair talento. Porque muitas vezes isto hoje acontece: há muitas pessoas que continuam a não perceber muito bem o que é isto de um seguro, mas querem trabalhar na fidelidade. E têm razão. Faz todo o sentido. Nós depois encarregamo-nos de explicar o que é um seguro, como é que funciona o negócio e até o atrativo que tem trabalhar numa empresa seguradora. Hoje em dia nós, objetivamente, não temos grandes dificuldades em contratar pessoas. Pessoas muito qualificadas. Porque as pessoas percebem o caminho de transformação que temos vindo a fazer ao longo dos anos e querem fazer parte dele. E, portanto, mesmo às vezes sem conhecerem muito bem quem é o seguro, querem fazer parte deste processo de transformação. E isso é algo muito interessante. Portanto, quer dizer que nós já estamos hoje muito melhor neste caminho de sermos sexy. Ainda não estamos lá, mas fizemos um caminho assinalável e acho que lideramos em Portugal claramente todo este processo. Eu acho que os nossos colegas de outras seguradoras também estão a fazer o seu caminho e eu fico muito orgulhoso de nós na Fidelidade estarmos claramente na linha da frente.
Como é que vê o papel ou o próprio estilo de liderança do CEO, em abstrato, sendo que tem mudado ao longo dos últimos anos aquilo que se espera de um CEO e de um líder. O Rogério tem muito a visão da equipa, do conjunto, há uns anos havia mais a lógica do líder todo-poderoso, carismático, genial…
Visionário.
Que acordava de manhã e tinha uma ideia para transformar a companhia. O papel e o estilo de liderança que é procurado tem evoluído nos últimos anos? Ou depende de empresa para empresa e de cultura para cultura?
Eu, objetivamente, acho que também depende um bocadinho de empresa para empresa e até de negócio para negócio e até das circunstâncias da empresa. Mas não há dúvida que tem havido uma dinâmica de transformação enorme e, portanto, eu não me revejo nada nessa lógica do líder visionário, solitário, que define o caminho e que depois…
Desce da montanha com a verdade.
Isso não faz nenhum sentido hoje em dia. A transformação, e nós na Fidelidade somos o exemplo disso, a transformação que foi feita na Fidelidade nos últimos anos foi feita coletivamente. Foi toda uma equipa, toda uma empresa que fez este caminho. Há aqui um alinhamento que é preciso fazer com as pessoas e a criação desta equipa com as capacidades corretas, com a motivação correta, pessoas que vivem intensamente o dia-a-dia e que querem fazer acontecer e, portanto, que não se coaduna com esse papel do líder solitário que sabe tudo. De facto, eu não me revejo nessa postura. É preciso perceber o seguinte.
Com a transformação, com a mudança constante que vivemos hoje em dia nos negócios, no nosso dia a dia, a transformação é tão constante que, de facto, o que o líder tem que fazer é criar uma organização, que tenha capacidade de aprender, para fazer face a estas transformações que são constantes. E, portanto, não pode ser a empresa de uma pessoa, tem que ser a empresa de uma equipa que consegue atrair as melhores pessoas, consegue desenvolver as pessoas e consegue imbuir as pessoas do espírito correto para fazer face a esta transformação que é constante. O papel do líder, claro, é de criar uma visão para o caminho que vamos fazer nos anos seguintes, mas depois a seguir é sobretudo um agregador, uma pessoa que cria alinhamentos, que faz parte da equipa e que ajuda as pessoas a fazer o caminho. Porque a transformação é tão grande que não se consegue fazer toda pelo topo, toda a estrutura tem que fazer este caminho e, portanto, eu acho que o papel do líder hoje em dia é diferente. É o líder de uma equipa, claramente, e quem me conhece sabe que eu não digo isto por dizer, não é um lugar comum, é mesmo assim que funciona.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não me revejo nada nessa lógica do líder visionário e solitário”
{{ noCommentsLabel }}