Em entrevista ao ECO, Mick Costigan, líder da Futures Team da Salesforce, explica como prepara o amanhã das empresas através de uma equipa inspirada nas de "duas pizzas da Amazon".
A tecnológica norte-americana Salesforce tem uma equipa dedicada a antecipar mudanças que poderão alterar as estratégias das empresas e estudar cenários que impactem o futuro dos gestores. Uma das ideias é que a inteligência artificial (IA) tenderá a crescer ao ponto de ser considerada um direito humano e exigir que os estados distribuíram agentes virtuais a cada cidadão. Assim, abrir-se-á de vez um novo canal entre as marcas e os consumidores – e o será o teste de ferro à sua relação.
“A nossa missão é ajudar a empresa a antecipar, imaginar e moldar o futuro. E usamos estas três palavras com cuidado, porque precisamos das três. A antecipação é uma espécie de curiosidade. Tentamos falar com várias pessoas para obter diferentes perspetivas sobre o que está a mudar o mundo”, diz Mick Costigan, vice-presidente da Futures Team da Salesforce, em entrevista exclusiva ao ECO.
Natural da Irlanda, Mick Costigan estudou em Espanha, trabalhou no México e no Brasil – garante que ainda sabe falar “portinhol” – e vive nos Estados Unidos, onde lidera a “Equipa de Futuros”, que trabalha de perto com o empresário e filantropo Marc Benioff, dono da revista Time e cofundador, presidente e CEO da Salesforce.
Qual é o racional por detrás de uma Equipa de Futuros para uma tecnológica que vale mais de 270 mil milhões de dólares?
Um conceito que vem do budismo zen que divide a mente do especialista da mente do principiante. Na mente do especialista, existem apenas algumas possibilidades. Na mente do principiante, existem muitas. É importante ter uma mente de principiante, uma visão ampla sobre o que está a mudar o mundo. Por exemplo, a maior parte das ideias que temos sobre o futuro da tecnologia e da IA vêm ficção científica e das histórias que vemos nos grandes ecrãs (Minority Report, Exterminador Implacável, Skynet…). Temos estas histórias na nossa cabeça e, enquanto não vierem novas histórias, as antigas dominarão.
Qual é a dimensão da equipa?
Somos uma equipa pequena. Não é um tipo de trabalho em que ter 50 pessoas vai realmente ajudar. Penso que o conceito é como o da equipa das duas pizzas da Amazon [o modelo duas pizzas da Amazon consiste em que nenhuma equipa deve ser suficientemente grande para que sejam necessárias mais de duas pizzas para a alimentar]. Trata-se de um pequeno grupo que pode ser destacado para apoiar outras equipas, o Marc Benioff o outros decisores. Já publicámos várias revistas sobre o futuro com algumas das histórias que criámos para ajudar os nossos clientes a pensarem.
Há cinco anos, passei muito tempo a trabalhar sobre a Covid. Essa era a grande incerteza que existia naquela época. Como iria evoluir o vírus? O que significa para a nossa empresa? O que precisamos de fazer? Como se percebe a dinâmica? Obviamente, as coisas mudam com o tempo e há cerca de dois anos e meio passámos a pensar na IA.
E agora são as bolsas e os mercados financeiros?
[Risos] A situação económica faz parte do que pensamos, definitivamente. Temos alguns trabalhos que fizemos no passado e nos quais estamos a voltar a trabalhar. Onde mais podemos ajudar é em relação à IA, porque estamos há dois anos a viver a maior transformação em décadas na nossa indústria e, sinceramente, em todas as outras.
Tem previsões específicas sobre IA para o mercado português ou ibérico?
Historicamente, muita dessa tecnologia começa em São Francisco ou nos Estados Unidos, talvez no Japão, na China, e demorou algum tempo para chegar a todo o lado porque não havia tantas ligações à internet ou equipamentos. Agora, mais do que nunca, a partir do lançamento do ChatGPT — tenho a certeza de que havia utilizadores em Portugal que o estavam a utilizar — a tecnologia tornou-se global e o seu impacto sente-se mais cedo. Estamos um pouco mais focados na Bay Area, mas este o momento de a tecnologia ser utilizada por empresas de todo o lado para fazer a mudança. Na Salesforce, estamos a dar o nosso melhor para adaptá-la a cada idioma e democratizar o acesso à tecnologia.
É possível perpetuar essa democratização, quando assistimos a uma elevada consolidação do setor tecnológico? Especialmente, nas redes sociais: Elon Musk comprou o Twitter, o TikTok está em processo de venda…
Democratizar o acesso à tecnologia para os clientes, mais do que as empresas que fornecem essa tecnologia. A inspiração da Salesforce para o Mark Benioff começou na Amazon.com. Ele disse: “Quero tornar o software empresarial tão fácil de utilizar como a Amazon”. E a Amazon era uma startup nessa altura. É sobre o acesso à tecnologia, não tanto sobre quais as empresas.
Às vezes, é difícil para as pequenas empresas terem acesso a IA. Se és uma grande empresa, podes ter call center em Portugal e talvez tenhas outros no Brasil ou Moçambique para dar resposta às pessoas que falam português, 24 horas por dia durante sete dias por semana. Ou para o inglês na Índia, Filipinas, Estados Unidos. Mas se fores uma pequena empresa não podes. E agora, com os agentes de voz [através de IA], podes ter esse serviço de apoio ao cliente 24/7. Se pensarmos no nosso Agentforce, terminámos o quarto trimestre com mais de 2.000 clientes registados. A democratização continua.
A Google também se lançou nos agentes em abril…
A Google é uma empresa incrível, um grande parceiro da Salesforce, e é ótimo ver o trabalho deles. É bom para todos quando temos cada vez mais agentes no mercado. Faz-nos trabalhar mais, mas sentimos que estamos numa boa posição. A nossa equipa de Futuro começou a fazer publicações externas sobre agentes no início do ano passado. Agentes empresariais, como os que oferecemos na Salesforce através do Agentforce, mas também agentes pessoais, como pensamos que irá acontecer. A ideia de que cada cliente dos nossos clientes terá um agente pessoal a operar no seu dispositivo torna-se um novo canal para os alcançar [enquanto consumidores].
É muito importante que as empresas giram bem as relações que têm [com os clientes], porque no futuro eles poderão ter um agente de IA pessoal a intervir [no meio]. Se estiverem a gerir bem esta relação, a entregar valor, se eles confiarem e reconhecerem que há um envolvimento no longo prazo… [Não há problema]. Para utilizar expressões dos encontros online, as pessoas não querem uma relação do Tinder com as empresas. Querem um relacionamento no Match.com.
É muito importante que as empresas giram bem as relações que têm [com os clientes], porque no futuro eles poderão ter um agente de IA pessoal a intervir [no meio]. E as pessoas não querem uma relação do Tinder com as empresas. Querem um relacionamento no Match.com.
Como é que se preparam para o vosso trabalho? Onde é que recolhem informação para poder antecipar situações dessa forma?
Tenho aqui uma caneca – não sei se consegue ver [mostra a caneca para a câmara] – que diz: “Tudo é possível. O futuro ainda não aconteceu. Não podes estar errado.” Portanto, ter liberdade, estar informado e também especular. Por exemplo, quando fizemos o nosso trabalho, há cerca de um ano, com agentes de IA pessoais, utilizámos explicitamente a framework de que (não é algo que inventámos) para uma inovação funcionar realmente, é necessário que seja realizável tecnologicamente, desejável – algo que as pessoas queiram – e viável (modelo de negócio que funcione).
Lançámos as seguintes questões: que empresas irão fornecer [os agentes]? Pode ser a Apple, através dos seus dispositivos. O modelo de negócio da Apple é vender um equipamento e fazer com que tu depois o atualizes para o iPhone 16 porque agora tem Apple Intelligence. Ou, talvez, sejam disponibilizados por um fornecedor de aplicações aos quais pagas uma subscrição. Ou, talvez, nalguns países seja fornecido pelo Governo. Talvez tenhamos um agente [de IA] fornecido pelo governo para todos porque, para algumas pessoas, a IA é um direito humano.
Ou, talvez, tenhamos a Apple a vender iPhones a mais de 2000 dólares?
Não sei. Os economistas estão mais qualificados do que eu para responder. Há certamente muitas ideias sobre este assunto, mas veremos. O que acreditamos que é útil para as empresas pensarem nestes cenários e expandirem a imaginação. É preciso sair da mentalidade da ficção científica e começar a pensar no que pode realmente acontecer. Podemos estar certos ou errados.
Qual foi o seu maior erro?
Estive envolvido, antes de vir para a Salesforce, em trabalhos de antecipação de pandemias. Então, eu e outros colegas escrevemos um documento na altura que, basicamente, previa uma gripe das aves com a qual a China lidaria muito bem e os Estados Unidos não tão bem. O problema é esse cenário estava exposto num PDF de mais de 50 páginas e as únicas pessoas que leem esses PDF são loucas. Todos os teóricos da conspiração leram e disseram “isto era um plano”, mas as quem deveria ter lido, infelizmente, não leu. Poderia pensar: “Epá, muito bem, eu previ algo semelhante ao que aconteceu”, mas milhões de pessoas morreram e, enquanto mundo, não fizemos um bom trabalho para impedir que isto acontecesse.
Voltamos ao ponto: como é que o trabalho que estamos a fazer se liga realmente aos decisores? Não estamos a fazer isto para fazer previsões e para daqui a três anos dizer: “Olha, já tínhamos dito isto, vês? Estávamos certos? Yay”. Isso não importa se as pessoas não fizerem nada.
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“No futuro talvez tenhamos governos a distribuir agentes de IA”
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