“O espaço de afirmação do BCP não é o de um banco digital”

O presidente executivo do BCP, Miguel Maya, afirma que o banco não tem financiado a área da Defesa e que só fará operações "com entidades que estejam dentro do programa militar europeu".

O presidente executivo do BCP, Miguel Maya, considera que tecnologias como a inteligência artificial generativa vão ser utilizadas para dar respostas às necessidades dos clientes e não para tornar a instituição financeira num banco puramente digital.

O espaço de afirmação do BCP não é o de um banco digital, nós não estamos a migrar para o digital, nós estamos a utilizar o digital para servir melhor os clientes. Se eu acreditasse que o que ia ser era totalmente banca digital, então estávamos condenados”, afirma o gestor, que é um dos nomeados para o prémio de melhor CEO dos Investor Relations and Governance Awards, uma iniciativa da Deloitte.

O atual mandato como presidente executivo termina no final do ano e Miguel Maya mostra vontade em continuar, salientando que a decisão cabe aos acionistas. “Gosto muito do que faço. Não tenciono deixar de trabalhar, tenho 60 anos. O dia em que deixar de trabalhar no BCP, deixo de trabalhar na banca“.

Face ao atual contexto geopolítico, económico e a rápida transformação tecnológica, por onde é que tem que ir o negócio da banca?

A regra que temos como regra de ouro é perceber onde é que nós criamos valor para os clientes. É perceber o que se está a passar, em que medida é que afeta os nossos clientes e em que medida é que nós seremos mais úteis aos clientes do que somos. É fazer o desenho do nosso caminho a partir da utilidade que possamos ter para os clientes. Se não fizermos isto, está tudo estragado.

E isso, neste momento, leva o BCP para onde? Leva o negócio da banca para onde?

Há uma tecnologia de uso genérico que vai ter implicações muito fortes na forma de relacionamento. Há 20 anos um cliente ia uma vez por mês ao banco, hoje vai 34 vezes por mês ao banco com a Internet. Não sei se há muitas empresas ou muitos comerciantes que têm um cliente mais vezes do que tem o BCP.

Hoje há uma tecnologia, a inteligência artificial generativa, que nos permite conhecer melhor o cliente. Conhecer melhor o cliente não é vender mais ao cliente, é poder servir melhor o cliente, dar resposta àquilo que são as suas necessidades do cliente, que muitas vezes os clientes ainda não as formaram. Mas nós temos de lá estar e de ser capazes de o fazer.

Simplificação é outro tema. Vivemos num mundo de enorme complexidade. O know your customer, uma regulação apertadíssima. Temos de desburocratizar e utilizar a tecnologia para desburocratizar. Ainda estamos numa fase muito difícil, porque estas fases de transição são muito difíceis. Mas quero acreditar que cada vez mais o BCP vai ser um meio de proximidade e de relação com os clientes. Eu não vejo o tema da escala que se falava sempre.

O meu tema não é a escala, é utilidade e eficiência. São os dois temas: utilidade para o cliente e eficiência do ponto de vista dos próprios recursos e, obviamente, derivada disto, a rendibilidade.

Internamente o BCP já está a trabalhar em formas de aproveitar a inteligência artificial generativa para, por exemplo, otimizar tarefas?

Há muita coisa do banco que hoje é feita com a inteligência artificial generativa, porque a outra já a utilizamos há mais de uma década. Em diversas áreas, coisas tão simples como a interpretação de documentos que estão desorganizados, como validação de fraude, como reescrever código. O banco com estas aquisições todas que fez no passado tinha uma multiplicidade de sistemas, de software, em algumas das linguagens mais antigas.

A capacidade de reescrever o código com base em inteligência artificial já é parte do presente do banco. O potencial é enorme, sempre protegendo o cliente, sempre de forma a não expor o cliente, a não permitir que as alucinações dos sistemas possam prejudicar o cliente, isso para nós é absolutamente determinante.

O espaço de afirmação do BCP não é o de um banco digital, nós não estamos a migrar para o digital, nós estamos a utilizar o digital para servir melhor os clientes. Se eu acreditasse que o que ia ser era totalmente banca digital, então estávamos condenados.

A adoção da inteligência artificial vai permitir continuar a diminuir o número de sucursais ou menos colaboradores no banco?

Nenhuma das coisas que referiu é um propósito da utilização da tecnologia. O espaço de afirmação do BCP não é o de um banco digital, nós não estamos a migrar para o digital, nós estamos a utilizar o digital para servir melhor os clientes. Se eu acreditasse que o que ia ser era totalmente banca digital, então estávamos condenados. Íamos ficar na mão dos três ou quatro operadores de escala global.

O nosso conceito é um conceito de simbiose entre a interação humana e a parte digital. E, portanto, esta presença local é algo que o operador de escala global não vai conseguir ter. Nós não temos nenhum plano de fecho de sucursais. Obviamente, se a praça deixar de ter interesse, fecharemos aí, mas abriremos seguramente noutras praças que se vão desenvolver.

O mote dos Investor Relations and Governance Awards deste ano é “abraçar a evolução e inspirar a mudança”. Deve ser esta a prioridade de um CEO no contexto atual?

Se vir a campanha de comunicação do BCP que está no ar, é o chip da evolução, com o Darwin. Nós temos a clara consciência que parar é ficar para trás. As empresas só sobrevivem se estiverem permanentemente a reinventarem-se. Isto não é um tema do Tagus Park ou da D. João I, das sedes do banco. Isto é um tema de toda a organização estar focada nisso. Também não é um tema de deslumbramentos. Nós não achamos que isto agora de repente vai mudar tudo de um dia para o outro.

E a liderança política em Portugal tem sabido abraçar a evolução e inspirar a mudança?

Não sei. Eu vim a ouvir o debate [dos partidos com representação parlamentar] agora na rádio e, por acaso, não vinha particularmente entusiasmado. Mas eu acho que, como gestor, temos que ser capazes de gerir em todos os contextos.

É muito importante que todo o país perceba que nós temos que ter um nível de ambição muito superior àquilo que temos tido no passado, e que só com geração de riqueza, com geração de prosperidade, será possível ter um país mais inclusivo. Isto não é um jogo de soma nula, não é tirar a A para dar a B. O que nós temos que fazer é criar mais. Ao criar mais, seremos capazes de distribuir mais e melhor.

A globalização não vai acabar, vai-se transformar. Portugal é dos países que mais beneficia do mundo global. Temos todas as condições para ser um ator de primeira linha para atrair investimento para Portugal e a sociedade portuguesa tem que se mobilizar para isso.

Se nós não tivermos empresas que tenham esta capacidade de se afirmar a uma escala global, que tenham a capacidade de criar valor, que tenham capacidade de atrair talento e reter talento, tenham capacidade de fazer investimentos, se calhar ficaremos muito contentes se distribuímos mais para o lado esquerdo ou mais para o lado direito, mas a manta será sempre curta.

A globalização não vai acabar, vai-se transformar. Portugal é dos países que mais beneficia do mundo global. Temos todas as condições para ser um ator de primeira linha para atrair investimento para Portugal e a sociedade portuguesa tem que se mobilizar para isso. Tem que ter empresas que cresçam, tem que ter empresas rentáveis, tem que ter enorme orgulho nos protagonistas que fazem com que Portugal cresça.

O outro dia estive num evento da Delta sobre o comendador Nabeiro. Eu tenho imenso orgulho no trabalho que foi feito por estes empresários. Podia dar-lhe muito mais exemplos.

O papel de um líder depende também muito da confiança que esse líder consegue gerar. No caso do primeiro-ministro português, existe esta polémica em torno da empresa familiar. Acha que isto fragiliza o primeiro-ministro enquanto líder?

Eu não vou fazer política, como você sabe, afasto sempre o BCP do ponto de vista da intervenção da política. Eu considero que os líderes dos principais partidos são pessoas honestas. Acho que o tema das comunicações provavelmente podem não ter sido geridos da forma mais eficiente, mas não quero entrar nisso. Eu julgo que não é isso que devemos discutir.

O país devia estar a discutir o que é que se passa do ponto de vista do ambiente. Todos já percebemos que a transição energética se vai atrasar. Portugal é um dos países que mais vai sofrer pelo atraso dos outros nesta transição.

O que é que nós estamos a fazer para tornar o país mais robusto e mais resiliente? Como é que nos posicionamos relativamente ao tema do investimento na defesa? Como é que nos posicionamos relativamente à ferrovia? Como é que nos posicionamos relativamente à gestão da água? Esses temas, para mim, é o que, como eleitor, agora não como gestor, deveriam determinar a opção do meu voto. Não são estas espumas das coisas pequenas.

Esses temas que falou devem ser prioridades do Governo que sair das eleições.

Devem ser claramente prioridade do Governo e considero que seria muito útil que nós, como portugueses, percebêssemos um bocadinho como é que cada um dos partidos se posiciona relativamente àqueles temas que são estruturantes, não para o resultado destas eleições mas para o Portugal que queremos ter dentro de dez a 15 anos.

Estou a falar no tema da água, que é absolutamente central. Estou-lhe a falar no tema da ferrovia, que é absolutamente central. Estou-lhe a falar do tema da fiscalidade, que é um tema absolutamente central.

Continuar a reduzir a carga fiscal?

Não é reduzir por reduzir. Eu sou muito defensor de uma forte rede de apoio social. Para uma sociedade crescer de forma equilibrada tem que ter uma forte rede de apoio social. Para criar esta rede é preciso calibrar a fiscalidade de forma a que haja incentivos e que a tal dimensão da geração de riqueza seja grande para que possa haver maior distribuição.

O BCP não tem financiado a Defesa, não vai financiar, com a atual gestão, a produção de armas, sobretudo aquelas que têm fortes restrições. E, do ponto de vista comercial, só fará operações com entidades que estejam dentro do programa militar europeu, ou seja, que sejam reconhecidas pela União Europeia.

Estava a falar da Defesa. Como é que o BCP se posiciona?

É muito claro. O BCP não tem financiado a Defesa, não vai financiar, com a atual gestão, a produção de armas, sobretudo aquelas que têm fortes restrições. E, do ponto de vista comercial, só fará operações com entidades que estejam dentro do programa militar europeu, ou seja, que sejam reconhecidas pela União Europeia. É preciso ter muito cuidado relativamente a esta matéria e, portanto, vamos querer ser muitíssimo rigorosos.

Não estamos a ver isto como uma oportunidade, não estamos a tratar como uma área de negócio. O que vamos fazer é financiamento de Estados, que sejam Estados da União Europeia, dentro das políticas da União Europeia, aí o BCP estará com certeza. Fora disso não vai estar.

O seu mandato termina no final deste ano. Gostava de ficar mais um mandato como presidente executivo do BCP para levar até ao fim o novo plano estratégico?

O que me importa é aquilo que é importante para o BCP e quem escolhe as equipas, nomeadamente o CEO, são os acionistas. O que tem que ser visto é se o CEO é o CEO indicado para o ciclo do banco. É um trabalho que há de ser apresentado a seu tempo.

Gosto muito do que faço. Não tenciono deixar de trabalhar, tenho 60 anos. O dia em que deixar de trabalhar no BCP, deixo de trabalhar na banca. A única garantia que lhe posso dar é essa. O resto está tudo em aberto e é um tema que não me tira um minuto de sono.

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