“O recado principal que nós trazemos é que o Brasil voltou”

Marcelo Freixo é o novo presidente da Embratur, a agência brasileira de promoção do turismo. Garante que "o Brasil" voltou e defende uma aliança entre o mundo privado e o público para o setor.

O novo presidente da Embratur, Marcelo Freixo, esteve em Portugal para participar na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), com uma mensagem central para passar: “O Brasil voltou”. Uma crítica implícita aos anos de governação de Jair Bolsonaro, que “terá que responder pelos crimes que cometeu, que não foram poucos”.

Professor de história e militante pelos direitos humanos, agora com 55 anos, filiou-se no Partido dos Trabalhadores (PT) aos 19 anos, saindo em 2005 para o Partido Socialista Brasileiro. Depois de uma passagem breve pelo Partido Socialista Brasileiro, voltou no início deste ano a filiar-se no PT. Foi deputado estadual e mais tarde federal.

Na assembleia Legislativa do Rio de Janeiro protagonizou a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar as milícias no Estado, que levou a centenas de prisões. Alguns anos depois presidiu a uma comissão de inquérito sobre o tráfico de armas, inspirando um dos personagens do popular filme brasileiro Tropa de Elite 2.

Marcelo Freixo, presidente da Embratur, em entrevista ao ECO - 28FEV23
Marcelo Freixo, presidente da Embratur, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Agora à frente da agência que promove o turismo no país, defende “uma aliança entre o mundo privado e o público” para aumentar o investimento no setor e espera que a TAP continue a reforçar a oferta de voos para o Brasil. E que tenha a concorrência de outras companhias aéreas europeias.

A governação de Jair Bolsonaro e um certo isolamento internacional que o Brasil viveu nesse período penalizaram o turismo no país, ou foi sobretudo a pandemia?

Eu costumo dizer que nós precisamos de superar a pandemia e o pandemónio. Acho que isso responde. Vivemos dois anos na pandemia, com efeitos dramáticos. Perdemos uma quantidade enorme de pessoas. Tivemos um problema específico no Brasil de um presidente que não tomou a vacina e houve uma campanha contra a vacina. Logo o Brasil, que era uma referência mundial de vacinação, erradicando diversas doenças, inclusive fruto de uma experiência muito positiva de vacinação infantil. Tivemos um retrocesso muito profundo, e não tinha como o turismo escapar.

O turismo caiu imenso em todo o mundo por causa da pandemia. No Brasil foi ainda maior?

A realidade europeia é muito diferente, mas se você for comparar com outros países da América do Sul, como a Colômbia, o Peru, a Costa Rica, o México, todos eles recuperaram a atividade no turismo mais rapidamente do que o Brasil no pós-pandemia.

E isso tem tudo a ver com o tal “pandemónio” criado por Jair Bolsonaro.

Sem dúvida. Tem a ver com ausência de promoção, com problemas diplomáticos muito profundos, com posturas internas. O Brasil tem um papel muito importante no mundo na questão ambiental, pela dimensão continental que tem, por ter a Amazónia e biomas muito importantes. Foi noticiado no mundo inteiro um recorde de queimadas e destruição de biomas. É um problema ambiental, mas também afeta o turismo. Por exemplo, um turista norte-americano com um perfil muito relacionado à questão do ecoturismo, não vai visitar um país que destrói a floresta. Há retrato dos Yanomami com fome. As pessoas não vão visitar um país que trata as suas comunidades tradicionais com tamanha violência. É evidente que isso não é só a pandemia.

O recado principal que nós trazemos para o mundo, quando viemos para a BTL, é dizer que o Brasil voltou. O Brasil da democracia, o Brasil que tem responsabilidade ambiental, o Brasil que cria um ministério dos povos tradicionais.

Com o Governo Lula vai ser diferente?

Nós vivemos um problema muito concreto de retrocesso civilizacional, de desrespeito das leis e da democracia. O recado principal que nós trazemos para o mundo, quando viemos para a BTL, é dizer que o Brasil voltou. O Brasil da democracia, o Brasil que tem responsabilidade ambiental, o Brasil que cria um ministério dos povos tradicionais. A situação da fome, do garimpo ilegal não vai continuar. Há uma mudança muito grande no Brasil depois da eleição, uma postura muito diferente, a começar pelo presidente Lula.

A invasão do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto por simpatizantes de Jair Bolsonaro teve um impacto também no turismo?

Teve um impacto na imagem. Foi um episódio muito ruim, muito grave. Acho que o Brasil reagiu. As pessoas foram presas, vão serão julgadas, as instituições agiram. Houve uma união muito grande do Brasil em relação ao que aconteceu, que foi um gesto isolado de pessoas que não têm compromisso com a democracia e que, lamentavelmente, governaram o Brasil durante um tempo, mas que foram derrotados. E as instituições responderam. A invasão aconteceu no domingo e na segunda-feira eu estava dentro do Congresso Nacional, a votar.

A instituição estava a funcionar no dia seguinte.

O Brasil respondeu rapidamente e acho que isso é importante para o mundo. A bandeira do Brasil não pode servir nenhum tipo de fanatismo ou a ideia de um projeto autoritário. Não é isso que o mundo quer. O mundo quer liberdade, quer emprego, quer dignidade para estes povos. Na mesma semana, o presidente Lula fez uma reunião com todos os governadores, incluindo os governadores eleitos por outros partidos. É uma imagem muito forte, de que esse tipo de projeto foi derrotado no Brasil.

Acho que o maior desafio é consolidar a democracia. A democracia nunca foi só o direito ao voto. A democracia é uma condição de vida.

Quais considera serem os principais desafios que o Brasil enfrenta neste novo período após da governação de Jair Bolsonaro?

Enfrentámos uma eleição em que o que estava em risco era muito sério. Se perdêssemos essa eleição, eu não sei que país teríamos. Não sei o que ia acontecer, mas certamente não teríamos normalidade. Acho que o maior desafio é consolidar a democracia. A democracia nunca foi só o direito ao voto. A democracia é uma condição de vida.

Isso também passa por levar Jair Bolsonaro à Justiça?

Toda a gente tem de responder pelos crimes que comete. Bolsonaro terá que responder pelos crimes que cometeu, que não foram poucos. Mas isso é um processo que cabe às instituições brasileiras. Temos de consolidar a democracia, consolidar a liberdade de imprensa. Não podemos ter um presidente que manda os jornalistas calarem a boca. Não podemos ter jornalistas a apanhar nas ruas, como tivemos durante quatro anos. Consolidar a democracia é consolidar o funcionamento de uma sociedade, e o turismo ajuda nisso.

Não ajudaria a imagem externa no Brasil se houvesse uma condenação clara e direta da invasão russa da Ucrânia pelo presidente Lula da Silva?

O presidente Lula tem uma estratégia que é importante, de haver um espaço de construção da paz. O Lula não tem a menor dúvida sobre a condenação da guerra. Ele não titubeou num momento sobre isso. Essa guerra é completamente condenável.

93% dos turistas portugueses que visitaram o Brasil dizem que querem voltar. Esse é um dado que talvez nos faça pensar que o Brasil ofereceu segurança para essas pessoas.

O Brasil está entre os países menos seguros do mundo nos rankings internacionais. Como é que se altera essa realidade, que também pesa muito na procura turística?

Sim, mas 93% dos turistas portugueses que visitaram o Brasil dizem que querem voltar. Esse é um dado que talvez nos faça pensar que o Brasil ofereceu segurança para essas pessoas, porque ninguém quer voltar para um lugar onde não se sentiu seguro.

BTL - Bolsa de Turismo de Lisboa - 02MAR23
Stands brasileiros na BTL - Bolsa de Turismo de Lisboa 2023. Hugo Amaral/ECO

Acha que não é uma questão?

Acho que é uma questão que está a ser superada. É um problema que todo o mundo urbano tem. O Brasil é muito diverso. Quando a gente fala de turismo no Brasil, você vai falar da região de Bonito em Mato Grosso do Sul. A questão da segurança é um problema em Bonito? Não é. Em Gramado, no Rio Grande do Sul, a questão da segurança é um problema? Não é.

É mais nas grandes cidades.

Vamos a São Paulo, que é o principal destino turístico hoje, inclusive daqui de Portugal. Em São Paulo, há o turismo de negócios, o turismo de eventos, e o registo de eventos de insegurança são mínimos. É um lugar que oferece segurança. O próprio Rio de Janeiro, no que diz respeito aos seus pontos turísticos mais visitados pelo turismo estrangeiro, é um lugar que tem segurança. Temos hoje condições para receber esse mundo novamente no Brasil com muito mais segurança.

O turismo pesa atualmente 8% do PIB, é uma percentagem muito menor do que em Portugal, que tem isto muito mais estruturado, tem uma política e inteligência sobre o setor.

As previsões apontam para um arrefecimento da economia brasileira este ano, tal como na generalidade das economias ocidentais. Quais as perspetivas para a evolução do turismo brasileiro? Vai resistir a esta travagem?

A expectativa é de crescimento. O turismo pesa atualmente 8% do PIB, é uma percentagem muito menor do que em Portugal, que tem isto muito mais estruturado, tem uma política e inteligência sobre o setor.

É um exemplo que estão a seguir?

É um exemplo muito importante a ser seguido enquanto espaço de políticas públicas, de qualificação de dados, de informação e de ação técnica com profissionais qualificados. Foi isso que fizemos na Embratur, contratámos uma equipa técnica para produzir informação qualidade.

Falou em 8% do PIB. O objetivo é chegar a que peso do turismo na economia?

O potencial do Brasil é muito grande e precisamos de, a cada ano, aumentar essa percentagem, porque o Brasil tem uma quantidade de possibilidades enormes. Para ter uma meta é preciso existir uma política de qualificação de dados. Qual é o diagnóstico do Brasil? Nós estamos a herdar a Embratur sem nenhuma inteligência, porque os números desapareceram. Quantos turistas o Brasil recebe? Quanto é que isso significou para economia? Quanto emprego gerou? Não há dados, como também não há em diversos outros setores. Para dizer o que se vai atingir precisamos primeiro de saber onde estamos.

Queremos que o Brasil receba a COP30, em Belém, que é um investimento importante. Temos conversado e é possível que o Brasil venha a candidatar-se como sede do Campeonato Mundial de Futebol Feminino.

Está previsto o investimento no reforço da oferta, com novos hotéis?

Tem de haver uma aliança entre o mundo privado e o público. Os grandes operadores de turismo, as grandes agências, os grandes investidores, a rede hoteleira, as companhias aéreas, há uma parceria necessária a construir nesse mundo privado com a Embratur. Queremos que o Brasil receba a COP30, em Belém, que é um investimento importante. Temos conversado e é possível que o Brasil venha a candidatar-se como sede do Campeonato Mundial de Futebol Feminino. O Brasil já organizou uma olimpíada e campeonatos do mundo. Há um histórico de organização de grandes eventos que queremos retomar.

Tem encontros marcados com grupos hoteleiros portugueses para abordar oportunidades de investimento? Vão ser criados incentivos?

Nós queremos ampliar a rede hoteleira de Portugal no Brasil. Eu acho que haverá incentivos. É uma conversa que vamos ter com o Ministério da Fazenda de Fernando Haddad. O olhar de Haddad é muito positivo em relação a isso, tal como o do vice-presidente, o Geraldo Alckmin. Queremos atrair investimento para o Brasil.

Marcelo Freixo, presidente da Embratur, em entrevista ao ECO - 28FEV23
Marcelo Freixo, presidente da Embratur, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

A TAP é neste momento a companhia aérea com maior cota de mercado nas ligações entre a Europa e o Brasil. Tem acompanhado as notícias sobre a privatização da companhia?

Tenho acompanhado, mas são debates em que não nos cabe emitir uma opinião. A TAP tem 12 voos para o Brasil a partir de Lisboa e dois a partir do Porto, somando 14 rotas para 11 estados diferentes. Queremos ampliar estes números e esperamos conseguir uma maior oferta de voos.

Isso também passa por ter mais companhias aéreas europeias a voar para o Brasil?

Temos total interesse nisso. As grandes, com mais frequências, e as pequenas também.

A TAP ter mais concorrência seria bom para o Brasil.

É bom.

A sustentabilidade também será uma aposta. Isso vai passar pelo quê?

A Embratur e o ministro do Desenvolvimento Social vão trabalhar com a ministra Marina Silva sobre a questão do turismo de responsabilidade climática e ambiental. Temos a responsabilidade de fazer com que a própria atividade de turismo seja sustentável e de redução de danos. Hoje existe um problema grave de garimpo ilegal em várias áreas de floresta e o turismo pode ser uma alternativa económica para diversos lugares que hoje vivem dilemas ambientais. O turismo é, ao mesmo tempo, a garantia de emprego, de geração de rendimentos e de conservação.

Mas vai passar também por regras mais exigentes para os operadores, por exemplo?

Passa por projetos. A entrada no mercado de créditos de carbono. Criámos uma direção específica de sustentabilidade e responsabilidade climática na Embratur, que vai desenvolver políticas públicas para o turismo, em parceria com o ministério do Meio Ambiente.

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