Paulo Macedo reforça que todos os bons investimentos encontram financiamento na banca, mas admite que é preciso voltar a apoiar o setor da construção, nomeadamente de habitação
Paulo Macedo diz que não há falta de financiamento aos bons projetos empresariais, mas lembra que o setor privado reduziu muito a dívida nos últimos anos, aumentando a autonomia financeira das empresas. Ainda assim, houve o desaparecimento de parte da “fileira da construção” que deve voltar a ser incentivada, até para ajudar na escassez de habitações para a classe média e para acolher condignamente os imigrantes de que continuamos a necessitar.
Esta é a visão do CEO da Caixa Geral de Depósitos que, em entrevista ao ECO, aborda ainda o efeito das guerras comerciais, sinalizando que os empresários portugueses não estão pessimistas para os seus negócios, embora alguns possam estar a adiar investimentos, à espera de mais clareza.
Paulo Macedo é um dos finalistas do prémio de melhor CEO nos IRGAwards 2025, iniciativa da Deloitte e que tem o ECO como parceiro, tendo mesmo conquistado essa distinção em 2024.
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Começaria por lhe perguntar qual é o impacto na Caixa, na banca e também na economia em geral desta instabilidade internacional que temos vivido neste arranque de ano, nomeadamente a questão da guerra comercial, das tarifas?
Talvez dividisse isso em três partes. O impacto em Portugal e o que se está a ver na economia portuguesa, depois talvez algo sobre a Europa e depois mais em termos globais no resto do mundo.
Portugal, apesar de um primeiro trimestre que foi pior do que todos julgávamos, está com um crescimento homólogo, neste momento, de 1,6% e, supostamente, irá crescer alguma coisa, a não ser que haja uma materialização das piores expectativas face às tarifas e ao comércio internacional. Está com um nível de emprego estável, o maior número de empregos de sempre, e uma inflação baixa. E, por outro lado, também com uma diminuição de taxas de juro.
Isto depois do aumento dos salários reais o ano passado. Temos uma inflação mais baixa, tivemos algum desagravamento do IRS, designadamente para os jovens, temos uma diminuição das taxas de juro que beneficia mais os jovens e as pessoas ali até aos 50 anos, que têm casa. E, portanto, de alguma forma, há um aumento do rendimento disponível. O consumo no primeiro trimestre não subiu, mas, por exemplo, a poupança está a níveis elevados. Isto por um lado.
Por outro, temos um nível de crédito mal parado bastante baixo. As empresas portuguesas também estão a beneficiar desta redução de taxas de juro. Também tiveram um ano de 24 e de 23 que globalmente foi positivo.
E temos um princípio de ano que, apesar de tudo, é positivo na visão dos empresários para a sua empresa, mas de grande preocupação em termos globais.
O que nós sentimos na Caixa, quando falamos com os empresários – e falamos todos os dias – é de facto um sentimento de preocupação. Mas, ao mesmo tempo, no seu negócio as pessoas sabem o que é que hão de fazer, embora algumas, como não podia deixar de ser, têm um bocadinho o adiamento de alguns investimentos, para ver o que é que isto dá.
Depois, na Europa, há muitos comentários sobre isto, eu não sou comentador, só para lhe dizer os principais impactos que nós entendemos que estão a existir. O primeiro lugar é, de facto, se temos este wake-up call dos relatórios Letta e Draghi, se de facto levam a uma atitude diferente para a inovação e para a simplificação e para a desburocratização.
E essa parte preocupa-me e preocupa a Europa, tanto que a senhora von der Leyen também já disse que as instituições europeias tinham que ir também neste sentido.
Por outro lado, o que vai acontecer é que também vai haver uma tendência para um aumento dos gastos públicos, quer através da defesa, quer através desta fragmentação que leva a mais distribuições e a maior despesa pública para diversos setores. E, portanto, nós vemos essa parte na Europa e também aí, de alguma forma, uma pressão sobre a inflação.
Pôr em causa alianças que estão, digamos, em tratados, que são assinados pelos parlamentos, não dependem da pessoa A ou da pessoa B, no fundo está-se a pôr em causa o rule of law
Depois vejo outra preocupação nestas questões todas. Acho que pôr em causa alianças que estão, digamos, em tratados, que são assinados pelos parlamentos, não dependem da pessoa A ou da pessoa B, no fundo está-se a pôr em causa o rule of law.
Por outro lado, e para terminar esta parte internacional, que eu não sou comentador, mas tenho algumas preocupações nesta matéria, é a questão de alguma menorização ou algum desincentivo às instituições, quando o prémio Nobel de 2025 foi precisamente a Acemoglu e Robinson, que defendem que o fortalecimento de um país vem da qualidade das suas instituições.
E o que nós vemos é as instituições, muitas delas, serem postas em causa. Quer sejam tribunais, quer sejam universidades, quer seja outro tipo, para uma maior concentração.
Como é que vê as necessidades de financiamento das empresas portuguesas? Está a sentir apetite pelo crédito, há setores particularmente interessados, o que é que sente no interesse em financiamento por parte das empresas?
Às vezes fazem-se umas comparações sobre crédito que ou são explicadas ou são totalmente tolices. O que nós sabemos sobre o crédito das empresas é que houve uma desalavancagem, porque felizmente as empresas e as famílias estão menos endividadas, hoje, do que estavam na crise financeira e mesmo no tempo da troika. O que é bom. Há, nesse sentido, menores stocks de crédito.
E o Estado também começou há pouco tempo a fazer essa desalavancagem, mas muito depois. Enquanto, por exemplo, a dívida das empresas e dos particulares em Portugal está a níveis europeus, o Estado ainda está acima da média europeia, embora com este decréscimo face ao PIB que todos saudamos.
E todos saudamos não é por nenhuma fixação, é porque isso traduz-se em financiamento mais barato. Não é nenhum fetiche que os economistas têm, nem as pessoas dos bancos. Se o rating é melhor, e se há uma melhor visibilidade e perspectiva do país, o país paga menos pelo financiamento. Se não, paga mais caro. E nós percebemos isso muito bem. Por exemplo, a Caixa Geral de Depósitos, como está a dizer, e é verdade, tem bons resultados, mas quando saiu de seis anos de prejuízo para se ir financiar, teve de pagar 10,75%.
Portanto, hoje a Caixa é investment grade e na categoria A pelas três agências com que trabalha. Portanto, hoje financiar-se-ia a outros valores, e já se financiou no passado, a outros valores proporcionalmente bastante diferentes.
O que está a querer dizer é que às vezes fala-se da sensação de que os bancos não dão crédito às empresas ou que não querem dar crédito às empresas ou que as empresas não procuram. O que é que se está a passar?
Houve também da parte das empresas esta desalavancagem e há uma maior autonomia financeira, tem paulatinamente subido. Obviamente estamos a falar de uma média, temos empresas com grandes desequilíbrios e temos empresas bastante bem capitalizadas.
Vemos, por vezes, alguma apetência menor por investimentos de fundo de maneio, porque as empresas tiveram bons anos, muitas empresas tiveram bons anos em termos de geração de resultados.
Têm uma tesouraria mais composta.
E, por exemplo, ainda agora nas linhas do Banco Português de Fomento, da União Europeia, o que nós vemos é várias solicitações, mas não vemos as linhas a esgotar. Vemos que há uma apetência por crédito e, felizmente por cá, precisamos de novos investimentos e precisamos de desenvolvimento económico, mas, por exemplo, as linhas estão muito longe de estar saturadas.
Os bons investimentos posso-lhe garantir que têm todos financiamento.

Mas esse fenómeno não tem um lado perigoso, ou seja, não vamos ter o investimento que se calhar precisaríamos?
Nós temos há vários anos em Portugal, e também de acordo com o relatório Draghi na Europa, um investimento deficiente em termos públicos e em termos privados. Portanto, precisávamos de mais investimento público. Agora, com uma boa alocação de recursos. O problema nunca é o investimento público. O problema é o resultado que ele vai gerar e o retorno, seja ele social, seja ele de efeitos indiretos, seja ele de externalidades positivas, seja ele de rentabilidade pura e simples.
E o investimento privado também está abaixo. Uma das características que o investimento privado, designadamente a formação bruta de capital fixo, no passado tinha, é que era muito baseado na construção. E depois muitos empresários da construção desapareceram ou faliram ou se fundiram após a crise financeira e, por exemplo, nós ficámos sem esse setor, sem essa fileira produtiva, tipicamente do construtor que fazia o prédio de três andares ou de quatro e depois acabava de o vender, construía outro, construía outro.
Essa é uma falta que temos e que precisamos de voltar a incentivar, para ter casas mais acessíveis e para ter maior número de oferta, desde que as pessoas tenham as autonomias financeiras mínimas. Aqui na habitação, por exemplo, naquilo que estava a perguntar, que é a função dos bancos na habitação, posso falar pela Caixa.
A Caixa tem tido uma função, primeiro, de grande apoio na compra, nós nunca financiámos tanto a compra de habitação como neste ano e no ano passado, e portanto temos a liderança do mercado, mas o mercado tem todo crescido. No passado, colocámos as casas todas que tinham sido entregues aos bancos, já foram todas colocadas no mercado.
Financiamos o arrendamento, achamos que o que é preciso para libertar mais casas é haver previsibilidade. Financiamos também as autarquias, que têm aqui também um papel a resolver nesta parte do défice de casas e de um claro desencontro entre a procura e a oferta.
E, por outro lado, financiar também os próprios promotores imobiliários, voltar a financiar esta fileira que é indispensável. Porque Portugal não tem falta de habitação de luxo, agora precisa de ter uma oferta substancial que possa ser financiada de casas de valores acessíveis, não só para os nossos jovens e residentes, como para os imigrantes.
Penso que é hoje consensual que temos que ter mais imigrantes em Portugal que trabalhem e que contribuam para a riqueza do país, mas para isso também é preciso ter alojamento condigno.
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“Precisamos de voltar a incentivar o crédito à fileira da construção”
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