Francisco Xavier de Almeida e João Pinheiro da Silva, sócios da CMS Rui Pena & Arnaut, criticam promessa de Medina e pedem um plano de aceleração da recuperação do turismo.
No dia em que se assinala o Dia Mundial do Turismo, Francisco Xavier de Almeida, sócio de Corporate M&A da CMS Rui Pena & Arnaut, e João Pinheiro da Silva, sócio de Imobiliário & Urbanismo consideram que os apoios do Estado e a recuperação da economia ajudaram a evitar uma degradação de valor dos ativos hoteleiros e antecipam um crescimento das fusões e aquisições no setor.
Avisam também que o fim dos Vistos Gold nas grandes cidades, embora vá aumentar o interesse por zonas do interior, levará a uma quebra no investimento estrangeiro.
A retoma está já a ter algum impacto no valor dos ativos do setor? Quais perderam valor e quais valorizaram com a pandemia?
Francisco Xavier de Almeida (FXA): O setor imobiliário continua a atrair muito investimento com grande enfoque nos portfolios de residencial e escritórios. Os ativos onde temos visto menos transações em geral são das áreas do retalho e do turismo, que foram os mais afetados pelos vários confinamentos e restrições de mobilidade devido à pandemia. A retoma que já se está a verificar, bem com o interesse em futuras aquisições, pode ajudar a evitar uma degradação de valor dos ativos hoteleiros.
A situação difícil do setor levou a um crescimento no número de estabelecimentos turísticos colocados à venda?
FXA: O mercado hoteleiro europeu está no radar dos investidores, mas, com exceção de Espanha, não temos assistido a um número significativo de transações talvez devido aos apoios dos governos que funcionaram como um balão de oxigénio e ajudaram a compensar a perda de receita decorrente da pandemia. Em Espanha a situação é diferente e assistimos recentemente a várias operações, como por exemplo a venda de oito hotéis pelo grupo Meliá ou a compra pelo fundo canadiano Brookfield de cinco hotéis da Selenta.
Nos próximos meses vamos assistir a um crescimento nas fusões e aquisições no setor? Qual o perfil dos interessados?
FXA: Como há bastante liquidez no mercado e muito interesse em ativos hoteleiros, creio que vamos assistir a um crescimento nas fusões e aquisições do setor, embora não seja fácil encontrar ativos de qualidade em localizações premium. Os candidatos naturais a estas movimentações setoriais são grupos do setor ou os fundos internacionais.
A crise travou investimentos em curso em novas unidades?
João Pinheiro da Silva (JPS): Não obstante a atual crise que atinge o setor do turismo, vários grupos hoteleiros a operar em Portugal (nacionais e internacionais) já tinham, com respeito aos investimentos pretendidos para 2021, um pipeline bem definido. Temos assistido a uma adaptação deste setor em várias velocidades face às diferentes estruturas dos grupos hoteleiros, destacando que, apesar de este ser um ano atípico para todo o setor, vários dos principais grupos hoteleiros a operar em Portugal concluíram vários projetos a que se tinham proposto para o ano em curso, nos quais se incluem a abertura de novos estabelecimentos. Ainda assim, vários projetos que estavam em fase de abertura optaram por adiar e aguardar por um momento mais propício do mercado para concretizar esse milestone. No que respeita aos estabelecimentos que estão em fase de construção, assistimos, em vários casos, ao abrandamento da execução das respetivas obras, todavia sem suspensão das mesmas. Por fim, podemos afirmar que que vários grupos olharam para este período como uma oportunidade para executarem remodelações em alguns estabelecimentos, em certos casos de natureza profunda, o que, noutras circunstâncias, teriam maior dificuldade em concretizar face ao impacto que este tipo de intervenções implica no desenvolvimento do negócio.
A reconversão/transformação de estabelecimentos hoteleiros e consequente afetação de tais estabelecimentos a outras realidades, tais como a habitação, espaços de coworking e residências universitárias, é algo que já se vem a assistir no mercado.
Ocorreram alguns casos de reconversão de projetos de hotelaria para habitação e arrendamento. A pandemia trouxe novos modelos de negócio ao setor que vão perdurar depois dela?
JPS: A pandemia não trouxe, até ao momento, nem se vislumbra que tal aconteça, ruturas totais com o modelo de negócio do setor do turismo. Porém, evidenciou um novo espetro de tendências e oportunidades que este setor será o melhor capacitado para aproveitar. A reconversão/transformação de estabelecimentos hoteleiros e consequente afetação de tais estabelecimentos a outras realidades, tais como a habitação, espaços de coworking e residências universitárias, é algo que já se vem a assistir no mercado.
A este respeito, poderão verificar-se situações em que estabelecimentos hoteleiros que estão atualmente em construção sejam, ainda durante a fase de construção, redirecionados para outra afetação, nomeadamente para habitação, tornando-se, por exemplo, condomínios familiares. Com particular destaque para Lisboa e Porto, admite-se, também, que alguns estabelecimentos hoteleiros possam ser convertidos em residências universitárias, sendo esta uma estrutura em franca carência em Portugal.
O Governo aprovou o plano “Reativar o Turismo, Construir o Futuro”, com uma dotação de seis mil milhões de euros para apoiar o setor. Este plano é suficiente e as suas opções são as adequadas? Que avaliação fazem?
JPS: A apresentação de um plano dedicado ao setor do turismo era já muito desejada e esperada pelo setor, desde logo, porque, de forma surpreendente, o mesmo não foi considerado no “Plano de Recuperação e Resiliência”. Quanto à suficiência do plano e à sua adequação a um setor que tem, mês após mês, sofrido perdas consideráveis e colocado em sérias dificuldades financeiras vários grupos, empresas e famílias, existem vozes dissonantes entre argumentos crentes e favoráveis e outros mais céticos e pessimistas. Sendo certo que todos estão expectantes para verificar a aplicabilidade prática das medidas propostas e a suficiência da dotação.
A este respeito, é público que a Confederação do Turismo de Portugal aplaudiu a apresentação do referido plano, porém, desde logo, frisou a necessidade das ajudas prometidas pelo plano terem de chegar rapidamente às empresas do setor, uma vez que muitas empresas estão mora em diversas obrigações financeiras e em situação de sobrevivência limite. É também público, que foi, desde logo, evidenciado que se considera o valor da dotação, correspondente a 6.112 milhões de euros, como insuficiente para fazer face ao impacto que a pandemia teve e continua a ter no setor do turismo e, portanto, é urgente que, simultaneamente à ajuda financeira, sejam aplicadas as medidas que visam implementar um plano de aceleração de recuperação do turismo.
O balanço entre o investimento que como país vamos perder e aquele que vamos conseguir continuar a atrair não será positivo, mas também estou convicto que a decisão de alterar o regime dos Vistos Gold tem subjacente razões mais políticas do que económicas.
Está previsto que a partir do início do próximo ano entrem em vigor as restrições aos Vistos Gold. Vão afetar o investimento no imobiliário e no turismo? O direcionamento para o interior do país pode, ainda assim, ser positivo?
Francisco Xavier de Almeida (FXA): As novas regras dos Vistos Gold vão limitar o investimento em áreas consideradas de grande densidade (como Lisboa, Porto ou Algarve) e, portanto, esse mercado sofrerá uma redução da procura e o impacto aí será negativo. Por outro lado, em resultado das referidas limitações algum investimento será direcionado para o interior do país, dando um certo impulso ao mercado nas zonas de baixa densidade com potencial de crescimento. Acredito, contudo, que o balanço entre o investimento que como país vamos perder e aquele que vamos conseguir continuar a atrair não será positivo, mas também estou convicto que a decisão de alterar o regime dos Vistos Gold tem subjacente razões mais políticas do que económicas.
Fernando Medina defendeu recentemente que é preciso “impossibilitar” a abertura de novos alojamentos locais em “toda a cidade”. Como comentam esta possibilidade?
FXA: Não acredito que advenham grandes benefícios deste tipo de limitações, desde logo porque o mercado deve funcionar por si, obviamente com a regulação essencial, de modo a salvaguardar desvios que afetem a vida das pessoas. Por outro lado, esta “impossibilidade” vai criar um mercado fechado e beneficiar os incumbentes, o que também não me parece positivo para o futuro do setor. Concordo, no entanto, que é importante encontrar soluções de habitação para todos e que o alojamento local não deve funcionar sem regras, mas o caminho deve passar por um conjunto de políticas de habitação adequadas e não por este tipo de proibições.
O mais importante em relação à questão do aeroporto em específico é percebermos que a cidade de Lisboa não comporta a indefinição a que temos assistido.
A demora na definição da nova solução aeroportuária para Lisboa vai limitar o crescimento do turismo nos próximos anos?
FXA: Qualquer cidade para a qual o turismo seja um elemento chave para o seu desenvolvimento, como é o caso de Lisboa, em que o setor representa 20% do PIB regional, necessita de ter as melhores infraestruturas para dar resposta à procura. Sabemos que essa procura, ainda que com uma quebra significativa devido à pandemia, terá tendência para continuar a crescer ano após ano. Como tal, diria que, mais do que o aeroporto de Lisboa, todas as infraestruturas que permitam acompanhar o crescimento da procura são necessárias e fundamentais. Mas, o mais importante em relação à questão do aeroporto em específico é percebermos que a cidade de Lisboa não comporta a indefinição a que temos assistido. Por isso é necessário que haja uma decisão em tempo útil: decida-se onde, mas, acima de tudo, decida-se.
Havendo a perspetiva de uma retoma do setor nos próximos anos, vamos assistir também a um maior investimento em nova oferta? Há alguma estimativa do valor em pipeline? Quando poderemos voltar aos níveis anteriores à pandemia?
João Pinheiro da Silva (JPS): Durante a apresentação do plano “Reativar o Turismo|Construir o Futuro” foi comunicado que o objetivo do mencionado plano é alcançar, em 2027, o nível que foi projetado em 2017. Ou seja, em 2017 foi projetado um ritmo de crescimento da receita turística que atingisse 27.000 milhões de euros em 2027 e, portanto, é essa a meta que se pretende atingir. A pretensão do setor em geral é afirmar o turismo como hub para o desenvolvimento económico, social e ambiental de todo o território nacional, com vista a posicionar Portugal como um dos destinos turísticos mais competitivos e sustentáveis do mundo.
Os players deste sector estão expectantes e, de alguma forma, ansiosos com a retoma, bem como focados no desenvolvimento do território nacional enquanto destino sustentável, território coeso, inovador e competitivo e, portanto, com vista a atingir tais premissas será, certamente, notado investimento nesse sentido.
Os players do setor do turismo e os respetivos estabelecimentos devem, cada vez mais, adaptar-se às necessidades das novas gerações de viajantes.
Que lições deve o turismo português tirar deste último ano e meio de crise?
JPS: Várias das “lições” ou “caminhos” a seguir já haviam sido identificados no passado e, portanto, não resultam exclusivamente desta crise, mas foram por esta claramente acentuados. Permita-me destacar alguns exemplos: a aposta na sustentabilidade, que já deixou de ser uma ideia abstrata para ser uma realidade e uma necessidade; a intensificação de redes de cooperação, nacionais e internacionais; a inovação através da tecnologia, a qual representa um aspeto-chave na readaptação do setor hoteleiro aos novos perfis de consumidores e a esta nova era de prestação de serviços; a necessidade de adaptar/criar espaços adequados à prática de uma atividade profissional, considerado o conceito de coworking cada vez mais procurado pelos clientes; a necessidade de envolver os players do setor e os respetivos estabelecimentos nas comunidades onde os mesmos se inserem, nomeadamente através da promoção de serviços adequados e direcionados às mesmas.
Por fim, acredito que os players do setor do turismo e os respetivos estabelecimentos devem, cada vez mais, adaptar-se às necessidades das novas gerações de viajantes, uma vez que o setor é, atualmente, fortemente impulsionado pelas novas gerações que procuram experiências únicas e autênticas em cada destino.
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“Retoma pode ajudar a evitar uma degradação de valor dos ativos hoteleiros”
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