Sovena vence onde muitas empresas falharam. “Temos perto de 30% de quota” no Brasil

Jorge de Melo, CEO da Sovena, antecipa que as taxas aduaneiras e a valorização do euro contra o dólar limitem o crescimento nos EUA, onde o grupo já fatura 400 milhões de euros.

Quando entrou no Brasil, em 2006, a Sovena tinha apenas 2% de quota no mercado do azeite. Quase 20 anos depois, a empresa contrariou o destino de muitos negócios nacionais naquelas paragens. “A experiência das empresas portuguesas naquela geografia não tinha sido propriamente um caso de sucesso. Crescemos e hoje temos perto de 30% de quota de mercado“, revela Jorge de Melo, presidente executivo da Sovena.

Com vendas de 1,8 mil milhões de euros em 2024, a Sovena conseguiu pela primeira vez um EBITDA (meios libertos de exploração) superior a 100 milhões de euros. À beira da fixação de novas taxas aduaneiras pelos EUA à União Europeia, Jorge de Melo assume que têm impacto no negócio, agravado pela desvalorização do dólar contra o euro. “Vai, se calhar, limitar um pouco o que poderia ser o crescimento daquela geografia”, diz. O mercado, que em 2024 representou um volume de negócios de 400 milhões, vai continuar, no entanto, a ser uma prioridade para a empresa do Grupo Nutriveste, a holding do Grupo Jorge de Mello para o agroalimentar. Na calha está também um aumento da capacidade da fábrica de óleo de abacate na Colômbia, cuja produção é exportada para os EUA.

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A Sovena vai também continuar a investir na aquisição de novos terrenos para amendoal, onde já tem 600 hectares, e olival. Compras podem passar pela Califórnia, onde a redução mundial do consumo de vinho leva a que exista área a mais de vinha. “Há aqui uma vontade da reconversão da vinha em outras culturas que não consumam muita água. O olival tem essa característica”, afirma Jorge de Melo.

Como é que evoluíram os resultados da Sovena em 2024 e como é que estão a evoluir este ano?

2024 foi um bom ano. Quando falo de Sovena, estou a falar do que é a operação industrial, que tem óleos e tem azeites, e estou a falar também na parte agrícola, que está noutra sociedade que é a Nutrifarms. Tivemos, pela primeira vez, um resultado de EBITDA [meios libertos de exploração] acima de 100 milhões de euros. Foi um ano em que, mesmo assim, tivemos que ser muito cautelosos na gestão das nossas operações, porque estávamos num ambiente de preços de azeite extremamente voláteis e altos. E nos óleos alimentares tivemos um contexto também extremamente volátil, com todos os conflitos geopolíticos que vemos a terem impacto no que são os preços das commodities.

E este ano, como está a correr?

O ano também arrancou de uma forma positiva. A baixa do preço do azeite está-nos a permitir incrementar vendas, não só aqui em Portugal, mas também em mercados importantes como os Estados Unidos e o Brasil. É um ano que vemos que também possa ser positivo.

Falou nos Estados Unidos. É já o principal mercado?

É um dos principais. Nós faturámos o ano passado cerca de 400 milhões de euros nos Estados Unidos. A faturação total da Sovena é de cerca de 1,8 mil milhões de euros. Espanha ainda é o principal mercado, depois Estados Unidos e Portugal estão muito equilibrados. Nos Estados Unidos temos duas fábricas de embalamento, ou seja, o azeite e outros óleos vão a granel de várias origens: Portugal, Espanha, Tunísia, Turquia, Chile, Argentina, dependendo das condições de mercado. A nossa aposta, primeiro na costa este e agora na costa oeste, na Califórnia, revelou-se certeira. Entrámos em 2004 e já mais do que triplicámos a nossa faturação naquela geografia e acreditamos que é um mercado que tem ainda um potencial enorme.

Como é que as taxas aduaneiras mexem com o negócio nos Estados Unidos, tendo em conta que têm de importar a matéria-prima?

Tem um impacto enorme. Estamos hoje numa fase iminente do anúncio de Donald Trump sobre as tarifas efetivas para a União Europeia e outras origens. Há cerca de 90 dias eu viajei para os Estados Unidos para entender como é que poderíamos gerir esta nova realidade. Não é só a matéria-prima. Garrafas, cápsulas, etiquetas — vem tudo de fora. Definimos uma estratégia face àquilo que eram as condições de mercado da altura. Fechámos o documento de decisão e o Presidente dos Estados Unidos diz “suspendemos três meses e depois já vamos ver afinal quais é que são as tarifas efetivas”.

O que é que aqui é difícil? É passar uma taxa transversal de 10% para os clientes com os quais, por exemplo, podíamos ter contratos de 9 meses já fechados e com um preço acordado.

Além das taxas há muita incerteza.

O que é que aqui é difícil? É passar uma taxa transversal de 10% para os clientes com os quais, por exemplo, podíamos ter contratos de nove meses já fechados e com um preço acordado. Tem de haver esta razoabilidade do lado também dos clientes de entenderem que nós, muitas vezes, temos um sobrecusto. Estamos a falar de categorias com margens curtas, em que não é viável não passar esses custos para os clientes.

Nessas situações, alegam um caso de “força maior”?

Não alegámos força maior. Achamos que não devemos ir para aí. Mas há conversas com clientes e, na generalidade, eu diria que tem havido uma boa reação, com períodos de transição para esses aumentos dos custos. Também tem havido alguns casos mais complicados e que temos que gerir. A grande questão é realmente essa: é a incerteza, é a falta de visibilidade do que é que vai ser o dia de amanhã, que não nos permite tomar decisões concretas.

Recentemente, o Presidente dos Estados Unidos deixou no ar a possibilidade de uma taxa de 17% nos bens alimentares.

E é para todas as importações de produtos alimentares ou é para o produto final? Nesta lógica da introdução de tarifas para privilegiar a indústria americana, se calhar faria sentido não impor taxas às matérias-primas que vão ser utilizadas na indústria local e só aos produtos transformados finais. São questões que ainda precisam de ser esclarecidas.

Face a este contexto, qual é que vai ser a estratégia para os Estados Unidos nos próximos anos?

Nós vamos continuar a trabalhar o mercado dos Estados Unidos como trabalhámos até aqui, com bastante entusiasmo e com bastante dinâmica. Acreditamos que o potencial de consumo está lá. Esta introdução de taxas vem no momento em que o preço do azeite está a baixar, o que atenua esse efeito, embora agora com a desvalorização do dólar…

Porque há um efeito duplo sobre o preço: taxas aduaneiras a subir e o euro a valorizar contra o dólar.

Temos uma força que é o preço do azeite a baixar e depois temos o euro a subir e as tarifas a subir. Vai, se calhar, limitar um pouco o que poderia ser o crescimento daquela geografia. Agora, nós acreditamos que o azeite tem características nutricionais e de saúde que se forem transmitidas de forma clara podem aumentar o mercado. É já o primeiro ou o segundo maior mercado de consumo mundial de azeite.

A experiência das empresas portuguesas naquela geografia [Brasil] não tinha sido propriamente um caso de sucesso. Crescemos e hoje temos perto de 30% de quota de mercado.

Outro mercado muito importante no consumo de azeite e para a Sovena é o Brasil. Que planos tem a Sovena para o Brasil nos próximos anos?

O Brasil é um dos casos de que mais me orgulho em termos de evolução. Quando eu entrei na Sovena, em 2006, a minha responsabilidade foram os mercados internacionais e o Brasil era aquele que tínhamos acabado de entrar, com a compra da marca Andorinha. Quando a comprámos tinha 2% do mercado brasileiro, com uma distribuidora local. As coisas funcionaram bem, crescemos até aos 12%, e depois decidimos em 2016/2017 autonomizar a operação, o que é algo arriscado. A experiência das empresas portuguesas naquela geografia não tinha sido propriamente um caso de sucesso. Crescemos e hoje temos perto de 30% de quota de mercado. Isto num mercado que subiu e tem uma rentabilidade interessante. O consumidor brasileiro gosta de marca, porque a marca lhe dá um sentimento de qualidade, e vai muito à procura do azeite de uma marca portuguesa. Mais de 50% do azeite no Brasil é português.

É por isso que temos, muitas vezes, falsificações com óleos locais com nomes de cidades portuguesas ou monumentos portugueses. Mas as autoridades brasileiras também já introduziram aí um nível de controlo que está muito melhor. Para além da marca Andorinha, fomos conseguindo completar o portfólio que oferecemos ao mercado. Temos azeites de origem espanhola, azeites da nossa operação no Chile, introduzimos a marca Oliveira da Serra, que era desconhecida no Brasil, marca líder em Portugal e que já é a quinta marca brasileira.

O objetivo é chegar a que quota de mercado?

Eu diria que os 30% é um patamar que não era imaginável há uns anos e que neste momento nos deixaria muito satisfeitos.

Jorge de Melo, CEO da Sovena, em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

Outra geografia onde a Sovena também está na América do Sul é na Colômbia, com uma fábrica de óleo de abacate, inaugurada há cerca de um ano. Como é que está a correr esse investimento?

Foi um negócio diferente aqui do tradicional da Sovena. O abacate é processado, tal como a azeitona, num óleo, e o mercado americano tem procurado muito este produto. Tem características nutricionais parecidas com o azeite, embora depois tenha muito menos sabor e muito menos cheiro. Nós produzimos o óleo que é depois exportado para os Estados Unidos.

Mas estão a considerar fazer um investimento no aumento dessa capacidade produtiva?

Neste momento estamos a pedir propostas para um aumento da capacidade de armazenagem da nossa atual instalação, que tem também já programada a capacidade de duplicar a produção. A questão, um pouco mais abrangente, é se nos associamos com alguém da área da produção para dinamizar o crescimento nesta área.

Mas sempre na Colômbia?

A Colômbia tem funcionado bem. É um país que está com vontade de ter investimento privado para dinamizar a economia, depois dos anos mais difíceis que teve. Eu diria que a Colômbia é o local natural, embora não seja o maior produtor de abacate, que é o México. Mas podemos olhar para outras geografias.

Quando falámos, há um ano, a Sovena estava a avaliar a compra de terrenos agrícolas em Angola, no Chile, na Califórnia. Avançaram essas aquisições?

Em Angola nós temos uma operação industrial de embalamento de óleo alimentar, sobretudo da nossa marca Fula, que é uma marca que tem tradição naquele mercado. Angola introduziu há uns anos uma série de limitações às importações de produtos do exterior e privilegiou a produção local e, portanto, nós decidimos dar este primeiro passo. Falta-nos toda a restante cadeia de valor, ou seja, desde a produção do próprio óleo em si, aqui falamos de óleo de soja, que é o óleo que o consumidor angolano mais consome, até um potencial projeto agrícola. O mercado angolano é muito exigente e já conta com alguns players bastante agressivos. Estamos ainda em fase de análise, mas temos um projeto para avançar na parte agrícola e também para reforçar a nossa presença industrial naquela região.

Já temos cerca de 600 hectares de amendoal, essencialmente em Espanha, mas também em Elvas e Cuba, em Portugal. A nossa ambição é crescer. Assinámos este mês uma escritura da compra de 120 hectares na região de Ferreira do Alentejo.

E em relação ao Chile e Estados Unidos?

Aí está relacionado com a Nutrifarms. Neste momento, estamos presentes em Portugal, em Espanha e Marrocos, com olival mas também amendoal. Já temos cerca de 600 hectares de amendoal, essencialmente em Espanha, mas também em Elvas e Cuba, em Portugal. A nossa ambição é crescer. Assinámos este mês uma escritura da compra de 120 hectares na região de Ferreira do Alentejo.

Achamos que podemos e devemos crescer para outras geografias. A Califórnia, por exemplo, neste momento depara-se com um problema grande no setor do vinho. A baixa generalizada do consumo de vinho a nível mundial leva a que exista área de vinha a mais nos Estados Unidos, pelo que há aqui uma vontade da reconversão da vinha em outras culturas que não consumam muita água. O olival tem essa característica. Mesmo o amendoal que existia na Califórnia está a ser algum dele reconvertido em olival por essas razões. Estamos a analisar essa possibilidade, tal como no Chile e em outras geografias que possam ser interessantes.

De uma forma mais geral, que investimentos é que a Sovena tem previstos para este ano e os próximos?

Temos um investimento normal de capex de atualização das nossas unidades industriais. Os investimentos grandes em novos negócios que fizemos foram em Angola [fábrica de embalamento] e na Colômbia. Se tivermos a possibilidade de acrescentar uma dimensão de olival que seja maior que estes 120, 200, 300 hectares por ano, podemos avançar se fizer sentido. Se calhar com um parceiro, se calhar sozinhos.

Acho importante referir o acordo de renovação da concessão que assinámos com o Porto de Lisboa na fábrica da Tagol, em Almada. São mais de 40 anos onde nos comprometemos a um investimento de 43 milhões de euros para a atualização das infraestruturas, novos equipamentos, o alargamento da capacidade de armazenagem, a procura de soluções sustentáveis em termos de energia.

Quais as contrapartidas financeiras da renovação da concessão do terminal com o Porto de Lisboa?

Eu não posso dar os detalhes do contrato, mas tem um fee anual e por carga movimentada que é recebido pela outra parte.

Há um investimento contínuo e concreto no que é o nosso ‘pão com manteiga’, a nossa atividade do dia-a-dia e que nos mantém aqui todos os dias a ir trabalhar e a procurar desenvolver a nossa atividade. Agora, sempre com a expectativa de podermos vir naturalmente a acrescentar novos negócios sempre que façam sentido.

Que tipos de negócios podem ser acrescentados?

Dentro do que é a atividade da Sovena, azeite e óleos alimentares, ou relacionado com a parte da alimentação numa perspetiva mais global, com estes novos conceitos que hoje em dia temos relacionados com conveniência, saúde, praticidade, etc. Entrámos na Centazzi, que é proprietária da marca Salutem. Comprámos a empresa há cerca de três anos, tivemos aqui algum tempo de adaptação a esta nova realidade de mercado. Acredito que daqui para a frente podemos fazê-la crescer não só organicamente, mas também olhar para alguma aquisição que possa complementar e fazer sentido.

Uma aquisição em Portugal?

Eu diria que é o mais lógico, mas não tem que ser necessariamente em Portugal. Acho que uma perspetiva internacional para este negócio também é importante.

Mas há alguns alvos já identificados?

Já olhámos para algumas coisas, mas não há nada em concreto neste momento.

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