“Temos um Estado que absorve muitos recursos e que funciona mal”

Vítor Bento diz que o PRR se concentrou demasiado no setor público, para compensar o défice de investimento nos últimos anos. Reforma do Estado é prioritária, defende.

Vítor Bento, economista e gestor, aponta a reforma do Estado como uma das prioridades sempre adiadas em Portugal. Em entrevista ao ECO, diz que o PRR está a ser aproveitado “da forma possível” mas foi pensado, à partida, para “ser um Orçamento do Estado que não vai à dívida”, compensando a grande quebra do investimento público nos anos anteriores.

Salienta que há toda uma indústria em Portugal que se dedica exclusivamente a captar fundos europeus e admite que esse apoio externo impede, em algumas circunstâncias, que as empresas nacionais saiam da sua zona de conforto, porque não têm “necessidade de ir explorar outras atividades, outras formas de rendimento e, portanto, isso cria alguma acomodação”. E lamenta ainda que as provas de capacidade de transformação dos portugueses se notem muito mais em tempos de crise do que em tempos de normalidade: “se nós tivéssemos a mesma energia em tempos de calmaria como temos em tempos de crise, seríamos provavelmente o país mais desenvolvido do mundo”, sintetiza.

A edição deste ano dos IRGAwards tem como mote “Embracing evolution, inspiring change“, e é uma iniciativa da Deloitte, com o apoio do ECO.

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Estamos em implementação das medidas e dos investimentos do PRR. Daquilo que tem visto, acha que a economia portuguesa aproveitou e está a aproveitar de forma adequada ou apenas da forma possível?

Vai aproveitando da forma possível. Era sempre possível fazer melhor e era sempre desejável fazer melhor. Se bem que, enfim, temos também sempre a perceção de que as coisas, com uma dimensão desta natureza, andam sempre de uma forma menos eficiente daquilo que seria desejável, por causa de muitas interações, de complicações que aparecem pelo caminho. E nós temos uma particularidade, temos um Estado que funciona mal. É um Estado que absorve muitos recursos, por um lado, e, portanto, absorver muitos recursos em si é mau. O Estado é menos eficiente, é menos produtivo, portanto, isso, de certa forma, é um sugar de capacidade de eficiência da economia. E, por outro lado, depois responde mal. O Estado, de facto, é complicado e a sua própria qualidade tem-se vindo a deteriorar. E esse é, talvez, um dos aspetos mais importantes e era um dos aspetos que precisava de ter uma reforma profunda, mas que eu não vejo no horizonte.

Uma reforma de que falamos há muito tempo. Aliás, falando do PRR, uma das críticas apontadas foi o facto de muitos recursos do próprio PRR serem logo reservados à partida para a administração pública.

O PRR acabou por ser um segundo orçamento de Estado que não vai à dívida. Basicamente é aquilo que o PRR se constituiu, foi tentar resolver algumas insuficiências do setor público, nomeadamente a falta de investimento público. A grande parte do ajustamento que foi feito desde o ano de 2015 foi à custa do investimento público, convém ter isso presente, portanto a parte das contas certas, no fundo, da estabilização financeira, foi muito feita com uma quebra substancial do investimento público. E nós vemos isso na qualidade de muitos serviços. Desde que foi a pandemia, hoje em dia, se nós quisemos ter acesso a serviços públicos é uma dificuldade tremenda, temos que marcar, e marca-se, tem que se marcar para daqui a não sei quanto tempo. Não há um balcão aberto dos serviços públicos onde, até como havia antigamente, o utente do Estado, o cidadão, se dirige ao balcão para resolver o problema. Isso acabou. Não consigo perceber porquê. O Estado continua a ter cada vez mais trabalhadores, em termos de número. Porquê é que não tem disponibilidade de serviço? É uma coisa que, confesso, me é completamente incompreensível.

Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Aliás, uma das questões que foi levantada na altura, quando foi anunciada esta programação inicial do PRR, foi esta concentração de meios no Estado. Uma coisa que me gerou alguma perplexidade foi muito investimento importante em digitalização, transformação tecnológica dos serviços, mas nem uma palavra acerca, por exemplo, do número de trabalhadores. Se o objetivo é tornar mais produtivo e tornar as interações mais tecnológicas, mais digitais, faria sentido que isto se conseguisse fazer com menos funcionários.

Aliás, eu vou lhe dizer uma coisa, eu sei que isto vai escandalizar muita gente, mas há uma parte dessa diminuição de disponibilidade que resultou do teletrabalho. Eu percebo, enfim, que algo foi abraçado e, em teoria, o teletrabalho é uma coisa excelente. Na prática, para ser soft, o resultado é muito menos excelente do que aquilo que era o ideal que se procurava atingir com ele.

Ficámos um bocadinho enamorados no início da pandemia, quando percebemos que conseguíamos fazer as coisas em teletrabalho, mas era uma situação de emergência.

É porque, de início, as pessoas reproduzem no teletrabalho aquilo que faziam no trabalho presencial, mas depois, naturalmente, criam-se novos hábitos. As pessoas reajustam o seu dia-a-dia de uma forma diferente. Portanto, o grau de disponibilidade não é o mesmo.

O facto de nós dependermos demasiado de recursos externos cria também determinados vícios. Isso é normal, se nós de repente não tivermos que trabalhar para viver o habituar-se a não fazer nada é das coisas mais fáceis

Vítor Bento

Presidente do Júri dos IRGAwards

E acha que Portugal, enquanto País, está preparado para um futuro com cada vez menos fundos europeus e até para andarmos pelos nossos próprios pés? Ou estamos demasiado viciados nesta vitamina?

Quer dizer, se não tivermos temos que nos habituar. O facto de nós dependermos demasiado de recursos externos cria também determinados vícios. Isso é normal, se nós de repente não tivermos que trabalhar para viver o habituar-se a não fazer nada é das coisas mais fáceis. Nós ajustamos facilmente ao tipo de circunstâncias e condicionamentos que temos. Agora, convém que tenhamos presente que o nosso futuro, quer individual, quer coletivo, depende do nosso esforço. E, portanto, há uns tempos onde nós podemos estar a ser amparados pelo esforço dos outros e isso exige menos de nós, mas depois nós temos que nos adaptar.

A coisa boa que eu acho que nós temos enquanto povo, enquanto cultura, é que nós adaptamos bem às circunstâncias e nós vimos isso sempre na adoção das tecnologias, é um exemplo, mas nas crises. Nós somos dos países que reagem mais rápida e facilmente às crises. Sofremos, mas damos a volta. Nós damo-nos mal é com o sol, aí é que nós depois acomodamo-nos também com muita facilidade. Se nós tivéssemos a mesma energia em tempos de calmaria como temos em tempos de crise, seríamos provavelmente o país mais desenvolvido do mundo.

Aliás, e falando exatamente de reagirmos a estímulos, nós, se pensarmos bem, há toda uma indústria em Portugal desenhada à volta dos fundos europeus, que tem isso como seu negócio. E são recursos que, no momento em que isso deixar de fazer sentido, vão ser utilizados, se calhar, em coisas mais reprodutivas para a nossa economia.

É totalmente verdade e é importante sublinhar. Há muitas atividades em Portugal cuja especialização é saber como sacar fundos europeus. Portanto, a sua área de especialização, de expertise, foi em saber sacar fundos europeus, quais são as travessas, quais são os recantos onde tem que se ir. E isso, obviamente, depois proporciona-lhe um conjunto de recursos, não tem necessidade de ir buscar a outro lado, não tem necessidade de ir explorar outras atividades, outras formas de rendimento e, portanto, isso cria alguma acomodação.

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