Adrian Bridge, CEO da The Fladgate Partnership, pede "bom senso" a Governo e PS para viabilizar Orçamento e evitar novas eleições. Aumento do salário mínimo está a “estrangular” as empresas agrícolas.
O CEO da The Fladgate Partnership adverte que “o sistema fiscal não pode matar, mas celebrar quem cresce”. Apesar de confessar estar “mais preocupado com as guerras e com a eleição de Trump do que com o Orçamento em Portugal”, Adrian Bridge diz que seria “ridículo” que o Governo e o PS não se entendessem para viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 e provocassem uma nova crise política.
Em entrevista ao ECO, o líder do grupo que detém as marcas de vinho do Porto Taylor’s, Croft e Fonseca, assim como negócios no setor da distribuição e do turismo, como o World of Wine e os hotéis The Yeatman (Gaia) e Vintage House (Pinhão), aconselha as empresas do setor a reestruturar-se para evitar um disparo nas falências e frisa que é preciso “pausar” o ritmo do aumento do salário mínimo que “está a estrangular as empresas agrícolas”.
Este ano houve uma mudança política em Portugal após oito anos de liderança do PS. Vê este Governo de direita a fazer algo de diferente?
O plano deles para reduzir os impostos é positivo. Acho que temos impostos a mais. Se continuarmos a tirar quase 50% a quem tem acima dos 80 mil [de rendimento coletável], isso não estimula muito os empreendedores. Temos um IRS que é penalizador porque o que está por trás das empresas são pessoas que querem melhorar a sua vida e a vida das suas famílias. Se só recebem metade, têm flexibilidade para ir trabalhar noutro país. O nosso sistema fiscal não pode matar quem cresce, mas celebrar quem cresce. Sou favorável a uma flat tax, em que todos pagam 28%, quer façam 10 mil, 100 mil ou 1 milhão. Porque quem ganha muito dinheiro vai gastá-lo. Não vamos para o próximo mundo com dinheiro, mas com sonhos. Progressividade? Resolve-se o problema se nos primeiros 12 ou 14 mil euros não forem taxados.
A simplificação do sistema fiscal é um passo para o jogo nivelado. Incentiva as pessoas a trabalhar mais e a riqueza vem do trabalho delas. Por vezes há algumas pessoas com sorte, mas é o trabalho que faz a diferença. O IRS tem de ser muito simples. E é difícil de explicar como temos um regime em que os residentes não habituais pagam um máximo de 20% e quem está aqui paga 50%.
E como se posiciona quanto à descida do IRC, que tem sido outro tema forte na negociação do Orçamento do Estado para 2025?
Defendo uma descida, obviamente, para termos um nível competitivo a nível mundial. Se tivermos um IRC que não é competitivo, algumas das melhores cabeças do mundo estarão focadas em inventar esquemas para esconder os impostos. E eu quero que esteja tudo dentro da economia real e não a invenção de esquemas destes [de otimização fiscal]. Seria fantástico baixar o IRC, como quer o Governo [o plano original para a legislatura era reduzi-lo em dois pontos percentuais por ano, dos 21% até aos 15%], para estimular o investimento. Se temos a capacidade de baixar o IRC para estimular a economia, isso é bom para todos.
Tem acompanhado a discussão sobre a viabilização do Orçamento? Preocupa-o que haja uma nova crise política em Portugal e isso tenha efeito sobre as empresas?
Neste momento, estou preocupado com o nosso negócio e com a política mundial. As eleições nos EUA vão influenciar muito mais do que o Governo português. Do ponto de vista macro, estou mais preocupado com as guerras e com a eleição de Trump do que com o Orçamento do Estado em Portugal. A nível micro, preocupa-me muito as pequenas alterações que são necessárias para melhorar a empresa. Sinceramente, tenho pouco espaço na minha cabeça para estas novelas políticas em Portugal. Façam as coisas com bom senso.
Um chumbo do Orçamento e novas eleições não assustaria os mercados e os investidores estrangeiros?
Qualquer empresa precisa de estabilidade. Estabilidade política, de preços, de pessoal, para planear. Seria ridículo falhar [a aprovação do] Orçamento e ser preciso ir a novas eleições, que seriam as terceiras em pouco mais de dois anos. E claro que isso não ajuda as empresas.
Estou mais preocupado com as guerras e com a eleição de Trump do que com o Orçamento do Estado em Portugal. Sinceramente, tenho pouco espaço na minha cabeça para estas novelas políticas em Portugal. Façam as coisas com bom senso.
O negócio do vinho está a atravessar uma fase difícil, com excesso de stocks, instabilidade no mercado e o consumo de vinho a baixar em todo o mundo. Como é que o setor chegou a este ponto e quais as principais ameaças?
Para o setor, depois de seis anos relativamente secos, este é um ano mais normal e com mais produção de vinho, mas isto encaixa num momento em que a procura mundial está mais baixa e há um excesso de vinho em muitos países do mundo. No curto prazo, isto é uma dor para os lavradores, que tinham a expectativa e o hábito de vender as suas uvas a uma empresa ou a qualquer agente no meio – e não é fácil porque não há grande procura.
Em cima disto, a rapidez do aumento dos juros desde a invasão da Ucrânia e o pico da inflação tiveram um efeito sobre o consumo e sobre as empresas. E também complicou o timing dos aumentos do salário mínimo, 37% [em termos reais] desde 2019. É menos complicado para os restaurantes e hotéis porque têm mais capacidade de se adaptar, mas na parte agrícola é complicado. Se continuarmos com aumentos anuais de salários mínimos de 6% [dos atuais 820 euros para 870 euros em janeiro de 2025], a crise vai continuar.
Discorda da trajetória de valorização do salário mínimo em Portugal?
Entendo que as pessoas queiram receber mais, mas o mais importante do ponto de vista económico é a produtividade. Haverá um aumento de produtividade de 6% por ano? Na realidade, na parte agrícola não é possível. Nos vinhos isto implica um aumento de volume de 6% por ano ou um aumento de 6% no valor médio num ano. Não é fácil. Esta é a lei da economia e não se pode destruir a lei da realidade. E, realisticamente, tem de se pausar este aumento de salários a esta velocidade porque afeta toda a nossa economia e está a estrangular as empresas. E, no fim, se as empresas não sobrevivem, não há emprego.
Mesmo agora no vinho do Porto há muitas empresas com dificuldades. Porque é uma tempestade perfeita. As empresas em geral do nosso país têm de sobreviver para dar emprego e assegurar o nosso futuro. Há setores em que será mais fácil do que noutros acomodar o custo da mão-de-obra. Mas no setor agrícola, e especificamente no Douro, em que a necessidade de mão-de-obra é maior, é complicado. É possível, mas não é fácil. Precisamos de mais realidade em termos salariais, é preciso pausar estes aumentos porque todas as pessoas estão indexadas ao salário mínimo. Se recebo 50 euros acima, tenho a expectativa mínima de continuar a receber 50 acima. Isto é normal, é humano.
Têm aumentado o recurso à mão-de-obra estrangeira?
Pelo facto de haver muita gente que opta por não trabalhar, precisamos de dar emprego aos imigrantes. É uma realidade. Se damos benefícios que levam os trabalhadores a ficarem em casa, quem faz o trabalho? Os imigrantes. Antes da pandemia, 98% dos trabalhadores do nosso grupo eram portugueses. Hoje são 80%. E não foi por uma escolha estratégica nossa, foi pela disponibilidade das pessoas. Onde estão os trabalhadores portugueses que existiam antes da Covid? Não faço ideia.
A alternativa tem sido empregar mais imigrantes.
Tem de ser. Ou fechávamos portas. Para sobreviver, as empresas estão a dar emprego aos imigrantes. Não há grandes alternativas. Se é o ideal? Não, a minha preferência era que toda a gente contribuísse para a nossa economia. Eu sei que há pessoas com long covid e sem capacidade para trabalhar – e estamos lá para ajudar esta gente. Mas também tivemos exemplos de pessoas que acham que o trabalho é um estilo de vida. Se quer pagar contas, tem de trabalhar. Sei de alguns, por experiência pessoal, que vêm trabalhar para a nossa linha de engarrafamento e depois de meio dia dizem: ‘isto não é fácil, vou ao ginásio, não vou continuar a trabalhar aqui’. Desculpe, mas isto não está correto. Mas noutros países também acontece. Vejo números na Inglaterra a indicar que desde o início da pandemia há menos 800 mil britânicos disponíveis para trabalhar. Onde estão? Se este é um assunto de saúde, onde está o plano para recuperar esta gente? Não há plano.
Antes da pandemia, 98% dos trabalhadores do nosso grupo eram portugueses. Hoje são 80%. E não foi por uma escolha estratégica nossa, foi pela disponibilidade das pessoas. Onde estão os trabalhadores portugueses? As empresas estão a dar emprego aos imigrantes para sobreviver. [Sem eles] fechávamos portas.
Além do aumento dos custos salariais, que referiu, quais são os outros fatores de pressão sobre as empresas?
Somos empresas com muito stock e o custo do financiamento teve aumentos substanciais. Isto encaixa com uma procura mundial um pouco abaixo do normal, com as alterações climáticas que impactam com a vinicultura. Se este fosse um ano seco e com menor produção, a crise não seria a mesma. Já seria [um cenário de] crise só com o aumento do custo da mão-de-obra e do custo de dinheiro, com a falta de procura e as alterações climáticas. Mas adicionando uma produção mais normal, que este ano é interpretada como um excesso… é complicado. Desde 2019 até ao fim de 2023, a margem líquida das empresas de vinho do Porto caiu entre 25% e 50%. Há uma empresa de peso no nosso setor que tem uma margem líquida abaixo de 4%. Quando o custo do dinheiro é 4,5%, não é possível aguentar.
Qual devia ser a intervenção do Ministério da Agricultura para ajudar o setor a sair desta espiral negativa?
O ministro [da Agricultura] tem de falar com todas as pessoas envolvidas no setor e não ter a ideia de que ‘as empresas de vinho do Porto são ricas e é mandar-lhes a conta’. Tem de entender a realidade dos mercados. Para um ministro desenhar soluções, tem de ouvir todos os jogadores dentro do setor e de fechar as orelhas para os poetas que pensam que tudo é fácil. Quero convidar o ministro para estar mais próximo das empresas e entender a realidade: o que é fundamental é a sobrevivência das empresas porque essa é a solução para garantir a sobrevivência dos lavradores.
Eu não sou muito pessimista porque acho que o nível de procura mundial para os vinhos portugueses tem muito potencial. Nas categorias especiais [de Vinho do Porto], o nível de consumo é bom. O desafio está mais no nível de stockagem dentro dos distribuidores e dos retalhistas. Mas se eles tiverem mais confiança, isto altera-se rapidamente. A crise neste momento é mais de confiança do que uma crise económica. Metade do mundo vota este ano – e não há nada mais importante do que as eleições nos EUA. As coisas não estão assim tão más. Lamento ver políticos nos EUA dizerem que tudo é péssimo, que tudo é terrível, porque isso tem um efeito sobre os consumidores. Mas não é verdade. Têm uma economia fantástica e se as pessoas tiverem confiança vão gastar o seu dinheiro. Mesmo em Portugal, as pessoas estão a poupar agora. Os portugueses têm dinheiro, não querem é usar este dinheiro porque não têm confiança no seu futuro. Este jogo da confiança é o mais importante para as empresas. Estou otimista no futuro, mas aceito que não é fácil.
Acha que a redução da procura no vinho tem mais a ver com falta de confiança do que com a tendência para o consumo de menos bebidas alcoólicas?
Há movimentos atrás da Organização Mundial da Saúde (OMS) que dizem que qualquer álcool é negativo. A realidade estatística [mostra] outra verdade. Beber um copo de vinho tem o mesmo risco de comer bacon diariamente. Eu prefiro um copo de vinho a um pedaço de bacon [risos]. Na prática, há consumidores a nível mundial, há muita gente que quer ter a experiência de provar vinhos e há muitas oportunidades para os vinhos portugueses porque a qualidade é hoje muito melhor do que era antigamente. E com o fluxo turístico [em Portugal] houve muita gente que teve a oportunidade de experimentar vinhos portugueses nas suas férias e querem encontrá-los na sua casa. A realidade é que não temos a presença [internacional] alinhada com a nossa produção, somos mais dependentes do consumo interno do que da exportação. O Vinho do Porto é uma bandeira do nosso país e atrás dele podemos apresentar o vinho de mesa.
O ministro da Agricultura tem de falar com todas as pessoas envolvidas no setor e não ter a ideia de que ‘as empresas de vinho do Porto são ricas e é mandar-lhes a conta’. Tem de entender a realidade dos mercados. Para desenhar soluções tem de ouvir todos os jogadores dentro do setor e de fechar as orelhas para os poetas que pensam que tudo é fácil.
Não é trágico que desapareçam muitos pequenos viticultores no Douro?
A palavra ‘trágico’ é muito emocional. Estamos dependentes dos lavradores para a nossa matéria-prima. É o que é. Mas quantos lavradores estão orientados para a qualidade e não para a quantidade? Sabemos que uma quinta com menos de cinco hectares não é uma quinta profissional. É mais uma quinta de fim de semana. Ou seja, se o objetivo é a qualidade – e aí está o nosso futuro -, têm de se orientar e criar condições para produzir com mais qualidade. Se me pergunta se o melhor é haver muitos lavradores com meio hectare cada ou menos lavradores com 5 a 10 hectares, acredito mais nesta última porque vão estar guiados pelas necessidades profissionais e pelas racionalidades mais económicas do que os pequenos, mais orientados para o emocional. Imagine, há muitos lavradores que têm 400 ou 500 euros por ano [de rendimento] pelas suas videiras. Desculpe, temos de ter outras soluções porque não são a chave para o crescimento da qualidade.
Como é que o setor vai sair desta crise, com menos empresas? Prevê uma maior consolidação nesta indústria do vinho?
Há empresas de vinhos que vão entrar em falência, sim. Obviamente, isto depende muito do comportamento dos bancos: se eles dão tempo para a reestruturação e do seu entendimento de que essa reestruturação é possível. Acredito que 2025 vai ser muito melhor, mas as empresas têm de fazer essa reestruturação. Nós fizemos uma em julho, que não foi fácil, mas que era necessária. É preciso reduzir os custos, aumentar a eficiência e ficar muito mais ágil para os próximos passos. Olhámos para indicadores como os rácios do custo de pessoal por vendas, para o custo de engarrafamento de cada garrafa, para o preço das garrafas, para o aumento do volume na linha, para a venda a melhores preços e para uma rotação mais rápida. Todos estes pequenos [passos] fazem a diferença no fim. A eficiência hoje em dia vem de muitos passos. Foi por aí que começámos. Houve muita gente na área da vinicultura que começou pelas videiras porque é possível “abandoná-las” durante um ou dois anos sem perda de qualidade. Para nós isto não é negociável, ou seja, tem de se dar mais atenção às videiras.
Mas falou de um plano duro.
Qualquer impacto é duro. A mudança não é fácil para ninguém, mas tem de ser. Não há qualquer empresa com margens tão vastas que possa absorver [o aumento dos custos e a perda de receitas]. Este ano, a primeira reação de muitas empresas foi ‘se vendemos menos, precisamos de menos stock’ – e isso bate imediatamente com o lavrador. É duro, mas se temos stocks em excesso… O setor do vinho do Porto tem 550 mil pipas, o que representa cerca de 600 milhões de euros. Se o seu custo do dinheiro passa de 1,5% para 4,5%, são 18 milhões [de acréscimo] e isto vai à margem das empresas. Fazer aumentos de preços não é fácil e para as empresas privadas que têm mais dependência dos bancos não é fácil absorver isto no curto prazo. Mas têm de aceitar que têm de ajustar as suas metodologias de trabalho, os seus custos, identificar as poupanças, fazer o necessário para aumentar a eficiência e a produtividade.
Não vê esse movimento de reestruturação a ser feito no setor para evitar mais falências?
As falências são uma coisa brutal. Normalmente, as empresas de vinho demoram tempo a entrar em falência. Não é de um dia para o outro, normalmente é um processo de dez anos. Mas não lhe posso dar a sensação de que tudo está bem com as empresas de vinho em Portugal. Estamos numa fase frágil. Podem sobreviver, sim, mas não com a ideia de que se pode ficar sem fazer nada. Tem de se trabalhar muito na produtividade, nas poupanças, aumentar as vendas e subir os preços.
O que é que a Fladgate deixou de fazer nesta fase por causa do aumento dos custos de financiamento?
Fizemos um trabalho para estender a dívida de curto e médio prazo e vendemos bens. Vendemos o Hotel Infante de Sagres e estamos neste momento a vender um terreno no Campo Alegre (Porto). Ou seja, o que não é operacionalmente crítico para a empresa, vendemos para reduzir a dívida. Se estamos com restrições pelo preço do dinheiro, é melhor libertar o que não é estratégico e focar no que é estratégico. A realidade é que nenhuma empresa pode estar gorda porque fica mais ágil.
A nossa prioridade é fazer o Bearsley Hotel, em Gaia [nos antigos armazéns da Fonseca], num local espetacular ao lado do rio, um hotel irmão do The Yeatman. É um investimento importante [de 40 milhões de euros]. Mas para pagar esse investimento tens de vender outro terreno que não é estratégico. Em vez de ires ao banco pedir dinheiro emprestado para a construção, vendes bens e usas esse dinheiro para fazer esse investimento.
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