Ações devem continuar a brilhar no segundo semestre apesar de riscos políticos crescentes

Agravamento do risco político deverá induzir maior volatilidade nas bolsas na segunda parte do ano, mas sem colocar em causa a rota de alta, com os analistas confiantes na manutenção dos fundamentais.

Depois de um ano de 2023 muito forte nos mercados acionistas globais, a tendência positiva prosseguiu na primeira metade deste ano, mantendo-se também os fatores que justificam o movimento de alta nas ações. Euforia com o impacto da Inteligência Artificial, perspetiva de cortes de juros, resiliência da economia e evolução positiva dos resultados das empresas foram os condimentos que atiraram os índices acionistas para novos máximos.

Tendo em conta o notável desempenho nos últimos trimestres, intensificam-se nos mercados os receios de que as ações tenham esgotado o potencial de valorização, enfrentando o risco crescente de um movimento de correção pronunciado. Mas os sinais não apontam nesse sentido, pois as últimas fases negativas nas bolsas foram de curta duração, com os investidores a aproveitarem estes períodos para reforçar nas ações. Uma estratégia (conhecida nos mercados por buy the dip) que ilustra o elevado apetite pelo risco e confiança nos fundamentais.

Os gestores de ativos e analistas ouvidos pelo ECO têm uma perspetiva positiva para as bolsas, confiando que os catalisadores são mais fortes de que os riscos descendentes, embora assinalando que é expectável um aumento da volatilidade.

“Estamos confiantes e moderadamente otimistas para a evolução do mercado acionista para os próximos meses”, refere Pedro Barata. “A inflação na maioria dos países desenvolvidos parece estar controlada e a caminhar no sentido desejado, é expectável que os bancos centrais comecem paulatinamente a reduzir as taxas de juro” e, “ao mesmo tempo, o mercado de trabalho continua bastante dinâmico, o que é relevante para o vigor da economia global”, justifica o gestor do GNB Portugal Ações, o melhor fundo de ações portuguesas de 2023.

“As perspetivas para a atividade mundial continuam a melhorar” e os “investidores apreciaram as surpresas positivas dos resultados empresariais do primeiro trimestre, bem como a melhoria da confiança nos países ex-EUA”, destaca Michele Morganti. O senior equity strategist da Generali Investments antecipa “um bom crescimento dos lucros neste ano e no próximo e margens corporativas resilientes no segundo semestre”, o que é “típico de fase de expansão, em que as ações costumam apresentar um melhor desempenho do que as obrigações”.

Apesar de identificar vários cenários de risco, a perspetiva da Baluarte é de que “os mercados acionistas globais irão prolongar esta fase ascendente do seu ciclo”. Pedro Silveira Assis, managing partner da consultora de investimentos portuguesa, diz que o “nosso cenário central é de uma valorização positiva, sujeita a um alargamento das rentabilidades, até aqui muito concentradas em poucos títulos e setores”. Assinala que a rentabilidade da segunda metade deste ano até poderá ser negativa, mas sem colocar em causa a “continuada valorização a prazo”.

Martin Jacobs, gestor de carteiras de ações do Capital Group, destaca que “quando as ações atingem máximos históricos, os investidores concluem que já atingiram o pico e perderam o comboio”, mas esta ideia “não poderia estar mais longe da verdade”. Pelo contrário, a história mostra que “novos máximos têm sido frequentemente um bom ponto de entrada para investidores de longo prazo”. Além disso, os “bull markets têm durado muito mais tempo do que os bear markets, levando a novos máximos em cada ciclo”.

O gestor do Capital Group exemplifica que, desde 1950, de cada vez que o S&P500 atingiu um máximo histórico, o índice gerou uma valorização média de 17,1% nos 12 meses subsequentes. Quem investiu nas ações norte-americanas nestas fases de máximos, só ficou a perder durante a crise financeira global que iniciou em 2007. “Vamos assistir a movimentos negativos, mas não alteram a trajetória de longo prazo”, refere Martin Jacobs, que está focado em temas como “globalização, produtividade e inovação”, que são “forças incrivelmente poderosas de crescimento”.

A inflação na maioria dos países desenvolvidos parece estar controlada e a caminhar no sentido desejado. Dito isto, é expectável que os bancos centrais comecem paulatinamente a reduzir as taxas de juro. O mercado de trabalho continua bastante dinâmico o que é relevante para o vigor da economia global. Estamos confiantes e moderadamente otimistas para a evolução do mercado acionista para os próximos meses.

Pedro Barata, gestor do GNB Portugal Ações

Semestre de máximos nos índices

Tal como aconteceu em 2023, a tendência de alta das bolsas concentrou-se nas empresas de grande capitalização. Sobretudo as tecnológicas dos Estados Unidos, com destaque para a Nvidia, que ascendeu ao topo das cotadas mais valiosas do mundo com uma capitalização bolsista acima de 3,3 biliões de dólares, continuando a ser a aposta preferida dos investidores para estarem expostos à história da Inteligência Artificial.

O índice S&P500 valorizou 14,5% no primeiro semestre, tendo alcançado máximos históricos ao ritmo de um em cada quatro sessões desde o início do ano. Foram 31 recordes diários no primeiro semestre, o segundo melhor registo deste século, sendo que as estatísticas dão alento para uma segunda metade de ano positiva. Quando o índice marca ganhos de dois dígitos entre janeiro e junho, a valorização média no segundo semestre é de 10%, de acordo com os cálculos da Bloomberg.

O tecnológico Nasdaq avançou 18,1% nos primeiros seis meses do ano e o Dow Jones ganhou 3,79%, demonstrando como o movimento de alta foi pouco abrangente. O S&P500 Equal Weight, que atribui o mesmo peso às 500 cotadas do índice norte-americano, valorizou apenas 4,1% no semestre. O diferencial de 10 pontos percentuais para o S&P500 foi o mais alargado de sempre para um primeiro semestre. O S&P500 avançou 690 pontos nestes seis meses, sendo que a Nvidia foi responsável por 218 pontos, o que representa quase um terço do total.

Quando as ações atingem máximos históricos, os investidores concluem que já atingiram o pico e perderam o comboio. Não poderia estar mais longe da verdade. A história mostra que novos máximos têm sido frequentemente um bom ponto de entrada para investidores de longo prazo.

Martin Jacobs, gestor de carteiras de ações do Capital Group

Apesar do desempenho notável, Wall Street não lidera os ganhos entre os mercados desenvolvidos. Tal como aconteceu em 2023, o primeiro lugar do ranking volta a ser ocupado pela Bolsa de Tóquio. À boleia da desvalorização do iene para mínimo de 36 anos (beneficia as exportadoras), recuperação da economia japonesa e reformas abrangentes no modelo de governação das cotadas, o índice Nikkei dispara 18,3% desde o início do ano (valorizou 28,2% em 2023).

As ações chinesas voltaram a desiludir, seguindo o desempenho dececionante da economia do país, que teima em não arrancar e continua a ser arrastada pela crise no imobiliário. As praças europeias também ficaram para trás comparando com a prestação das pares norte-americanas e japonesas.

O índice pan-europeu Stoxx600 valorizou 6,8% no primeiro semestre, tendo fixado máximos históricos recentemente. Entre os principais índices nacionais, nenhum marca ganhos de dois dígitos desde o início do ano. O CAC de Paris até apresenta um saldo negativo, enquanto o PSI de Lisboa regista uma valorização muito magra (1,3%). O MSCI International ACWI, que mede o desempenho das ações mundiais, valorizou 10,3% no primeiro semestre.

Incerteza política rima com volatilidade

O desempenho mais fraco das bolsas europeias está em parte relacionado com o impacto das eleições para o Parlamento Europeu, que levaram o presidente francês a convocar legislativas antecipadas e os investidores a fugirem dos ativos do país com receio de uma vitória da extrema-direita que agrave as já débeis contas públicas do país, provocando uma crise na Zona Euro. O risco da dívida francesa disparou para máximos de mais de 10 anos e as ações das cotadas do país reagiram em forte queda, ilustrando o aumento da incerteza política.

Este é apontado com um dos principais riscos para a evolução das bolsas na segunda metade de um ano em que mais de um terço da população mundial foi/irá às urnas para eleger governos ou presidentes. Depois das surpresas em países como o México e Índia terem causado instabilidade, os investidores vão estar de olhos postos na composição do próximo Parlamento francês, nas legislativas no Reino Unido e sobretudo nas eleições nos Estados Unidos marcadas para 5 de novembro.

Contudo, os analistas descartam um impacto substancial capaz, só por si, de derrubar a tendência positiva das bolsas, apontando antes para um aumento da volatilidade nos mercados a refletir o agravamento da incerteza. “Não estranharemos que, caso se assista a um aumento de instabilidade politica fruto dos resultados das eleições em França e nos EUA, a volatilidade dos mercados possa aumentar novamente”, diz Pedro Barata, acreditando que “os investidores tenderão a ajustar rapidamente as suas expectativas e que o mercado deverá seguir depois o seu curso natural, que neste momento achamos ser de subida”.

“A segunda metade do ano será claramente dominada pelas eleições norte-americanas em novembro”, refere Pedro Silveira Assis, antecipando que “uma administração Republicana liderada por Trump irá certamente introduzir grandes alterações no plano económico e das relações externas”. O managing partner da Baluarte lembra que em 2016, “as alterações foram vistas como positivas para os mercados, mas a volatilidade induzida pela eventualidade de um governo de Trump será certamente sentida durante algum tempo, antes e depois de novembro”.

Michele Morganti estima um aumento da volatilidade de curto prazo nos mercados europeus devido às eleições em França e salienta que os investidores devem assumir uma extensão do cronograma para o processo de reformas da União Europeia, o que deverá manter o prémio de risco das ações europeias face às norte-americanas em níveis elevados enquanto persistir a incerteza. Contudo, a Generali Investments está preparada para reforçar as perspetivas para as ações assim que a tensão política aliviar em França. Para já, está a estimar um retorno total a 12 meses de 7,5% nas ações fora dos EUA e 4,5% no S&P500.

O UBS tem uma visão positiva para as ações, mas antecipa que as eleições nos EUA vão incrementar a volatilidade no mercado, recomendando por isso que os investidores façam uma gestão adequada do risco. Nas ações, as “empresas de consumo discricionário e as renováveis estão vulneráveis se os Republicanos ficarem com a Casa Branca e o Congresso”, sendo que o setor financeiro “pode beneficiar com este cenário”.

O banco de investimento suíço considera que o ouro também é uma boa alternativa de cobertura de risco face às preocupações geopolíticas, inflação e défice elevado nos EUA. “O segundo semestre de 2024 será um momento de transição e volatilidade”, sendo que “as decisões que os investidores tomarem agora serão fundamentais para navegar eficazmente neste período”. Por isso, o UBS recomenda uma “abordagem equilibrada, diversificada entre obrigações, ações e investimentos alternativos, para posicionar-se para objetivos financeiros de longo prazo enquanto navega pela incerteza de curto prazo”.

A rentabilidade da segunda metade deste ano poderia até ser negativa, sem que isso negasse a sua continuada valorização a prazo, mas o nosso cenário central é de uma valorização positiva, sujeita a um alargamento das rentabilidades, até aqui muito concentradas em poucos títulos e setores.

Pedro Silveira Assis, managing partner da Baluarte

Resultados e economia contêm outros riscos

A concentração dos ganhos nas grandes tecnológicas, as elevadas avaliações com que transacionam as ações, o potencial abrandamento mais pronunciado da economia norte-americana e a evolução das taxas de juro são outros dos riscos para a evolução positiva das bolsas no segundo semestre deste ano. Os analistas identificam estes riscos, mas mantêm uma perspetiva positiva para as ações.

A resiliência da economia americana tem sido uma agradável surpresa para a maioria dos investidores nestes últimos anos”, refere o gestor do GNB Portugal Ações, salientando que “se ela foi possível num cenário de inflação e taxas de juro elevadas, não vemos razão para estar mais pessimistas se esta resiliência se mantiver num possível cenário de redução de taxas”.

Pedro Barata está “bastante otimista face ao futuro do mercado português, mesmo que por vezes, a sua performance seja inferior a outros mercados mais expostos a setores mais voláteis”. Isto porque “as empresas portuguesas continuam a ser bastante generosas com os seus acionistas, via pagamento de dividendos, e as empresas que compõem o seu principal índice continuam a mostrar contas bastante sólidas e a manter equipas de gestão muito competentes”.

Jared Franz salienta que “o cenário positivo para os resultados das empresas parece estar a melhorar ainda mais”, o que representa “um bom presságio para os investidores em ações, uma vez que o crescimento dos lucros é o principal impulsionador dos retornos. O economista do Capital Group destaca que os analistas apontam para um aumento de mais de 10% nos lucros nas empresas do S&P500 no segundo semestre, com uma aceleração em 2025, sendo que na Europa o crescimento será mais modesto, mas ainda assim positivo.

Esta evolução positiva dos resultados ajuda a reduzir as preocupações com os elevados múltiplos com que transacionam as ações, sendo que os rácios que relacionam as cotações e os lucros “estão acima da média a 10 anos apenas de forma moderada”, refere Jared Franz. Entre os riscos para este cenário otimista, o economista destaca “a estagnação da inflação, forte alta nos preços do petróleo, escalada de guerras comerciais motivadas por tensões geopolíticas e outros acontecimentos imprevistos”.

Michele Morganti admite uma rotação das tecnológicas para outros setores devido à “normalização” dos resultados das companhias mais expostas à Inteligência Artificial, o que até pode suportar o S&P500. O analista da Generali Investments diz que este segmento do setor tecnológico está “apenas ligeiramente sobrevalorizado, mas ainda longe dos níveis registados na bolha das dotcom”.

Morganti refere que as medidas dos reguladores e os riscos geopolíticos são “motivos de preocupação” e a introdução de novas tarifas se Trump for eleito vai elevar o prémio de risco de diversos setores, incluindo o tecnológico. A manutenção dos juros dos EUA por mais tempo colocará um limite no crescimento dos lucros, mas se as yields das obrigações permanecerem nos níveis atuais e a economia norte-americana continuar a melhorar ligeiramente, “Europa, Japão e alguns mercados emergentes podem alcançar retornos atrativos nos próximos trimestres”, pois nestas geografias “as ações não estão caras” e beneficiarão com a evolução positivo das cotadas de valor e do setor financeiro.

Pedro Silveira Assis destaca que “a resiliência da economia norte-americana poderá ajudar a prolongar” a segunda fase do ciclo em que se encontram as bolsas, marcada pela efetivação do aumento dos resultados das empresas”. Já o “regresso a um contexto de fraco crescimento económico, que motivasse um regresso ao estímulo monetário através do corte de taxas, se fosse possível apesar da inflação, afetaria mais as empresas cíclicas e poderia, em termos relativos, favorecer empresas de maior crescimento potencial”, assinala o managing partner da Baluarte, que vê como “bom sinal” o potencial alargamento dos benefícios com a Inteligência Artificial a outros setores.

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