AD otimista ou PS realista? As promessas para o crescimento e para as contas públicas

Montenegro conta com mais crescimento e com excedentes ao longo da legislatura, mas cenários das instituições económicas são mais próximos das projeções mais conservadores de Pedro Nuno Santos.

A AD e o PS prometem colocar o país a crescer a diferentes ritmos e apresentam visões distintas sobre a capacidade das contas públicas continuarem a registar ligeiros excedentes orçamentais. São os primeiros mais otimistas e os segundos mais realistas? As previsões das principais instituições económicas validam o cenário mais conservador dos socialistas. A execução das metas da coligação liderada por Luís Montenegro está dependente, por um lado, da evolução do contexto internacional e, por outro, da determinação do ministro das Finanças em ‘fechar ou não a torneira’ na despesa.

A AD – Coligação PSD/CDS-PP apresentou na sexta-feira o programa eleitoral com o qual se apresenta às legislativas de 18 de maio, no qual prevê chegar ao final da legislatura com uma taxa de crescimento de 3,2%. Um cenário mais ambicioso do que o do partido liderado por Pedro Nuno Santos, que aponta para uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,9% em 2029.

Para lá chegar, têm perspetivas distintas sobre o caminho, com a principal diferença a residir no papel do consumo privado. A bandeira do passado do PS de “devolução de rendimentos às famílias”, com consequências nos gastos, foi agora apropriada pela AD que continuar a apostar no caminho prometido nas legislativas de 2024.

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Luís Montenegro promete aos portugueses uma expansão do PIB de 2,4% este ano (acima dos 2,1% inscritos no Orçamento do Estado para 2025), acelerando para 2,6% em 2026, para 2,9% em 2027 e para 3,2% em 2028 e em 2029. Por seu lado, Pedro Nuno Santos espera um crescimento de 2,3% este ano, desacelerando ligeiramente para 2,1% no ano seguinte e 1,7% em 2027, estabilizando numa taxa de 2% nos dois anos seguintes.

O Banco de Portugal e o Fundo Monetário Internacional (FMI) partilham a projeção dos socialistas para este ano, enquanto o Conselho das Finanças Públicas (CFP) prevê que será de 2,2%. Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) espera uma subida de 2% do PIB e a Comissão Europeia de 1,9%.

 

Para 2026, as perspetivas das instituições económicas variam entre 2,1% e 2%, enquanto para 2027 o intervalo é de 1,9% e 1,6%. Para 2028 e 2029, apenas o CFP e o FMI têm projeções (num cenário de políticas invariantes), com a instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral a esperar 1,8% e a instituição de Bretton Woods a apostar 1,9%.

No entanto, quer o cenário macro da AD quer o do PS têm riscos associados, sobretudo devido à elevada incerteza da economia internacional. Nenhum dos dois incorpora de forma significativa os riscos de curto prazo. A médio prazo, é preferível um cenário mais ambicioso (da AD) do que um cenário de quase estagnação do emprego (o do PS)“, considera Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, em declarações ao ECO.

Nenhum dos dois incorpora de forma significativa os riscos de curto prazo. A médio prazo, é preferível um cenário mais ambicioso (da AD) do que um cenário de quase estagnação do emprego (o do PS).

Pedro Braz Teixeira

Diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade

A guerra comercial – entre avanços e recuos – é um dos principais fatores que poderá influenciar a resistência da economia portuguesa. Apesar de Portugal não ser um dos países mais diretamente expostos, os efeitos podem chegar por via indireta. “A conjuntura internacional está muito volátil e incerta, com um conflito comercial fortíssimo entre as duas maiores economias do mundo, podendo alargar-se e com ramificações evidentes para as restantes“, salienta Pedro Braz Texeira.

Os dois partidos reconhecem nos programas eleitorais a elevada volatilidade do contexto mundial e optaram por não incorporar ainda o impacto das tarifas comerciais da Administração Trump e as contramedidas da União Europeia e China. Numa das primeiras previsões sobre as atuais tensões comerciais transatlânticas, baseadas na taxa de 25%, Bruxelas estima um impacto económico de até 0,6% no PIB da União Europeia por novos direitos aduaneiros norte-americanos permanentes, que seria cinco vezes pior nos Estados Unidos, pela ‘guerra’ tarifária iniciada pelo país.

AD espera aceleração mais rápida do consumo das famílias

Quer a AD, quer o PS esperam que o crescimento da economia resulte de três indicadores: investimento, exportações e consumo privado. No entanto, a coligação é mais otimista sobre o aumento de cada um.

Numa perspetiva de médio prazo, o cenário macro da AD é ambicioso em termos de aumento de potencial de crescimento do PIB, com uma certa estabilização do crescimento do emprego e aceleração da produtividade, como seria recomendável“, destaca Pedro Braz Teixeira.

Para o economista, por outro lado, “surpreende” a expectativa do PS de que a economia cresce mais em 2025 do que em 2029. “A principal razão parece ser a muito forte desaceleração do emprego, o que não parece muito alinhado com um partido tão amigo da imigração e que pretende fazer regressar muitos dos nossos emigrantes recentes. Na criação de emprego poderia ser mais ambicioso”, aponta.

A AD credita numa aceleração mais rápida do consumo e das exportações face às projeções oficiais, o que lhe permitirá conciliar o pagamento das suas promessas com a manutenção de excedentes orçamentais.

Ricardo Ferraz

Professor no ISEG e na Universidade Lusófona

Na mesma linha, Ricardo Ferraz, professor no ISEG e na Universidade Lusófona, em declarações ao ECO, sublinha que os valores estimados pelos socialistas para o crescimento económico de 2026 e 2027 são os mesmos que foram antecipados pelo Banco de Portugal. “Ou seja, em termos práticos, o PS admite que se chegar ao poder, tal não se traduzirá num maior crescimento“, considera.

Por outro lado, destaca que a AD acredita numa aceleração mais rápida do consumo e das exportações face às projeções oficiais, “o que lhe permitirá conciliar o pagamento das suas promessas com a manutenção de excedentes orçamentais”. No entanto, adverte que “há riscos que não podem ser desvalorizados“, apontando como o principal um possível agravamento da conjuntura internacional. “Tal recomenda, por isso, muita cautela em matéria de promessas eleitorais”, assinala.

O Primeiro-Ministro Luís Montenegro recebe o secretário-geral do PS Pedro Nuno Santos num encontro tendo em vista o Orçamento do Estado para 2025 - 27SET24
Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, e secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos.Hugo Amaral/ECO

Ao longo da legislatura, a coligação prevê que o contributo da procura interna para o crescimento do PIB varie entre 2,6 pontos percentuais (pp.) e três pontos e o da procura externa líquida seja negativo este ano e o próximo, recuperando nos anos seguintes.

A equipa de Montenegro prevê que o investimento aumente 4,4% este ano e 6% no próximo, desacelerando para 3,7% no seguinte, chegando a 2029 a crescer 4%. No Largo do Rato, a expetativa é de uma subida de 3,9% este ano, 4,4% no próximo, desacelerando para 0,1% em 2027 e recuperando para 2,6% em 2029.

O conservadorismo dos socialistas estende-se às exportações, esperando que avancem de 2,7% este ano para 2,9% no próximo, contra uma subida de 2,2% em 2025 para 3% em 2026 prevista pelos sociais-democratas. Para o PS, as exportações estarão a crescer 1,9% em 2029, enquanto para a AD aumentam 4,4%.

AD espera que o consumo das famílias chega ao final da legislatura a crescer 3%. PS aponta para uma taxa de 1,9%.

No fomento da procura interna, a AD continua a esperar que o consumo das famílias continue a desempenhar um papel importante. A coligação prevê que após aumentar 2,4% este ano, vá crescendo progressivamente, atingindo uma taxa de variação de 3% no final da legislatura. Por seu lado, o PS conta um crescimento de 2,8% este ano, desacelerando para 1,8% nos dois anos seguintes, chegando a 2029 a subir 1,9%.

O consumo privado foi motor do crescimento de 1,9% do PIB em 2024, com o investimento e as exportações a perderem terreno. Contudo, recentemente o Banco de Portugal previu para este ano e o próximo “um crescimento mais equilibrado”, com o consumo das famílias a perder terreno e um aumento do contributo do investimento e das exportações.

O fim dos excedentes está aí? AD garante que não, PS discorda

O alerta do CFP sobre o fim de um “mini-ciclo” de excedentes orçamentais teve eco esta semana e entrou em força na pré-campanha eleitoral, dando força às projeções dos socialistas de que após um saldo positivo este ano, o país irá regressar aos saldos negativos no próximo ano (ver gráfico no início do artigo, escolher indicador saldo orçamental).

Para este ano, o PS prevê um excedente de 0,1% do PIB, abaixo dos 0,3% previstos pela AD, e para o ano um défice de 0,4%, contra o excedente de 0,1% esperado no Terreiro do Paço. Os socialistas atribuem o saldo negativo ao impacto dos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), enquanto na equipa das Finanças do Governo e da AD reconhece-se o efeito do PRR, mas garante-se que o saldo será positivo.

Não será connosco que Portugal tornará a ter défice. Não será connosco que voltaremos a ter restrições por causa da irresponsabilidade dos governantes“, afirmou o líder do PSD (e primeiro-ministro), Luís Montenegro, na apresentação do programa eleitoral.

Perante este cenário, o deputado e dirigente socialista, António Mendonça Mendes, defendeu que o programa eleitoral da AD “choca com a realidade” e “não é sério”, considerando que as previsões de excedentes em todos os anos “não oferece credibilidade aos portugueses”.

O Governo contradiz assim o Conselho das Finanças Públicas e o Banco de Portugal, que veem o país a regressar aos défices. Depois de excedentes em 2023 (1,2%) e 2024 (0,7%), a instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral prevê um saldo equilibrado este ano e um saldo negativo de 1% do PIB em 2026.

Os técnicos justificam o resultado do próximo ano em mais de metade pelo impacto dos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Descontando este efeito, seria ainda negativo em 0,4% devido às medidas de política, como o IRS Jovem e a valorização das carreiras.

Neste sentido, Nazaré da Costa Cabral alertou que “não há mesmo margem para fazer mais medidas de política sem medidas de compensação” e que o país tem “menos margem orçamental para fazer face a uma inversão do ciclo económico”, apelando a cautela “daqui para a frente com as medidas que se anunciam”.

António Mendonça Mendes defende que programa eleitoral da AD “choca com a realidade” e “não é sério”, considerando que as previsões de excedentes em todos os anos “não oferece credibilidade aos portugueses”.

Em dezembro, o BdP mostrou-se mais pessimista já para este ano e apontou para um défice de 0,1%, subindo para 1% em 2026 e 0,9% em 2027. Mário Centeno argumentou, contudo, ser “importante ter presente que não há nada de determinístico na execução orçamental exceto a vontade política de o fazer” e defendeu que “os países devem ter objetivos de política orçamental que sejam robustos ao ciclo económico e aos ciclos políticos”.

Além da estratégia definida pelos ministros das Finanças publicamente, estes dispõe ao longo do ano de ferramentas que lhes permite ajustamentos. Tradicionalmente, um dos maiores sacrificados é o investimento público, com taxas de execução abaixo do previsto.

Para Pedro Braz Teixeira, em termos orçamentais, tirando as questões relacionadas com o crescimento económico, que são o risco sobre as perspetivas das contas públicas, a estratégia orçamental da AD é “saudável, com alívio fiscal — a carga fiscal cai de 24,8% do PIB em 2024 para 23,6% do PIB em 2029″.

O economista aponta ainda a expetativa de redução “significativa” da dívida pública até 75% do PIB em 2029, um valor que, considera, “geraria maior tranquilidade sobre as contas públicas e sobre a capacidade de absorver choques futuros”.

Ainda assim, alerta que os dois programas têm um risco adicional. “Se voltarmos a ter um governo com apoio parlamentar minoritário, mesmo que este tenha as melhores e mais ambiciosas políticas, será difícil que as consiga concretizar“, disse.

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