Artista. Humanista. Ativista. Ou só Ai Weiwei

O seu nome está proibido na China. Para o resto do mundo é dos mais importantes artistas contemporâneos. Foi em Portugal que escolheu viver: uma "nação diferente" com "um pôr do sol genuíno".

A obra confunde-se com o artista. Frase feita. Mas por onde começar a falar de Ai Weiwei aquela pessoa, que até os mais próximos consideram “difícil de definir”. À Cordoaria Nacional onde inaugurou “Rapture” (O Rapto) – a sua maior exposição de sempre, patente até 28 de novembro — chegou sério, visitou-a primeiro sozinho até porque havia obras que nunca tinha visto expostas e queria vê-las pela primeira vez, parando em locais estratégicos onde se deixou fotografar.

Hugo Amaral/ECO

Já na mesa da conferência de imprensa mostrou-se aos poucos e até o seu humor veio ao de cima. “Bem-vindos ao meu país Portugal, uma nova nação de muitas maneiras diferentes e que achei um bom ponto de partida”, disse aos muitos jornalistas presentes.

Enquanto artista e pessoa, faz muitas decisões “por instinto”. Foi assim que acabou por comprar uma propriedade no Alentejo, em Montemor, onde tem galinhas, oito novos gatos, planta flores, cuida de árvores e tem o seu pôr-do-sol. “Portugal é uma nação muito diferente de outras na Europa. Sinto-me confortável aqui, gosto do estilo de vida, a comida é aceitável para um chinês (diz com humor) e tem um pôr-do-sol genuíno em que confio, é um país muito saudável”, disse Weiwei sobre o apelo artístico que o trouxe até cá.

E foi precisamente em Portugal que viveu a pandemia que não o impediu de continuar a pensar e a criar, tendo sido mesmo um “período muito produtivo”, porque trabalha “muito sozinho”. “Terminei três filmes, fiz esta exposição e tenho para breve a publicação de um livro com memórias, sobre a vida de diferentes gerações na China”, revelou.

E voltando a “Rapture”, a exposição só podia acontecer na Cordoaria Nacional, um lugar ligado ao mar e que remete para algumas das suas obras com o “Law of the Journey”, um bote insuflável com 60 metros de comprimento, com centenas de figuras humanas feitas em PVC reforçado e que reflete a crise humanitárias que testemunhou na visita à ilha grega de Lesbos.

A exposição é já considerada um dos maiores eventos culturais de 2021 e divide-se em dois núcleos que representam também os dois lados de Weiwei: o lado da fantasia que vai ao encontro das raízes perdidas culturais chinesas, a simbologia, a mitologia e o imaginário; e o lado que incide sobre a realidade e a emergência de assuntos a que está atento, como as condições humanas, por razões políticas, sociais ou ambientais. O seu lado mais ativista se quisermos, em forma de experiências pessoais como S.A.C.R.E.D, em que recria a sua prisão em 2011 pelas autoridades chinesas durante 81 dias num local secreto; Snake Ceiling, a cobra no teto, uma escultura feita de mochilas para homenagear as mais de 5 mil crianças que morreram no terramoto na província chinesa de Sichuan; ou o Azulejo Odisseia (onde fez questão de ser fotografado), um painel enorme produzido pela portuguesa Viúva Lamego e que retrata a crise dos refugiados.

Hugo Amaral/ECO

Nesta nova vida em Portugal, o artista tem viajado pelo país num processo de descoberta do artesanato local que incorporou em algum dos trabalhados apresentados nesta exposição inédita. Do mármore, ao azulejo, passando pela cortiça “sou um artista contemporâneo, mas olho muito para as tradições, para os artesãos e referências culturais, tento sempre entender o passado, e em Portugal há tradições muito fortes e tem sido uma relação muito interessante, desafiadora mesmo! Aprendemos mutuamente, é uma troca muito significativa para mim e para o meu trabalho”, explicou.

E se Ai Weiwei é uma pessoa difícil de definir, também o é o território criativo em que se move. Juntos – a pessoa e o artista, são talvez mais completos ainda que complexos. Arte, cinema, arquitetura, ativismo político, direção cénica, humor, mobilização por causas humanitárias e ambientais. Sempre entre a realidade e a imaginação em grande parte da simbologia ancestral chinesa. Talvez por essa razão, “Rapture”, o tema da exposição seja também ela cheia de significados: “É o momento transcendente que liga a dimensão terrena e a dimensão espiritual, ao mesmo tempo é o rapto, o sequestro dos nossos direitos e liberdades, mas pode ser também o entusiasmo sensorial com o êxtase”, acrescenta o curador Marcello Dantas.

Ainda que a exposição fale por si, não nos podemos esquecer que Ai Weiwei é um ativista político, símbolo da resistência à opressão chinesa e um defensor dos direitos civis e liberdade de expressão. Dias depois de a China ter autorizado uma política de três filhos, a questão também surge na conversa com os jornalistas.

Hugo Amaral/ECO

“Nos anos 80 decidiram que cada família só poderia ter um filho, mas a sociedade chinesa sempre viu as crianças como a esperança e o futuro”, começou por dizer, apontando ao regime comunista a destruição da “estrutura familiar, os filhos únicos são responsáveis por tomar conta dos pais e, eventualmente, dos avós”. “Uma pessoa tem de se responsabilizar por seis. Agora perceberam que essa estrutura não pode servir de base a esta enorme nação. Os jovens não são suficientes, e o problema é que com o encargo dos pais e avós, estes jovens não têm condições para ter três filhos. Há muito menos gente a casar e a ter filhos. Simplesmente não têm dinheiro para isso”, frisou.

Por fim, se é que há um fim, não esconde que gostava de ver mais artistas ativistas, “que pensassem nas condições humanas e estivessem menos preocupados com o facto de serem ou não celebridades e com o dinheiro, são educados assim, não têm esta dimensão humanista quando vivemos os piores tempos da humanidade”, concluiu Ai Weiwei, o artista, o humanista, o ativista.

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