Stéphane Boujnah, CEO da Euronext, explica como a bolsa de Paris superou Londres e admite ao ECO mais aquisições para expandir a “pegada europeia” da plataforma que integra a bolsa de Lisboa.
Quando em junho de 2016 os britânicos votaram a favor da saída do Reino Unido da União Europeia, desenharam-se cenários catastróficos para então pujante City de Londres. O centro financeiro da Europa iria deslocar-se para uma outra capital europeia e o Reino Unido iria perder milhares de empregos e muitos milhões de investimento por parte do sistema financeiro internacional.
O declínio do mercado de capitais londrino acabou por não ser dramático, mas tem vindo a confirmar-se ao longo dos últimos anos, o que promoveu a ascensão em geral da Euronext e em particular da Bolsa de Paris. A capital francesa, Amesterdão e Frankfurt têm repartido os dividendos do enfraquecimento de Londres.
O Brexit não explica tudo, mas está no epicentro da dinâmica que culminou este mês de novembro com a capitalização bolsista das empresas cotadas na Euronext Paris (2,823 biliões de dólares) a superar o valor de mercado das empresas listadas na London Stock Exchange (2,821 biliões de dólares). Antes do referendo do Brexit, a diferença era favorável à bolsa britânica e por uma larga margem: 1,5 biliões de dólares.
Em declarações por escrito ao ECO, o CEO e chairman da Euronext é assertivo na explicação desta conquista. “A combinação, nos últimos cinco anos, dos efeitos negativos do Brexit na London Stock Exchange e os efeitos positivos do desenvolvimento da Euronext na bolsa de Paris, proporcionou o enfraquecimento da posição da LSE e o desenvolvimento da Euronext Paris”, diz Stéphane Boujnah.
A conquista da liderança do mercado europeu culmina agora com Paris a superar Londres em termos de valor das empresas cotadas, mas já teve outros capítulos, que se materializaram sobretudo depois do Brexit ter sido concretizado a 31 de dezembro de 2020.
Logo em janeiro de 2021, o valor de mercado das empresas listadas das praças Euronext (Amesterdão, Paris, Bruxelas, Dublin, Oslo e Lisboa) superou a capitalização bolsista da LSE. Juntando as cotadas italianas (a Bolsa de Milão foi adquirida em 2021), o valor de mercado das cotadas da Euronext já duplica a LSE.
Também em 2021, a bolsa de Amesterdão “roubou” a Londres a posição de liderança no trading de ações no mercado europeu. Atualmente, segundo dados da Euronext, 25% do volume de ações negociadas diariamente na Europa acontece agora no grupo que integra a Bolsa de Lisboa. A fatia de Londres baixou para menos de 15%.
A combinação, nos últimos 5 anos, dos efeitos negativos do Brexit na London Stock Exchange (LSE) e os efeitos positivos do desenvolvimento da Euronext na bolsa de Paris, proporcionou o enfraquecimento da posição da LSE e o desenvolvimento da Euronext Paris.
Empresas internacionais passaram a optar por Paris
A fragilidade do mercado londrino também está patente na evolução das ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês) este ano. As empresas que escolheram Londres para dispersar capital em Bolsa captaram apenas 1,38 mil milhões de dólares, o que representa apenas 14% do total angariado no mercado europeu (proporção mais reduzida em dez anos, segundo dados da Bloomberg).
A Euronext recebeu 59 novas cotadas entre janeiro e setembro, que angariaram 3,4 mil milhões de euros, mais do dobro dos 26 IPO registados na LSE. A Euronext já liderava em 2021, com 212 admissões, contra 112 em Londres.
“A maioria das admissões de empresas internacionais que escolhem a Europa, passaram a optar pela Euronext, tendo deixado de escolher a bolsa de Londres como acontecia antes do Brexit e antes do desenvolvimento da Euronext”, destaca Stéphane Boujnah.
O CEO da Euronext assinala que a “liderança europeia da Euronext é medida, também, pela sua atratividade junto de empresas de países vizinhos”, sendo que “várias empresas internacionais têm vindo a escolher a Euronext Paris como a praça de admissão”. Segundo a mesma fonte, a Euronext Paris “acolhe regularmente admissões de empresas espanholas em detrimento da Bolsa de Madrid: foram quatro nos três primeiros trimestres de 2022, 14 em 2021 e nove em 2020”.
Novo hub financeiro europeu nas margens do Sena
Não são só as empresas que estão a dar preferência a Paris. Sem acesso ao mercado da União Europeia a partir de Londres, os grandes bancos de investimento estão a optar por reforçar a presença nas principais capitais da Zona Euro, numa corrida em que Paris está a levar a melhor.
O Goldman Sachs mais do que triplicou os empregos em Paris desde o referendo no Reino Unido. O Bank of America passou de 83 postos de trabalho em 2017 para cerca de 500 atualmente. O JPMorgan escolheu a capital francesa para o seu hub europeu de trading, onde espera empregar 800 pessoas, tendo inaugurado as instalações com a presença do presidente Emmanuel Macron.
Uma estimativa da consultora EY aponta para a transferência de sete mil empregos de Londres para a Europa continental, um número ainda assim inferior às estimativas efetuadas em 2016 (12.500). Perto de 3.000 terão sido criados em Paris, com os restantes distribuídos por cidades com Frankfurt, Amesterdão e Dublin, que se especializaram em segmentos específicos dos mercados financeiros.
Na atração de investimento para o setor dos serviços financeiros, Londres ainda leva a melhor, mas Paris está a encurtar a distância. Ainda segundo a EY, o Reino Unido captou 63 projetos em 2021, mais do que os 60 na França, que atingiu um máximo da última década.
A queda da libra e a turbulência política
A debilidade do mercado de capitais londrino encontra justificação numa série de outros fatores, que acabam também por ter ligação ao Brexit, destacando-se o efeito cambial e os momentos conturbados na política britânica, que têm penalizado a confiança dos investidores.
Desde o referendo do Brexit, a libra acumula uma desvalorização de 20% face ao dólar, o que compara de forma desfavorável com a queda de 4% do euro contra a dívida norte-americana. A perda de valor da moeda reduz a capitalização bolsista das cotadas britânicas quando é medida em dólares. E também aumenta a atratividade para a aquisição de empresas britânicas, que acabaram por sair da Bolsa de Londres (SABMiller, Sky e Morrison são alguns exemplos).
O contágio da conturbada política britânica ao mercado de capitais atingiu o expoente máximo com o curto mandato de Liz Truss. A ex-primeira-ministra britânica esteve 45 dias à frente do Governo britânico, sendo que durante o primeiro mês a desvalorização das ações e obrigações britânicas superou 300 mil milhões de libras.
Foi a “machadada” final que permitiu à bolsa de Paris superar a LSE, com a crise política a gerar uma forte desconfiança por parte dos investidores. A última sondagem mensal do Bank of America mostra que nenhum dos gestores de ativos inquiridos pretende ter uma sobre exposição aos ativos britânicos. Em setembro, esta era a intenção de 37% dos investidores. Em sentido inverso, 17% dos gestores de ativos pretende reforçar a exposição às ações francesas.
O novo primeiro-ministro, Rishi Sunak, que trabalhou num hedge fund no início da carreira, já prometeu medidas para estimular o centro financeiro de Londres. Mas as prioridades deverão estar concentradas no reequilíbrio das contas públicas e estímulo da economia que, em 2023 e de acordo com a OCDE, deverá ter o pior desempenho entre todos os países do G20.
O luxo de Paris
Não é só do declínio de Londres que vive a liderança de Paris. A bolsa francesa tem tirado forte partido do crescimento acentuado do setor das companhias de luxo, que têm passado ao lado da crise nos mercados em 2022, contribuindo para engordar a capitalização bolsista da praça de Paris.
A LVMH, que detém marcas como a Louis Vuitton, Christian Dior e Moët et Chandon, é a cotada europeia mais valiosa, com uma capitalização bolsista acima de 300 mil milhões de euros. Mesmo a L’Oreal e a Hermès International, com um valor de mercado acima de 100 mil milhões de euros, rivalizam com as maiores cotadas do Reino Unido (Astrazeneca e Linde) e da Alemanha (Deutsche Telekom e Siemens).
“A excelente posição da Euronext Paris em termos de capitalização bolsista resulta da qualidade das empresas cotadas em bolsa, do ecossistema, e da atratividade do país no que respeita aos investimentos nacionais e internacionais”, adianta o CEO da Euronext nas declarações por escrito ao ECO.
Reconhecendo que o “desempenho atual da Euronext Paris é, em grande parte, impulsionado pela resiliência de sua franquia de luxo”, Stéphane Boujnah destaca os retornos brutos anuais iguais ou superiores a 30% entre 2017 e 2021 das cotadas LVMH, STMicroelectronics, Hermès, Kering e Dassault Systèmes, o que tem “vindo a contribuir para a influência e atratividade do mercado de Paris junto dos investidores locais, mas também dos investidores internacionais”.
Euronext admite mais aquisições para reforçar “pegada europeia”
Tirando partido do crescimento das praças de Paris e Amesterdão, a Euronext consolidou a liderança europeia e a quarta posição no ranking das maiores plataformas bolsistas mundiais, atrás da NYSE, Nasdaq e Xangai.
A aquisição da Bolsa de Itália em 2021, precisamente à London Stock Exchange, contribuiu de forma decisiva para a expansão da Euronext, sendo que o CEO da companhia admite manter a estratégia de crescimento por aquisições.
“Após esta bem-sucedida aquisição e integração” da Borsa Italiana, que foi “transformadora” para a Euronext, a empresa “está a desalavancar mais rapidamente do que o previsto, o que gerou um enquadramento em que pode ser desenvolvida flexibilidade para considerar o crescimento não orgânico que continuará a focar-se em ativos que contribuam para a diversificação das linhas de receitas da Euronext e para a expansão da sua pegada europeia”, salienta Stéphane Boujnah.
O CEO refere que a empresa “continua a acompanhar situações que possam fazer parte destas ambições nessas duas frentes: diversificação das nossas linhas de receitas, afastando-as dos negócios dependentes dos volumes de negociação, e expansão da nossa presença europeia”.
A Euronext está a desalavancar mais rapidamente do que o previsto, o que gerou um enquadramento em que pode ser desenvolvida flexibilidade para considerar o crescimento não orgânico que continuará a focar-se em ativos que contribuam para a diversificação das linhas de receitas da Euronext e para a expansão da sua pegada europeia.
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Brexit enfraqueceu Bolsa de Londres e abriu caminho à Euronext, diz CEO da Euronext, Stéphane Boujnah
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