Medo de recessão na economia americana, aliado aos receios com o impacto da inversão da política monetária no Japão e correção acentuada das grandes tecnológicas colocou as bolsas em queda livre.
Depois de uma sexta-feira muito complicada nos mercados acionistas globais, o sentimento negativo agravou-se de forma dramática no início desta semana, com um crash na Bolsa de Tóquio que levou os investidores a apertarem com força no gatilho das vendas de ações a nível global. Uma confluência de fatores negativos justifica os momentos de pânico que estão a afetar as bolsas, o que contrasta com o otimismo extremo que marcou o primeiro semestre e mostra como as narrativas nos mercados podem mudar de um dia para o outro sem que existam desenvolvimentos relevantes que o justifiquem.
As ações globais alcançaram ganhos de dois dígitos no primeiro semestre, com o desempenho a ser justificado pela resiliência da economia norte-americana, expectativas de descidas de juros por parte dos bancos centrais (sobretudo a Fed), evolução robusta dos resultados das empresas e continuação da euforia com o impacto da Inteligência Artificial. Julho ainda arrancou em alta e vários índices acionistas mundiais firmaram novos máximos históricos, mas o sentimento inverteu-se nas últimas três semanas, no que muitos analistas viram como um saudável movimento de correção.
As quedas pronunciadas na sexta-feira intensificaram-se no início desta semana, deitando por terra a expectativa de uma mera correção nas bolsas. O movimento negativo está a ser liderado pelo setor tecnológico e pelas ações japonesas, que têm liderado os ganhos nos últimos meses. Mas o movimento de quedas está a ser generalizado, com os investidores a fugirem dos ativos de risco e procurarem abrigo nas obrigações soberanas e em algumas moedas, com destaque para o iene e o franco suíço.
A volatilidade está a ser a nota dominante desta fase nas bolsas, colocando um fim abrupto ao período de acalmia que se viveu nos últimos meses. O VIX, que é conhecido como índice do medo, atingiu máximos de quatro anos. O mês de agosto é mais propício a este disparo na volatilidade e quedas mais fortes nas bolsas, o que contribui para agravar o sentimento negativo dos investidores.
De seguida estão analisados em detalhe cinco dos principais fatores que estão atualmente a induzir o selloff (movimento massivo de vendas de ações) nas Bolsas.
Regressa o medo de recessão nos EUA
A resiliência notável da economia norte-americana tem sido uma das chaves mestras da evolução positiva das bolsas globais em 2024. Apesar de as taxas de juro no Estados Unidos estarem em máximos desde o início do século, o PIB da maior economia do mundo cresceu 2,8% no segundo trimestre, duplicando o registado nos primeiros três meses do ano, com a economia a criar uns saudáveis mais de 200 mil empregos de média por mês no primeiro semestre.
Os dados de julho, publicados na sexta-feira, deitaram um balde de água fria nas expectativas de aterragem suave (soft landing) da maior economia do mundo. Foram criados apenas 114 mil postos de trabalho e a taxa de desemprego avançou para 4,3%, reavivando os receios de recessão nos Estados Unidos. O relatório do emprego soma-se a outros indicadores que apontam para o abrandamento da economia norte-americana, explicando porque no espaço de poucos dias se acentuou de forma tão pronunciada os receios de aterragem brusca (hard landing) da economia.
Os economistas apressaram-se a reagir aos indicadores económicos fracos. O Goldman Sachs elevou de 15% para 25% a probabilidade de recessão, assinalando que se o relatório do emprego relativo a agosto voltar a desiludir, a Fed pode ser obrigada a baixar os juros em 50 pontos base na reunião de 18 de setembro. O Citigroup e o JPMorgan já assumem o super corte de juros como cenário central, com este último a atribuir uma probabilidade de 50% a uma recessão económica nos próximos 12 meses.
Apesar de alertar para o possível erro de atribuir demasiada atenção a um único dado e de a taxa de desemprego estar ainda em níveis relativamente baixos em termos históricos, os analistas do UBS admitem que, “no passado, uma subida tão rápida da taxa de desemprego esteve muitas vezes associada a um abrandamento abrupto do crescimento económico”.
Os investidores estão a ser ainda mais agressivos no ajuste de expectativas para a evolução da política monetária da Fed, aguardando já um total de 120 pontos base de corte de juros nas três reuniões que restam de 2024, o dobro do registado há apenas duas semanas e dos 36 pontos base descontados no início de julho. O banco central dos EUA mantém os juros em máximos de 2001 há mais de um ano para travar a inflação e agora volta a ser chamado a resgatar os mercados com uma inversão célere da política monetária. Depois de ter sido lento a reagir à escalada da inflação em 2022, a resposta da Fed vai agora ser decisiva para o rumo da economia e dos mercados financeiros.
Euforia com Inteligência Artificial desvanece
As tecnológicas foram o grande motor das bolsas nos últimos meses, com o impressionante rally a iniciar com o lançamento do ChatGPT no final de 2022, que gerou uma euforia muito forte com o impacto da Inteligência Artificial. Os resultados das maiores companhias deram alento ao entusiasmo, levando as cotações das tecnológicas a valorizações impressionantes e as avaliações do setor aos píncaros.
As “Sete Magníficas” (Alphabet, Amazon, Apple, Meta Platforms, Microsoft, Nvidia e Tesla) transacionam a cerca de 30 vezes as estimativas de lucros nos próximos 12 meses, atirando o múltiplo do índice geral para níveis em redor das 20 vezes, bem acima da média histórica (em redor de 16 vezes). Rácios que fizeram crescer as vozes de analistas e investidores a argumentar que existe uma bolha relacionada com a Inteligência Artificial.
Há muito que a elevada concentração da alta das bolsas num reduzido número de empresas de elevada capitalização é visto como um dos principais riscos dos mercados. Com o sentimento negativo a agravar-se, os investidores estão a abandonar a aposta nas grandes tecnológicas, o que ajudou a exacerbar a queda dos índices acionistas. O Nasdaq 100 entrou em correção na sexta-feira (queda superior a 10% face a máximos), contribuindo para agravar o pessimismo. A notícia de que a Berkshire Hathaway de Warren Buffett cortou a metade a posição da Apple representou a estocada final para acelerar as perdas das tecnológicas.
O início da correção do setor coincidiu com o arranque da época de apresentação de resultados do segundo trimestre. Anunciar lucros e receitas acima do esperado já não é suficiente para justificar as elevadas avaliações com que transacionam as grandes tecnológicas e os investidores estão a demonstrar uma preocupação crescente com os elevados volumes de investimento que as companhias estão a revelar para tomar a dianteira no desenvolvimento da Inteligência Artificial.
A Nvidia é a única da “Sete Magníficas” que ainda não apresentou os resultados do segundo trimestre, sendo que os números só vão ser conhecidos a 28 de agosto, pelo que falta ainda muito tempo para que surja um potencial catalisador positivo. As ações da fabricante de chips já acumulam uma queda de 25% face aos máximos atingidos em meados de junho, conservando ainda uma valorização superior a 100% desde o início do ano. Apesar da correção muito forte das últimas sessões, o Nasdaq 100 acumula ganhos de 8% em 2024 e o S&P500 marca uma subida de 9%.
A inversão perigosa da política do Banco do Japão
Há muito que a esperada inversão da política monetária do Banco do Japão era vista como um fator com potencial para causar uma disrupção acentuada nos mercados financeiros globais. Depois de uma série de anos com taxas de juro em terreno negativo e um programa massivo de compra de ativos, o banco central iniciou este ano a inversão da política monetária ultra conservadora. Na semana passada voltou a subir os juros, para 0,25%, surpreendendo o mercado ao sinalizar mais agravamentos no horizonte.
O Japão é o país que mais poupança tem aplicada no exterior, com destaque para obrigações e ações norte-americanas. Esta subida mais rápida de juros do Banco do Japão tem potencial para induzir um repatriamento de capitais para o país, num fluxo que pode colocar em causa a estabilidade dos mercados financeiros se os movimentos forem abruptos.
Acresce que a subida de juros no Japão e perspetivas de cortes mais céleres nos Estados Unidos está a provocar uma forte valorização do iene face ao dólar. Um desenvolvimento que representa um revés assinalável para as companhias japonesas, fortemente dependente das exportações. Isto numa altura em que, apesar da recuperação da inflação, a economia japonesa continua a evoluir a um ritmo pouco entusiasmante.
Perante esta alteração de paradigma no Japão, muitos investidores estão a desfazer operações de carry trade, que consistem em obter financiamento em moedas com juro elevados, para aplicar em ativos que oferecem rendibilidades mais atrativas. Esta é uma estratégia muito popular entre os investidores, pelo que a sua anulação está a também a contribuir para turbulência nos mercados.
Todos estes fatores explicam o crash que está a atingir a bolsa do Japão. O Nikkei desvalorizou 12,4% na sessão de segunda-feira, no pior desempenho diário desde a Black Monday de 1987. Nas últimas três sessões o índice da Bolsa de Tóquio afundou mais de 20%, numa queda assustadora que teve início precisamente depois da reunião do Banco do Japão da última quarta-feira. Depois de ter chegado a acumular valorizações superiores a 20% em 2024, o Nikkei já marcava uma queda anual de 6% no final da sessão de segunda-feira.
A forma como o mercado nipónico vai conseguir recuperar destes momentos de pânico que se viveram nas últimas sessões poderá ditar a forma como as bolsas globais vão sair deste selloff. A trajetória do iene e as declarações do Banco do Japão e das autoridades nipónicas também podem ser fundamentais.
Resultados já não suportam bolsas
Os resultados das empresas no primeiro trimestre, que foram apresentados em abril e maio, também foram fundamentais para a evolução positiva das bolsas. Os lucros das companhias do S&P500 cresceram 8,2%, no terceiro trimestre de variações positivas e bem acima das projeções dos analistas, evidenciando que as empresas estavam a conseguir lidar com as taxas de juro elevadas e abrandamento suave da economia norte-americana. Na Europa a “época de resultados” também decorreu de forma positiva, apesar de as variações ainda terem sinal negativo.
Na época de apresentação de resultados do segundo trimestre, que iniciou em julho, a tendência já é diferente, com a taxa de surpresas positivas abaixo do esperado e muitas companhias a reduzirem as perspetivas de resultados anuais. O cenário é mais preocupante na Europa, onde muitas empresas estão a ser castigadas pela elevada exposição o mercado chinês, que continua a ser penalizado pela evolução débil da segunda maior economia do mundo.
As perspetivas dos analistas para os próximos trimestres são favoráveis, com as estimativas a apontarem para aumentos de dois dígitos nos lucros das cotadas do S&P500 e de variações positivas no Stoxx600. Contudo, caso se materializem as preocupações de aterragem brusca na economia norte-americana, será inevitável os analistas baixarem as suas projeções, o que acabará por ter impacto negativo nas cotações e avaliações das empresas cotadas nos dois lados do Atlântico.
Geopolítica agrava instabilidade
Os mercados financeiros conseguiram navegar sem problemas de maior o agravamento da situação geopolítica global. A guerra na Ucrânia já dura há dois anos e não travou a escalada das ações. A instabilidade no Médio Oriente também foi absorvida sem problemas significativos nos mercados, apesar do efeito potencialmente desestabilizador nas cotações do petróleo.
Mas a geopolítica continua a ser um fator fundamental na evolução dos mercados financeiros e este sell off que está a afetar as bolsas surge numa altura em que a tensão entre Israel e os países vizinhos está a agravar-se. Segundo fontes diplomáticas de diversas capitais, estará iminente um ataque do Irão em retaliação às ofensivas de Israel.
Além dos efeitos dos conflitos militares, a política também está a influenciar as bolsas num ano repleto de eleições um pouco por todo o mundo. As legislativas em França provocaram quedas pronunciadas na praça de Paris e os investidores enfrentam agora a incerteza sobre as eleições de novembro nos Estados Unidos. Donald Trump é visto como a melhor opção para Wall Street devido à promessa de corte de impostos, mas o Republicano ameaça com a imposição de tarifas generalizadas sobre produtos importados da China, o que ameaça desestabilizar ainda mais as relações comerciais entre as duas maiores economias do mundo e agravar as perspetivas para a inflação e a economia norte-americana.
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