Como as cidades europeias estão a gerir a carga turística

Limitar o AL, restringir dormidas e cruzeiros ou definir o número máximo de visitantes por área são algumas das medidas que várias cidades europeias adotaram para aliviar a pressão turística.

O turismo impulsiona a economia local, mas tem os seus desafios. A chegada dos turistas em massa está a fazer com que as próprias cidades percam identidade cultural, os preços fiquem inflacionados e a habitação acessível seja quase inexistente. Para combater este fenómeno, conhecido como “turistificação”, cidades como Amesterdão, Atenas, Barcelona e Veneza têm vindo a desenvolver estudos para avaliar a carga turística dos locais e implementar medidas para promover um turismo urbano inclusivo e sustentável.

Em declarações ao ECO, o diretor geral da Associação de Turismo de Lisboa (ATL) considera que “não há turismo em excesso” na capital e “não se coloca a questão da necessidade de combater a carga turística”. Vítor Costa argumenta que “se considerarmos o número de residentes e de utilizadores que se deslocam para a cidade diariamente para trabalhar, os turistas representam em média um acréscimo de apenas 4% de utilizadores”.

“Penso que estamos no bom caminho e que o crescimento do turismo em Lisboa é sobretudo em valor e não em volume, tal como os indicadores deste ano demonstram”, refere o porta-voz da Associação de Turismo de Lisboa. No primeiro congresso nacional da Associação do Alojamento Local em Portugal, que decorreu no início do mês na Alfândega do Porto, a presidente da Entidade Regional de Turismo de Lisboa contabilizou que vivem em Lisboa 550 mil pessoas (a somar às 400 mil que trabalham ou estudam na capital e fazem deslocações diárias) e que circulam na cidade 30 mil turistas por dia. Carla Salsinha corrobora a ideia de Vítor Costa e realçou que “com estes números não se pode falar em excesso de turismo”.

Numa altura em que Lisboa já é comparada a Barcelona na pressão turística e habitacional, o presidente do Turismo Porto & Norte (Luís Pedro Martins), o presidente do Turismo do Algarve (André Gomes) e a presidente da Entidade Regional de Turismo de Lisboa (Carla Salsinha) recusam o cenário de “pressão turística” ou “turismo em excesso”.

A Câmara de Lisboa aprovou, no ano passado, por unanimidade, a proposta do PCP para concretizar um estudo da carga turística, projeto que já tinha sido aprovado por deliberação de Câmara em 2018 e “que nunca chegou a ser executada” pelo executivo de Fernando Medina, lamenta João Ferreira. O vereador da autarquia diz ao ECO que a proposta não avançou na altura por “falta de compromisso e de vontade política, quer da anterior gestão, quer desta, em levar a cabo um estudo deste tipo”. O deputado municipal, e candidato do PCP nas próximas eleições autárquicas, defende a fixação de um “capacidade de carga turística, ou seja, definir em várias áreas um limite máximo de turismo que não afete outras funções da vida na cidade (…) e que seja compatível com a própria qualidade da experiência turística”.

No entanto, a Câmara Municipal de Lisboa garantiu ao ECO que está a desenvolver um ‘Estudo do Turismo em Lisboa’, que apoiará a revisão do Plano Diretor Municipal, instrumento que regula a instalação de novos empreendimentos turísticos na cidade. A autarquia lisboeta detalha que o estudo tem como “objetivo dotar a autarquia de elementos de caracterização e de diagnóstico que permitam tomar uma decisão ponderada, equilibrada e duradoura para a gestão e regulação da instalação de novas unidades ligadas à atividade turística.” No entanto, a autarquia liderada por Carlos Moedas não respondeu quando o estudo estará concluído.

Luís Mendes, geógrafo do Centro de Estudos Geográficos (CEG) e do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa alerta que se o “turismo ultrapassar determinada dimensão vai pôr em risco a qualidade de vida dos residentes e dos turistas”. O especialista exemplifica ao ECO que “20 mil dormidas por ano por cada mil habitantes já é considerada uma situação de turistificação”. O geógrafo nota ainda que “Lisboa é a cidade da Europa, depois de Veneza, mais próxima desse valor”.

20 mil dormidas por ano por cada mil habitantes já é considerada uma situação de turistificação (….) Lisboa é a cidade da Europa, depois de Veneza, mais próxima desse valor.

Luís Mendes

Geógrafo do Centro de Estudos Geográficos e do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa

O presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) considera que fazer “estudos para definir rácios de carga numa cidade urbana grande como Lisboa são sempre fictícios“. Eduardo Miranda realça ainda que “esses estudos não conseguem mostrar a realidade e acabam por criar só uma limitação fictícia, como acontece em grandes cidades” europeias. “Aprofundar o conhecimento do turismo é útil, mas às vezes o caminho que se escolhe é o errado. Se o caminho for criar critérios com base em rácios e transformar isso numa realidade matemática, é muito artificial e acabam por ser contraproducentes”, afirma ao ECO Eduardo Miranda.

Se o caminho for criar critérios com base em rácios e transformar isso numa realidade matemática, é muito artificial e acabam por ser contraproducentes.

Eduardo Miranda

Presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal

 

Em resposta ao ECO, o Governo disse que “o Turismo em Portugal tem condições para continuar a crescer, podendo corresponder, no espaço de uma década, a uma receita turística superior a 56 mil milhões de euros, de acordo com as projeções efetuadas pela World Travel & Tourism Council (WTTC)”. Acrescentou que, “em 2023, o Turismo gerou receitas turísticas na ordem dos 25,1 mil milhões de euros, confirmando assim a sua importância para o desenvolvimento económico do país”.

A expectativa do Governo social-democrata é que o “turismo possa continuar a crescer a médio e longo prazo, tendo em conta as mais-valias competitivas do setor em Portugal, que posicionam o país como o 12º destino turístico mais competitivo do mundo”.

Em entrevista ao ECO, Luís Araújo, ex-presidente do Turismo de Portugal, admite que “deve existir maior preocupação face aos desafios do futuro” perante um setor que no passado atingiu máximos históricos e contribuiu para cerca de metade do crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) e que cresceu 4,5% no primeiro semestre impulsionado pelos estrangeiros. No entanto, defende que “não existe turismo a mais”, considerando antes que em Lisboa, por exemplo, “há má gestão”.

Gestão dos fluxos de turistas

O ano passado, os hotéis e alojamentos turísticos registaram um recorde de 30 milhões de hóspedes e 77,2 milhões de dormidas. Com este novo marco, em 2023, Portugal foi o quinto país da União Europeia (UE) com mais reservas em alojamentos de curta duração através de plataformas digitais, com mais de 39,5 milhões de noites, apenas ultrapassado por França (159,1 milhões de noites), Espanha (141 milhões), Itália (107,3 milhões) e Alemanha (49,3 milhões).

O líder da Associação do Alojamento Local em Portugal discorda do vereador comunista e recorda que “o alojamento local é a única atividade turística que efetivamente tem instrumentos de gestão neste momento” e exemplifica que quase em toda a zona central da cidade (Santa Maria Maior, Santo António, São Vicente, Alfama) não se podem abrir alojamentos locais. No entanto, embora a Câmara de Lisboa tenha fechado as portas a novos alojamentos locais, ao implementar, em 2019, zonas de contenção absoluta, deixou aberta a porta ao setor hoteleiro, que, nos quatro anos seguintes, abriu 41 hotéis nessas freguesias que representam quase dois mil quartos para acomodar mais de três mil turistas.

Para Eduardo Miranda a solução passa por “trabalhar a distribuição dos fluxos” para que as pessoas não se concentrarem todas nos mesmos sítios e arranjar soluções para o problema dos resíduos urbanos. Defende que a lógica não passa por restringir o alojamento local, mas apostar numa “gestão sustentável”.

A Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) defende que a solução passa por uma “gestão inteligente dos fluxos de turistas; da oferta cultural e de lazer; da mobilidade e circulação; de polos de distribuição de turismo e de trabalhar melhor a sazonalidade de certos segmentos”. Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da AHP, diz ao ECO que “não está em causa o condicionamento da oferta hoteleira, mas sim de melhor gestão da procura, em articulação com a capacidade de carga das cidades. E a necessidade de reforçar, melhorar, otimizar oferta de infraestruturas, seja de transportes; abastecimentos; serviços de limpeza e manutenção”.

Porto cria oito quarteirões para aliviar pressão turística

A lógica da distribuição dos fluxos já é uma realidade mais a norte, tendo em conta que a Câmara do Porto criou oito quarteirões para aliviar pressão turística na cidade. Este novo instrumento de orientação do município da Invicta resulta do estudo “Estratégia de base para a dispersão dos fluxos turísticos do destino Porto e a criação de quarteirões no concelho do Porto”, desenvolvido pela EY‑Parthenon.

O objetivo consistiu “essencialmente na dispersão dos fluxos do centro histórico para o resto da cidade com a criação de quarteirões territoriais e de interesse”, por forma a melhor gerir a pressão turística, e a necessidade de equilibrar a qualidade de vida e bem-estar de residentes com os interesses do turismo, explica a vereadora do pelouro de Turismo e Internacionalização, Catarina Santos Cunha.

Em relação às zonas da cidade onde há maior pressão turística, como o centro histórico e a Baixa, a vereadora garantiu ao ECO: “Temos pressão, mas não temos excesso de turismo. Ainda não chegamos a nenhuma rutura”. A autarquia liderada por Rui Moreira garante que o município “está a trabalhar no sentido de preservar o futuro, contribuindo para um destino agregador, que conjugue os interesses do turismo e o bem-estar e a qualidade de vida dos residentes”.

Para além de Portugal Continental, o Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo (CITUR) está a realizar um estudo sobre a capacidade de carga no destino da Região Autónoma da Madeira. Esta investigação visa perceber quais os impactos do aumento do turismo junto da população local.

Barcelona, Amesterdão, Veneza e Atenas são alguns exemplos de destinos turísticos em espaço europeu que ultrapassaram ou atingiram um limite e por isso mesmo estão a impor restrições, com base em estudos, para não afetar a experiência dos visitante e dos moradores. O ECO falou com alguns destes municípios europeus para perceber que medidas estão a implementar para combater a turistificação.

Barcelona acaba com o alojamento local até 2028

A Câmara Municipal de Barcelona disse ao ECO que realiza este tipo de estudos há mais de duas décadas, com o último referente a julho de 2024. Segundo o presidente do município de Barcelona, nos últimos dez anos, o arrendamento de casas em Barcelona subiu 68% e o de venda 38%. Para combater a crise na habitação, a cidade vai acabar com alojamento local até ao final de 2028.

No início do mês de julho, milhares de pessoas manifestaram-se em Barcelona contra o turismo excessivo a entoar mensagens como “Turistas vão para casa” e “Barcelona não está à venda”. Vários turistas foram atingidos com pistolas de água como sinal de protesto. O vice-presidente da Câmara Municipal de Barcelona para a Economia, Finanças, Promoção Económica e Turismo, Jordi Valls, condenou a atitude numa publicação na rede social X e “pediu respeito pelos turistas que visitam a cidade catalã”.

Amesterdão restringe o número de dormidas, aumenta taxa turística e reduz cruzeiros

No final de 2022, foi elaborado um estudo intitulado de “Visão sobre o Turismo em Amesterdão 2035″, onde consta um pacote de medidas para limitar o crescimento, combater os incómodos e trabalhar para uma situação sustentável e equilibrada em 2025. O governo local de Amesterdão afirmou ao ECO que “tem vindo a tomar várias medidas para lidar com o número de turistas, sempre baseado em estudos“.

O Governo de Amesterdão anunciou que não vai permitir a construção de novos hotéis, vai restringir o número de dormidas de turistas por ano a 20 milhões e aumentar a taxa turística para desacelerar o turismo e garantir que os turistas contribuam mais para manter a cidade habitável.

A acrescentar à lista da medidas, o ano passado o conselho municipal de Amesterdão decidiu restringiu a atracagem de navios de grande porte na cidade. Uma medida que visa controlar o turismo e a poluição, já que Amesterdão tem um dos maiores portos de cruzeiros da Europa, no qual atracam centenas de mega-navios e cerca de 700.000 passageiros por ano.

O governo de Amesterdão explicou ao ECO que até 2026 o objetivo é reduzir para metade o número de cruzeiros, de 190 para um máximo de 100, e que até 2035 o terminal de cruzeiros deixe de estar localizado em Veemkade, no centro da cidade. Em Veneza, desde 2021, os navios de grande porte não podem atracar no centro da cidade.

“Depois da pandemia da COVID-19, todos começaram a viajar em massa novamente e os turistas estão a encontrar a nossa cidade novamente. Todas as tendências internacionais indicam que isto só aumentará nos próximos anos. É precisamente por esta razão que as medidas que aplicamos para limitar o turismo e as suas consequências continuam tão necessárias como sempre”, disse o vereador Sofyan Mbarki, no estudo “Abordagem ao Centro da Cidade”, realizado pela Research and Statistics for Amsterdam (O&S).

Atenas desenvolve estudo para orientar futuras estratégias de gestão turística

Atenas está a realizar um estudo para medir a capacidade de carga turística da cidade. A investigação está a ser realizada em colaboração com a Universidade do Pireu e as conclusões estarão disponíveis até o final do ano. O governo local realça ao ECO que o estudo servirá para “orientar as futuras estratégias de gestão turística.”

“O estudo vai ajudar a identificar bairros com alta atividade turística e estimar o número máximo de visitantes que cada área pode acomodar sem comprometer a qualidade de vida dos atenienses ou a experiência do visitante, e ao mesmo tempo minimizar o impacto ambiental”, detalha o município de Atenas.

“O nosso objetivo é garantir que Atenas permaneça sustentável, preservando a qualidade de vida dos moradores e permitir aos visitantes que desfrutem plenamente e aproveitem tudo o que a capital grega tem para oferecer de forma sustentável e harmoniosa”, evidencia o governo local ao ECO.

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