Comerciantes e moradores receosos com restrições ao trânsito na Baixa de Lisboa

  • Lusa
  • 8 Fevereiro 2020

A intenção da Câmara de Lisboa (liderada pelo PS) “é bastante radical em relação às necessidades do comércio da Baixa”, defende a Associação de Dinamização da Baixa Pombalina.

Na Baixa de Lisboa, os carros ainda podem circular livremente, mas a partir do verão a entrada de automóveis passará a ser condicionada, deixando alguns comerciantes receosos com o futuro dos seus negócios.

“Não temos ainda todos os dados, mas as primeiras impressões é de que as pessoas estão muito preocupadas”, começa por dizer o presidente a Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, Manuel Lopes, em declarações à agência Lusa.

Manuel Lopes admite que ainda não foi possível auscultar a opinião de todos os associados, mas sublinha que “há preocupações”, considerando que a intenção da Câmara de Lisboa (liderada pelo PS) “é bastante radical em relação às necessidades do comércio da Baixa”. “Gostamos, todos nós, de ter de facto menos carros, mas também gostamos que os nossos estabelecimentos continuem a produzir vendas ao final de cada dia e de cada mês”, frisa.

O presidente da associação realça que não está contra “medidas que possam eventualmente evitar as poluições”, mas ressalva que “não é menos verdade de que há outras zonas da […] cidade que estão poluídas ou mais poluídas do que a Baixa Pombalina”.

Os comerciantes têm também receios relativos à eficácia dos transportes públicos e a questões de segurança. “Falando de insegurança, é uma ideia que está a criar raízes dentro de nós, porque o espaço é muito grande e, retirando automóveis, vamos retirar com certeza pessoas daqui da nossa Baixa”, refere Manuel Lopes.

Na Rua Garret, uma das incluídas na Zona de Emissões Reduzidas (ZER) Avenidas/Baixa-Chiado, apresentada em 31 de janeiro pela Câmara de Lisboa, o trânsito automóvel passará a ser exclusivo, a partir do verão, para residentes, portadores de dístico e veículos autorizados entre as 06:30 e as 00:00. No entanto, numa segunda fase ainda sem data prevista, o pavimento empedrado, por onde ainda passam carros, vai dar lugar a calçada portuguesa e a rua passará a ser totalmente pedonal.

Para Anabela Pedro, chefe de vendas de uma loja de fotografia instalada na Rua Garret há 82 anos, o comércio pagará caro com a intenção do executivo municipal, liderado por Fernando Medina (PS). “Nós temos muito cliente turista, mas também precisamos do nacional. O turista não se importa de passear e de usar só a zona pedonal, mas as pessoas depois já não se vão deslocar aqui ao Chiado para fazer compras”, diz, convicta de que vai perder clientela.

Também Igor Lopes, funcionário do café A Brasileira, acredita que o comércio será “o principal afetado”, apesar de concordar com a intenção de “reduzir as emissões de dióxido de carbono”.

Ao contrário dos restantes comerciantes ouvidos pela agência Lusa, o gerente da livraria Sá da Costa, também situada na Rua Garret, acha o plano “muito positivo para a cidade, para o comércio e para as pessoas”, acrescentando que a medida já devia ter sido tomada antes. “Os carros desvalorizam a cidade do ponto de vista comercial”, argumenta Pedro Castro e Silva, dando como exemplo a Rua Augusta, que se tornou na “melhor rua da cidade” desde que deixou de haver trânsito.

A ZER abrange parte das freguesias de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António, sendo delimitada a norte pela Calçada da Glória, Praça dos Restauradores e Praça do Martim Moniz, e a sul pelo eixo formado pelo Cais do Sodré, Rua Ribeira das Naus, Praça do Comércio e Rua da Alfândega.

Esta zona é delimitada a nascente pela Rua do Arco do Marquês de Alegrete, Rua da Madalena e Campo das Cebolas, e a poente pela Rua do Alecrim, Rua da Misericórdia, Rua Nova da Trindade e Rua de São Pedro de Alcântara.

Moradores teme que mudanças expulsem mais residentes

Moradores da freguesia da Misericórdia, em Lisboa, reconhecem que as restrições de trânsito na zona da Baixa apresentam vantagens ambientais, mas receiam que a medida possa contribuir para a expulsão de mais residentes do centro da cidade.

O presidente da Associação de Moradores da Misericórdia, freguesia que abrange zonas como o Bairro Alto e o Cais do Sodré, salientou, em declarações à Lusa, que esta é uma medida que faz “todo o sentido” no ano em que Lisboa é Capital Verde Europeia, com “grandes vantagens” na redução das emissões no centro da cidade e na facilitação da circulação dos transportes públicos.

Ainda assim, Luís Paisana teme que haja uma maior utilização dos espaços públicos para fins turísticos e de divertimento, sobretudo noturno, que “se não for controlado pode trazer mais impactos negativos para os moradores”, como aconteceu no Bairro Alto quando o trânsito foi fechado. “Esse é o nosso maior receio. É que se não houver fiscalização, poderá haver continuação da saída de moradores destas zonas”, sublinhou.

Os condicionamentos de trânsito no Bairro Alto, exemplificou, comportaram “problemas de utilização abusiva do espaço público” e contribuíram para a especulação imobiliária, tendo “um impacto bastante negativo na fixação ou na manutenção dos moradores”.

“A cidade vive cada vez mais de turistas e isto ajuda a vinda de cada vez mais pessoas para visitar a cidade, mas não se preocupa tanto com os moradores que ainda cá estão. Portanto, parece-me uma medida que vai num determinado sentido, mas que não faz parte de uma estratégia a longo prazo de toda a cidade”, criticou.

Para João Gonçalves, em Lisboa apenas de visita, os condicionamentos de trânsito na Baixa da capital e a conversão de algumas estradas em espaços pedonais fazem todo o sentido. “A nível de segurança, para todos os peões é uma mais-valia. Depois até a nível de turismo, é impecável porque uma pessoa não tem de andar sempre preocupada se vêm carros, se não vêm. É mais seguro para todos”, defendeu.

Isabel Rudowsky, moradora na Baixa, também concorda com a intenção da autarquia “desde que os serviços públicos funcionem como deve ser”. Já Maria do Céu, que vive na Costa do Castelo, onde a circulação automóvel já é condicionada, diz que “é um inferno” e lamenta que os filhos não possam ir a qualquer momento à casa dos pais. “É muito chato”, disse, entre suspiros.

A autarquia prevê a apresentação deste plano, durante o mês de fevereiro, às juntas de freguesia, associações de moradores e de comerciantes e à assembleia municipal. Em março, o plano deverá ser aprovado e o regulamento enviado para um período de consulta pública.

A partir de 01 maio, os cidadãos podem efetuar o registo para a obtenção dos dísticos e em junho serão realizadas campanhas de informação, prevendo-se a efetiva fiscalização e controlo de acesso (através de pórticos) entre julho e agosto.

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