Atentos à “radicalização” em Espanha, empresários relativizam o impacto do novo Governo apoiado por nacionalistas e separatistas nos negócios com o país vizinho. Trocas bilaterais valem 23% do PIB.
Foi há precisamente um ano que a gigante espanhola Sorigué, que fatura 700 milhões, emprega 3.500 pessoas e tem atividade em áreas como construção, engenharia ou tecnologia, reforçou a aposta nas energias renováveis, iniciada em 2021 com a entrada na Ecotelia, com a compra de 70% do capital da portuguesa SunEnergy. Refletindo o sentimento generalizado dos empresários portugueses ouvidos pelo ECO, o líder desta empresa de Coimbra, que abriu em agosto uma sucursal em Ourense (Galiza), relativiza o impacto que o novo executivo liderado por Pedro Sánchez, apoiado em vários partidos nacionalistas e separatistas, terá nos negócios do outro lado da fronteira.
“Pior do que este cenário de ‘geringonça à espanhola’ seria a realização de novas eleições ou de uma governação sem maioria de apoio parlamentar que poderia sucumbir à primeira tormenta. Ainda assim, como percebemos recentemente com a realidade nacional, uma maioria parlamentar não é necessariamente sinónimo de estabilidade política, mas, pelo menos, os agentes económicos sentem uma maior confiança. Confiança esta que é essencial ao investimento”, aponta Raul Santos, CEO da SunEnergy. Fundada em 201, soma 120 trabalhadores e fatura 12 milhões de euros com a instalação de painéis solares e postos de carregamento de viaturas elétricas.
Pior do que este cenário de ‘geringonça à espanhola’ seria a realização de novas eleições ou de uma governação sem maioria de apoio parlamentar que poderia sucumbir à primeira tormenta.
Numa altura em que Portugal atravessa uma crise política, com o Governo prestes a cair e eleições antecipadas agendadas para março do próximo ano, José Carlos Oliveira, CEO do Elastron Group, diz ter a “expectativa” de que esta nova solução de Governo em Espanha “transmita confiança e estabilidade aos agentes económicos”. Este que é um dos maiores fornecedores de revestimentos para a indústria de estofos a nível europeu tem desde 2015 uma fábrica no cluster de Yecla, na região de Múrcia, e com uma rede comercial que cobre todo o território espanhol.
Com perto de 10 mil clientes e exportações para mais de 80 países, o mercado espanhol representa atualmente 20% das vendas do grupo, que recentemente entrou também no segmento da decoração e design de interiores com a operação da Magenta Fabrics. “Esperamos que estes valores venham a crescer substancialmente no futuro próximo, como resultado não só da estabilidade política, como da nossa crescente aposta numa marca que é já referência nesse mercado”, sublinha o empresário de Paços de Ferreira, falando num “mercado com grande potencial de crescimento”.
Num momento em que Portugal vive uma crise política, temos a expectativa que uma nova solução de Governo em Espanha transmita confiança e estabilidade aos agentes económicos.
Com duas flagship stores em Madrid e Barcelona, além de uma “forte presença” no El Corte Inglés, também a Vista Alegre Atlantis tem em Espanha um dos principais mercados, com um peso equivalente a 10% das vendas do grupo. Nuno Marques, presidente do conselho de administração, espera que “o novo cenário político não desvie a economy driven policy que Pedro Sánchez tem mostrado no seu histórico de governação”. Se assim for, resume, “o impacto nas relações bilaterais, ao nível económico, entre Portugal e Espanha será diminuto”.
“A Vista Alegre mantém uma perspetiva otimista quanto à sua atividade em Espanha, para 2024, prevendo um crescimento no seu volume de negócios, especialmente impulsionado pelo canal Horeca, e pelas atividades que estão planeadas também para aquele mercado ligadas às comemorações dos 200 anos da Vista Alegre, que, espera-se, alavancarão ainda mais a brand awareness e a procura pelos seus produtos”, acrescenta o responsável máximo da histórica empresa sediada em Ílhavo, que em 2009 foi alvo de uma Oferta Pública de Aquisição pelo Grupo Visabeira, que atualmente detém direta e indiretamente 94.14% do seu capital.
Esperamos que o novo cenário político não desvie a ‘economy driven policy’ que Pedro Sánchez tem mostrado no seu histórico de governação. Se assim for, o impacto nas relações bilaterais, ao nível económico, entre Portugal e Espanha será diminuto.
É do outro lado da fronteira, onde mora não apenas o principal destino das exportações nacionais, como também o principal parceiro económico de Portugal – as trocas comerciais entre os dois países ascenderam a um valor recorde de 55,5 mil milhões de euros em 2022, o equivalente a 23% do PIB. A dependência é tão grande que, na última década, um quarto das exportações tiveram como destino o mercado espanhol e quase um terço das importações nacionais tiveram como origem empresas espanholas, revelam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). No ano passado, 26% das exportações nacionais tiveram como destino Espanha e 32% das importações nacionais foram contabilizadas com produtos made in Spain.
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A Quidgest, tecnológica de origem portuguesa criada em 1988 e pioneira na geração automática de software chegou a ter uma filial em Espanha e mantém por lá uma rede de parceiros e clientes focada em projetos de transformação digital — além de ter vários colaboradores espanhóis, a operar tanto em Lisboa como em Madrid. O cofundador João Paulo Carvalho entende que “a mudança de governo, independentemente da cor política, tende a ter um impacto cada vez mais limitado nos negócios, dada a crescente influência e autonomia da sociedade civil”, refletindo “uma realidade onde as empresas e os cidadãos estão menos dependentes das políticas estatais”.
Ainda assim, o senior partner da Quidgest, que emprega 129 pessoas, sustenta que “a radicalização política, seja para a direita extremista ou para a esquerda separatista, representa uma ameaça significativa à coesão social”. Uma fragmentação que também pode criar um “ambiente de negócios instável e imprevisível”, já que as empresas “prosperam em ambientes estáveis onde há previsibilidade e um consenso básico sobre as regras do jogo”. Para o gestor, é “crucial” que os líderes políticos em Espanha “voltem a trabalhar juntos para evitar a polarização extrema e promover um ambiente onde o diálogo e o consenso sejam possíveis”.
“A crispação partidária em Espanha deve manter-se ao longo da legislatura, mas a onda de protestos tem tendência para diminuir com o tempo. O tecido empresarial espanhol tem-se mostrado resiliente face à instabilidade política e assim deve manter-se. Em relação às empresas portugueses que operam em Espanha, e em particular à YDigital Media, acreditamos que vamos continuar a desenvolver as nossas atividades de forma estável, mantendo relações comerciais saudáveis independentemente das alterações políticas. Não queremos com isto dizer que não estaremos sempre atentos aos desenvolvimentos do cenário político, até para garantir uma abordagem sensata e ponderada em relação a temas que podem ser fraturantes para a sociedade espanhola”, comenta Nuno Machado, CEO desta agência de marketing digital lisboeta.
A Norte, o presidente do grupo Bernardo da Costa olha para este Executivo empossado pelo rei Felipe VI, depois do socialista Pedro Sánchez ter obtido o apoio de 179 dos 350 deputados, como “algo estranho” e “difícil de gerir”, receando que possa haver alguma “instabilidade política”. O controverso acordo de amnistia para os líderes separatistas provocou uma reação de fúria entre os nacionalistas espanhóis, com participadas manifestações de protesto que se arrastaram durante vários dias.
A economia espanhola goza de uma estabilidade e segurança que lhe dão a possibilidade de não estar tão exposta mesmo a fatores internos, como acontece na nossa.
No entanto, Ricardo Costa acredita que este novo arranjo político não irá afetar a economia de “forma significativa” nem perspetiva “algum tipo de constrangimento, quer para as exportações, quer para as importações”. O empresário bracarense está convencido que “não será um problema para as empresas portuguesas” expostas a Espanha, como é o caso deste grupo presente em Barcelona, Santander, Madrid, Valência e Canárias, com 83 pessoas ao serviço num país em que assegura 60% das vendas.
O maior contributo vem da atividade da IBD Global, que atua na distribuição de soluções de segurança eletrónica. “A economia espanhola goza de uma estabilidade e segurança que lhe dão a possibilidade de não estar tão exposta mesmo a fatores internos, como acontece na nossa”, conclui o gestor, que lidera também a Associação Empresarial do Minho (AEMinho).
Igual tranquilidade chega da Herdade Maria da Guarda, que produz no Alentejo cerca de 1,3 milhões de quilos de azeite por ano, o equivalente a 1% da produção nacional, e fatura dez milhões de euros por ano. Em 2022, Espanha absorveu “entre 30% a 40%” das exportações a granel, com João Cortez de Lobão a mostrar-se despreocupado com a “geringonça” de formações de esquerda e direita, regionalistas e independentistas. “Não vai ter impacto económico nenhum. Se os espanhóis não têm poder de compra, os italianos e os americanos compram tudo”, contrapõe, notando que os clientes de Espanha “estão curtos e precisam de azeite bom para embalar e vender para o mundo inteiro ou para consumir”.
Indústria atenta a “possível contágio”
No seio das associações industriais há algumas reservas sobre os “ventos” que chegam de Espanha – “sempre que há instabilidade política sente-se uma retração no mercado”, começa por dizer o porta-voz do cluster do mobiliário e decoração, que tem ali o segundo maior mercado, logo a seguir a França. Por outro lado, Gualter Morgado, diretor executivo da APIMA, reforça que “a formação de um Governo ajuda sempre a estabilizar o mercado, independentemente da sua composição”. Além disso, recorda, “Espanha há muito que convive com os movimentos independentistas, por isso saberão encontrar a forma de gerir a situação”.
A formação de um Governo ajuda sempre a estabilizar o mercado, independentemente da sua composição. Espanha há muito que convive com os movimentos independentistas, por isso saberão encontrar a forma de gerir a situação.
Apesar de admitir que possa aí vir uma maior instabilidade política, também José Alexandre Oliveira, presidente da gigante têxtil Riopele, que emprega mais de mil pessoas, “não [crê] que vá interferir nos negócios que [tem] com Espanha” e que pesam 15% da produção do grupo fundado em 1927 em Vila Nova de Famalicão.
Ainda no setor têxtil e do vestuário, Mário Jorge Machado, presidente da associação do setor (ATP), opta por moderar o tom otimista. “Quando temos o nosso principal parceiro comercial [absorveu 23,6% das exportações em 2022] com situações de alguma instabilidade, pode traduzir-se também no poder de compra dos espanhóis e isso é algo que nos preocupa”.
Na indústria metalúrgica e metalomecânica lembra-se o histórico recente de governação do PSOE com partidos radicais e independentistas, e há alguma “apreensão” quanto a um “possível contágio a Portugal, tendo em conta a articulação e permeabilidade das duas economias e mesmo dos dois países”. As palavras são de Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP, notando que é o maior mercado para o setor. Em 2022, comprou quase 6 mil milhões de euros e até setembro estava a crescer 3,4% em termos homólogos.
Tal como em Portugal, as empresas espanholas já se habituaram a ter de viver e crescer independentemente dos Governos. Ainda assim, os últimos governos espanhóis têm sido hostis às empresas e à economia de mercado.
“De todo o modo, tal como em Portugal, as empresas espanholas já se habituaram a ter de viver e crescer independentemente dos Governos. Ainda assim, os últimos governos espanhóis têm sido hostis às empresas e à economia de mercado. Tal hostilidade terá efeitos muito negativos na economia a médio prazo”, antecipa o dirigente associativo, que integra também a direção da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).
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Exportadoras portuguesas enfrentam os “ventos” da geringonça à espanhola
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