Fed prepara planalto após escalar montanha dos juros

Taxa de juro dos EUA sobe hoje para 5,25%-5,5%, nível em que deverá permanecer até ao primeiro trimestre de 2024. O cenário de abrandamento suave da maior economia do mundo está a ganhar força.

A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) deverá anunciar esta quarta-feira um aumento de 25 pontos base da taxa de juro de referência, naquele que poderá ser o último agravamento do ciclo de aperto da política monetária mais agressivo dos últimos 40 anos.

As Fed Funds vão subir para 5,25%-5,50%, o nível mais elevado desde 2001 após 11 aumentos no espaço de 15 meses. Esta decisão, estimada pela esmagadora maioria dos economistas, surge depois da pausa em junho, que serviu para o banco central avaliar o impacto da sua política monetária na economia.

O banco central está agora numa posição mais confortável, tendo em conta que a inflação continua a aliviar e a economia a resistir, sinais encorajadores que mostram que é possível derrotar a inflação sem forçar uma recessão económica que era dada como certa.

O índice de preços no consumidor (IPC) dos Estados Unidos aumentou a um ritmo anual de 3% em junho, um mínimo desde março de 2021 que cimenta a tendência de descida face ao pico de 9,1% (máximo de 40 anos) registado precisamente há um ano. A inflação subjacente, que exclui o contributo dos produtos alimentares e energéticos, também desceu mais do que o esperado em junho (4,8%).

Com a inflação a descer pelo 12.º mês consecutivo, a Fed tem assim argumentos suficientes para efetuar o último movimento na escalada da montanha dos juros. Contudo, é demasiado cedo para declarar vitória sobre a inflação, sobretudo porque o indicador subjacente persiste bem acima da meta da Fed (2%) e existe sempre a ameaça de uma inversão de tendência no alívio dos preços.

Depois de subir a montanha dos juros, o que vai fazer a Fed? Continuar a agravar a política monetária, manter o preço do dinheiro em níveis elevados, ou começar em breve a percorrer a outra encosta em sentido descendente? Economistas e investidores estão a apostar sobretudo no cenário de planalto, em que a Fed mantém as taxas de juro em máximos de mais de 20 anos para garantir que a inflação continua na trajetória de alívio e sem infligir um dano adicional desnecessário na economia.

Atualmente, verifica-se um abrandamento e os dados demonstram que a probabilidade de uma recessão no curto prazo é muito reduzida. Se o crescimento dos salários abrandar, o processo de desinflação pode ser concluído apenas com um aumento moderado na taxa de desemprego e sem recessão.

Luca F. Mezzomo, economista do Intesa Sanpaolo

Juros altos por mais tempo

A média das projeções dos responsáveis da Fed, publicada em junho, aponta para mais uma subida de juros além da prevista para hoje, mas os economistas têm uma perspetiva diferente. Entre os 109 especialistas que participaram na última sondagem da Reuters, apenas 19 apontam para um agravamento adicional em setembro.

Por outro lado, o cenário a que é atribuída maior probabilidade aponta para o primeiro corte de juros só em março de 2024. Uma perspetiva que dá força à narrativa de que o banco central vai optar por manter as taxas de juro em níveis elevados por mais tempo do que se previa anteriormente.

“Tendo em conta crescimento mais lento do emprego, a debilidade da procura nas áreas mais sensíveis às taxas de juro e o arrefecimento da inflação, a Fed pode não subir os juros em setembro”, diz ao ECO Luca F. Mezzomo. O economista do Intesa Sanpaolo mantém a estimativa do “primeiro corte de juros no início de 2024, com a taxa a baixar para 4,5% no final do próximo ano, num cenário de desaceleração do crescimento do PIB, emprego e salários, bem como das pressões inflacionistas”.

É improvável que a Fed corte a sua taxa diretora este ano, e que não estará em posição de o fazer até meados de 2024, para que a inflação volte a aproximar-se do objetivo dos 2%”, assinala Nuno Mello, economista da XTB, estimando que a inflação subjacente “continuará a diminuir moderadamente, mas permanecerá acima dos 3% até ao final do ano, e que o desemprego tenderá a subir para a fasquia dos 4,5%”.

“É demasiado cedo para o banco central reivindicar vitória. A Fed não pode correr o risco de ser surpreendida por um novo aumento da inflação subjacente, que poria em causa as expectativas para a inflação, que até agora têm permanecido bem ancoradas”, pelo que “não podemos excluir um novo ajustamento no outono”, diz Franck Dixmier.

Contudo, o diretor global de investimentos em obrigações da Allianz Global Investors acredita que “a Fed quase alcançou o seu objetivo”, pelo que “a manutenção dos juros num patamar elevado, com a expectativa de que a inflação total continue a descer e as taxas de juro reais a subir, deverá ajudar a restringir as condições monetárias e a eliminar a necessidade da Fed continuar a intervir”.

Acreditamos que a inflação continuará a diminuir moderadamente, mas permanecerá acima dos 3% até ao final do ano, e que o desemprego tenderá a subir para a fasquia dos 4,5%. Neste cenário, é improvável que a Fed corte a sua taxa diretora este ano, e que não estará em posição de o fazer até meados de 2024.

Nuno Mello, analista da XTB

Powell mantém opções em aberto

Apesar dos economistas estimarem que esta possa ser a última subida de juros da Fed, aguardam que o banco central não efetue grandes alterações no seu discurso, até porque ainda serão divulgados os dados da inflação de julho e agosto antes da reunião agendada para 20 de setembro.

Jerome Powell “deve dizer que um novo agravamento de juros este ano é um bom cenário base, mas também que não se trata de uma previsão, que as decisões serão adotadas reunião a reunião e dependerão totalmente dos indicadores económicos e das implicações para as perspetivas de crescimento e inflação”, referem os economistas do UBS.

“Embora esteja a moderar, a inflação permanece bem acima da meta e com um mercado de trabalho resiliente e atividade económica resiliente, a Fed não pode correr riscos”, assinala o ING, estimando que, por isso, o banco central “continuará a sinalizar perspetivas de novos aumentos de juros, que duvidamos que se venham a concretizar”.

Luca Mezzomo acredita que a Fed vai “manter a mensagem de que as taxas de juro devem subir em setembro, a menos que os dados se desviem significativamente das perspetivas anteriores, o que pode muito bem ocorrer”.

Apesar de ter mantido os juros em junho, Powell disse na altura que “o processo de redução da inflação para 2% ainda tem um longo caminho a percorrer”, que “o mercado de trabalho continua muito forte”, pelo que seriam apropriadas mais subidas e de descartar cortes de juros tão cedo.

Estas declarações, em conjunto com os dados económicos resilientes, levaram os investidores a realinhar de forma significativa as suas perspetivas para os próximos passos da Fed. De acordo com a ferramenta da CME para antecipar os movimentos do banco central, o primeiro corte de juros só deverá chegar em março de 2024. Há escassas semanas o mercado previa redução de juros no final deste ano.

Recessão mais distante, mas continua no horizonte

Os últimos indicadores reavivaram as expectativas de a Fed ter sucesso no objetivo de alcançar uma aterragem suave da economia. Um inquérito realizado recentemente pelo influente National Association for Business Economics (NABE) dá conta que 70% dos economistas coloca a probabilidade de recessão abaixo de 50%. Em abril, menos de metade dos economistas demonstravam este otimismo.

O economista do Intesa Sanpaolo assinala que “é ainda muito cedo” para garantir o ambicionado “soft landing” nos Estados Unidos. “Atualmente, verifica-se um abrandamento e não uma recessão e os dados demonstram que a probabilidade de uma recessão no curto prazo é muito reduzida”, assinala Mezzomo, estimando que “se o crescimento dos salários abrandar, o processo de desinflação pode ser concluído apenas com um aumento moderado na taxa de desemprego e sem recessão”.

A XTB tem uma visão menos otimista, pois os aumentos de juros “deverão continuar a penalizar a economia, o que acabará por levar a uma inevitável recessão”. Nuno Mello salienta que “existe sempre um lag temporal considerável entre as mudanças na política monetária e os efeitos na economia, sobretudo para os contratos de hipoteca cujos juros são revistos apenas ao fim de 12 meses”.

Se a Fed tolerar uma inflação que persista por mais tempo acima da meta, as condições para uma aterragem suave da economia ficam mais favoráveis. Os mercados acionistas têm beneficiado com esta perspetiva de fim de ciclo de aumento de juros e aterragem suave da economia, estando os índices em Wall Street prestes a anular as quedas sofridas em 2022.

A XTB estima que os “índices acionistas poderão prolongar a tendência positiva a que temos assistido nas últimas sessões e vir testar os máximos registados em finais de 2021”, embora nessa zona seja expectável “correções violentas para a generalidade dos índices”.

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