Desemprego não disparou com o fim do lay-off

O jornalista Filipe Santos Costa assina a newsletter "Novo normal", e esta semana revela os números de desemprego dos centros de emprego, que estão a aumentar aquém dos piores cenários.

Na entrevista que deu esta semana ao Público, António Costa repetiu que a prioridade do Governo é “apoiar a manutenção do emprego”. Na entrevista que me deu na quinta-feira, e que pode ouvir aqui, António Mendonça Mendes, o nº2 do Ministério das Finanças, foi ainda mais enfático: “A preocupação central do Governo tem sido, desde o início, emprego, emprego, emprego.”

As previsões sobre a evolução do desemprego este ano são agora menos pessimistas do que durante o confinamento e antes do verão. O Banco de Portugal aponta para uma taxa de desemprego de 7,5%, bem abaixo dos 10,1% previstos em junho. O FMI, que tem previsões mais pessimistas para a economia portuguesa, aposta que o desemprego ficará nos 8,1% este ano – em abril, dizia que subiria até aos 13,9%. A estimativa do banco central e até a do FMI são melhores do que aquela que o Governo inscreveu no cenário macroeconómico do Orçamento do Estado para 2021, com desemprego nos 8,7% este ano.

Ninguém duvida do papel que medidas como o layoff simplificado para evitar que se repetissem os níveis de desemprego da crise de 2011-2013. Mas com o fim desse regime mais generoso do layoff, será que as empresas recorrerão aos despedimentos à primeira oportunidade?

Não é isso que indicam os dados de setembro e da primeira metade de outubro divulgados pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho e Segurança Social. Pelo contrário: neste período não disparou nem o número de novos inscritos nos centros de emprego, nem o número de processos de despedimento coletivo ou de trabalhadores abrangidos. A tendência continua a ser de subida do desemprego, mas uma subida, por enquanto, aquém dos piores cenários.

  • Em setembro foram abertos mais processos de despedimento coletivo: 66, acima do que se verificou em cada um dos quatro meses anteriores, mas bastante menos do que em abril, mês em que houve 140 processos.
  • Esta subida de processos correspondeu também a mais trabalhadores afetados (692), mas também neste caso um crescimento moderado, ao nível do que se passou em julho, e abaixo dos números de junho e abril.
  • Na primeira metade de outubro, foram desencadeados 26 novos processos de despedimento coletivo, abrangendo um total de 400 trabalhadores.

Ou seja, duas afirmações aparentemente contraditórias feitas esta semana pela CGTP e pelo ministro da Economia podem ser consideradas verdadeiras. A líder da central sindical denunciou um aumento dos despedimentos coletivos agora que terminou o “período de nojo” em que as empresas que recorreram ao layoff não podiam despedir – o que é verdade -, mas Pedro Siza Vieira contrapôs que esses processos “não estão a aumentar significativamente”.

Os despedimentos coletivos são só uma pequena parte da história. Como salienta o Banco de Portugal, durante o primeiro semestre as maiores reduções homólogas de emprego (entre 10% e 15%) foram entre os mais jovens, menos qualificados, com contratos a termo ou a termo parcial – ou seja, trabalhadores precários, sem vínculo ou cujos contratos não foram renovados (como os 1600 trabalhadores que a TAP vai dispensar este ano, sem despedimentos coletivos).

Layoff simplificado já não trava despedimentos

Os dados de setembro e outubro são particularmente relevantes, pois são meses em que as empresas que recorreram ao layoff simplificado – e estavam, por isso, impedidas de dispensar esses trabalhadores – deixaram de ter esse travão. Recorde-se que o layoff simplificado vigorou entre o início de abril e o fim de junho (em julho, quem já tinha aderido, e ainda não tivesse esgotado o prazo máximo de 3 meses, ainda pôde fazer a renovação). Após julho, o layoff simplificado continuou em vigor apenas para os estabelecimentos sujeitos a dever de encerramento (discotecas, por exemplo). As empresas que recorreram a este regime ficaram impedidas de despedir os trabalhadores abrangidos nos 60 dias após o final desse apoio.

O pico do layoff simplificado aconteceu em abril e maio, quando mais de 90 mil empresas recorreram a esse mecanismo de emergência, abrangendo mais de 750 mil trabalhadores no final de abril.

Para a grande maioria das empresas que optaram por esse regime, o impedimento de despedir esses trabalhadores desapareceu em julho e agosto. Mesmo para as últimas empresas a sair do layoff simplificado, o impedimento de despedir já acabou. (Porém, esse travão mantém-se para as empresas que transitaram do layoff simplificado para o seu sucedâneo, o apoio à retoma progressiva – que teve menos adesão do que o mecanismo anterior.)

Por isso é importante o primeiro olhar para os dados de setembro e, sobretudo, de outubro: não só já não existe o efeito layoff simplificado, como acabou o verão, que é sempre um período em que o emprego sobe, com o efeito sazonal das férias – neste ano, apesar de tão atípico, não se pode descartar essa sazonalidade.

É certo que outubro ainda vai a meio, mas a tendência não é de desemprego a disparar – por essa razão o Governo e o Banco de Portugal são menos pessimistas do que há uns meses.

O que dizem as inscrições e as remunerações

Outras duas formas de aferir tendências do mercado de trabalho é pelo aumento de novas inscrições nos centros de emprego e pelo número de trabalhadores que declaram à Segurança Social que estão a receber remuneração.

Olhando para as inscrições de novos desempregados no território do continente, mais uma vez a tendência é de crescimento, embora mais moderado do que diziam as previsões.

  • Entre 1 e 14 de outubro, houve 24 mil novas inscrições no Instituto de Emprego de Formação Profissional;
  • Em setembro, esse valor ficou nos 48 mil, e em agosto foram 40 mil;
  • Em julho houve 44 mil novos desempregados inscritos, 38 mil em junho e 44 mil em maio;
  • Os meses com maior crescimento de desempregados registados no IEFP continuam a ser abril (mais 63 mil) e março (mais 51 mil).

Desde que a covid-19 chegou a Portugal até 4ª feira passada, 356.205 pessoas inscreveram-se nos centros de desemprego.

No saldo entre os novos desempregados inscritos e os que encontram colocação, o desemprego registado esta semana pelo IEFP situava-se em 394 mil pessoas. São mais cem mil do que o saldo verificado no mês de março, quando o país foi atingido pela pandemia.

Ou seja: cerca de cem mil desempregados é, para já, o rasto deixado pela pandemia, pelo menos a nível oficial dos inscritos nos centros de emprego.

Por outro lado, é importante olhar também para a evolução do número de trabalhadores que declaram remuneração mensal à Segurança Social.

Em abril, no mês do grande impacto da covid, 3 milhões e 535 mil pessoas declararam que receberam remuneração. Em agosto foram 3 milhões e 581 mil. São mais 46 mil pessoas desde o ponto mais baixo deste ano.

Esta cifra ainda não chegou aos 3 milhões e 666 mil que declararam ter remuneração em março. O valor atual ainda está 85 mil pessoas abaixo desse valor (uma diferença próxima daqueles cem mil desempregados de que lhe falei acima). Mas a tendência é de recuperação.

No fim do mês o INE apresenta os dados definitivos do desemprego de agosto (a previsão é de 8,1%) e a taxa de desemprego para o terceiro trimestre.

Covid agrava-se quando economia reanimava

Os dados do desemprego conhecidos até agora são bons? Não. Se o desemprego em Portugal ficar nos 8,1%, como prevê o FMI, fica abaixo da média prevista para a zona euro (8,9%), mas só sete países dos 19 do clube do euro têm previsões piores:

  • Grécia (19,9%) e Espanha (16,8%) serão os campeões do desemprego, sendo certo que ambos já estavam em 2019, bem antes da pandemia, em níveis altíssimos (17,3% e 14,1% respetivamente);
  • Itália também ultrapassa a barreira dos dois dígitos (11%);
  • França, Letónia, Lituânia e Finlândia são os outros países do euro com previsões de desemprego acima de Portugal.

As previsões incluídas no boletim do Banco de Portugal, com base no Eurostat, vão no mesmo sentido:

As previsões eram piores do que a realidade, e as previsões têm aliviado. “A nossa taxa de desemprego seria hoje provavelmente mais do dobro do que aquela que é se não fossem as medidas que foram tomadas”, frisou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, lembrando as projeções do Banco de Portugal sobre o assunto:

Daí o compromisso de João Leão, esta semana, de dar “ainda mais apoios” às empresas caso a pandemia se agrave. E a reação hiperbólica do Governo perante o agravamento da situação sanitária, com recordes sucessivos de novos casos, mais internamentos e acumulação de vítimas mortais. A proposta de tornar obrigatória a app de rastreio de contactos StayAway Covid foi a forma de dar “um abanão” ao país (palavras de António Costa), que corre o risco de voltar ao estado de emergência e recolher obrigatório logo quando a economia dá sinais de reanimar.

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